Quando a minha mãe dizia que íamos aos “barros” apanhar erva,
ficava todo contente por duas razões: Porque “íamos-por-esses-caminhos-acima”
como se fossemos para Ranholas, para o mercado de São Pedro ou para a “Serra” e
era a “Carocha” que, depois da difícil trabalheira a aparelhá-la à carroça, nos
levava, voando por cima de tudo quanto era “caminho-de-cabras”, até lá
chegarmos. Depois, na volta, era muito mais difícil. A carroça vinha carregada
de molhos de erva e nós, a pé. Para evitarmos que a “Carocha” voasse e a erva caísse
no chão, a minha mãe punha-se à frente dela com a arreata muito curta, comigo
ao lado e, assim, ela vinha com calma.
Aquela vontade de correr com a carroça atrelada, acho que era
a forma de protestar por lhe estarmos a pôr coisas em cima e, por outro lado,
correndo, o “sofrimento”, acabava mais depressa.
O terreno que se chamava “barros”, localizava-se ali para as
bandas onde viria a ser construída a “Impala”. Se não era mesmo, andava lá
perto. Não me lembro se era de “renda” ou do meu avô. Sei que, certa altura do
ano, ia lá com a minha mãe, algumas vezes.
Lembro-me especialmente de uma ida lá, com o Zé Augusto. Como
era mais crescido e mais forte que eu, naquele dia, foi ele a ajudar a minha
mãe a levantar os molhos de erva para os pôr à cabeça, e levá-los até à
carroça. Quando ele empurrava um molho para a cabeça da minha mãe, uma cobra,
que a mim me pareceu grande, escorregou pelo molho. O Zé Augusto, que tinha
sempre um “apetite” especial por estas coisas, não deixou a cobra cair no chão,
conseguindo agarrá-la, acho que pelo rabo, deu-lhe duas voltas no ar, como se
estivesse a atirar um laço de corda, e largou-a. Com o balanço, a cobra foi
cair distante. Ele ainda lá foi, mas nem a cobra, nem rasto. A Ti Augusta, não
se apercebeu de nada. Só mais tarde lhe contamos. Ela, meio a rir meio
surpresa, ainda ralhou connosco. A minha mãe, duma forma geral, não tinha medo
dos “bicharocos”, mas, das cobras e salamandras (pretas e amarelas), tinha
muito.
Logo após as primeiras chuvas, a alimentação das vacas era
reforçada com a erva que, entretanto, crescia. Duas ou três vezes por semana,
lá andávamos com a “Carocha”, na “cena” da erva fresquinha e, muitas vezes, bem
molhada. Íamos a vários “terrenos” do meu avô, sempre à volta da Abrunheira.
Muitos desses locais, fazem hoje parte da área ocupada pelo condomínio privado
“Quinta da Beloura”. Muitos outros, dos nomes que tinham, são hoje bairros da
Abrunheira. Por exemplo: Sesmarias, Colónia, Carrascal, Maçarocas ou Arroteia.
Infelizmente, alguns destes bairros, continuam por legalizar. Continuam,
abusiva e inexplicavelmente, a chamar-lhes “bairros-clandestinos”. É frequente
vermos ruas sem nome e, em vez disso, e por necessidade de identificar
determinado endereço, colocaram-lhes placas com números.
Passaram muitas décadas, desde que eu e a minha mãe, deixamos
de cortar erva para as nossas vacas, nesses locais, porque começavam a ser
construídas as primeiras casas.
É inaceitável e vergonhoso que alguns, ou parte destes
bairros, continuem por legalizar.
Cheguei a pensar, que o anúncio dum grande projeto aparecido
há dois ou três anos chamado “Abrunheira-Norte”, e que previa, como
contrapartida, a legalização dos “clandestinos” Bairros da Colónia e, ou
Sesmarias, iria ser o começo da resolução de outras situações idênticas e que,
finalmente, começaríamos a ver toda a área urbana da Abrunheira, à luz dos
poderes instituídos, legalmente considerada e melhorada. Mas, não! Do falatório
e assembleias iniciais que sugeriram algumas alterações ao projeto, passou-se a
um silêncio ensurdecedor.
É claro que não quero voltar ao tempo em que ia com a minha
mãe e a “Carocha” aos “Barros”, à “Arroteia”, às “Maçarocas” ou aos “Celões”,
apanhar erva para as vaquinhas.
Gostaria sim, de ver, ações eficazes, envolvendo projetos
privados ou públicos, que asfaltassem as ruas destes “Bairros” e as
identificassem, colocassem as infraestruturas subterrâneas ou de superfície e
que, duma forma geral e em definitivo, melhorassem a qualidade de vida dos seus
moradores, que são pagantes dos respetivos impostos, (embora clandestinos) e,
por fim, legalizassem as suas ruas e as suas casas que são parte integrante da
Abrunheira.
Será que este novo fôlego autárquico, nos vai brindar com
soluções para este (mau) estado de coisas? Ontem, na tomada de posse dos
eleitos para a Assembleia e Junta de Freguesia da União das Freguesias de
Sintra, o Presidente do Órgão Executivo, Fernando Pereira, referiu-se à questão
aqui abordada, como fazendo parte das suas prioridades para o mandato agora
iniciado. Assim declarado, acreditamos que tudo o que estiver ao seu alcance
fará, para que o problema seja resolvido.
Já agora, mais uma curiosidade; perante a minha insistência em
perguntar à minha mãe, donde raio vinha aquele nome de “barros”, um dia, não
sabendo mais o que me dizer, explicou-me que tinha aquele nome porque a terra
era como se fosse barro. Eu fiquei convencido. Porém, quando eu era mais
espigadote, confessou-me que, na verdade, não sabia e nunca ninguém lhe tinha
explicado porque o terreno tinha aquele nome, mas, confrontada com a minha
pergunta e como não gostava de me deixar sem resposta, atirou-me com aquela
que, por acaso, até tinha alguma lógica, porque a terra era, na verdade, muito
consistente como é o barro.
Nunca soubemos se a razão do nome seria mesmo essa, mas,
ainda assim, a Ti Augusta, achou que devia justificar-se comigo.
Era, era não! É a melhor mãe! Porque todos os dias me ajuda a
ir em frente.
Silvestre Brandão Félix
23 de outubro de 2017
Foto: Plano ou projeto
publicado pela C.M. Sintra. para “Abrunheira-Norte” (Google)