quarta-feira, 6 de setembro de 2017

VERÃO NO FIM, COMEÇO DAS AULAS E PANFLETOS DA CAMPANHA ELEITORAL

Mais de trinta graus a caminho dos quarenta, é muito para um abrunhense ou abrunheirense, como outros afirmam ser correto dizer-se. Bom, duma maneira ou doutra, trinta e tal graus não deixa de ser calor e, ainda mais, se o nosso providencial ventinho estiver de folga. Dirão alguns; é verão, por isso natural que estejam trinta e tal graus. Pois, é verdade, digo eu. Mas então, como explicamos a um neto ou uma neta, que tem de ir para a escola durante o verão, que, em boa verdade, está associado (o verão) a férias, praia, preguiça, forrobodó, etc.?

Eu, quando pela “Quinta do Olival” passava, tomando a esquerda e, mais acima, depois da curva, virava à direita junto à taberna do (depois do Faial) Ramos e enfiava pela azinhaga da pia até um pouquinho antes da entrada para a Escola, nunca o fazia antes de 7 de outubro. É verdade, naquele tempo do “botas”, as escolas começavam todas nesse dia, desde que não fosse sábado ou domingo.

Pela Abrunheira, mesmo com ventania, o mês de setembro era de férias e o pessoal do Casal dos Icos não dava tréguas à brincadeira. Bem comandados pela Luizinha, o bando brincava, rezingava, pedalava e descansava até final do mês. 

Porque assim era, o nosso saudoso Júlio Silva, só levantava a tenda de campismo da Lagoa de Albufeira, no feriado (que uns inteligentes há pouco tempo quiseram eliminar) do 5 de outubro. Nesse dia, fazia-se o último banho salgado da época e era cozinhado o último almoço na praia, pela nossa querida Laura. Dois dias depois, os rapazes e raparigas começavam a Escola.

Ainda escrevendo sobre altas temperaturas e fortes ventanias, uns quantos contados em anos mais tarde, quando por outros mundos andava, duas principais coisas, para além da família, me faziam sempre falta: Não ter à vista a torre do Palácio da Pena e, se o destino fosse África da Lusofonia, o ventinho que pela Abrunheira passa a maior parte dos dias do ano. É claro que gostaria de ter comigo outras “serventias”, mas, estas duas, eram as mais importantes.

Voltando outra vez para trás e ao uso das fontes, chafarizes e “saudosas” águas correntes do Rio das Sesmarias todo o ano, não resisto à tentação de puxar pela imaginária de cordel e ao vício incontornável de falar de abrunhenses ou abrunheirenses que, também, muitas vezes passaram pelo Largo do Chafariz, sentindo o vento e, claro está, o saudável odor, resultado das necessidades fisiológicas que, todos os animais, enquanto matavam a seda, ali deixavam.   

Então, ainda de calor e vento escrevendo, de certeza, que as mesmas queixas tiveram, não poucas vezes, o Coutinho que era Bernardino e tinha a “Ciência-da-Pedra”, e o Sacadura que era Francisco Borrego e não se lhe conhecia ciência nenhuma, que, fiando-se no ventinho da nossa “Terra”, daquela vez lhes faltou e a tornaram Brasil do Atlântico Norte – assim como se fosse um regresso às origens como conta o Laurentino Gomes no 1822 – numa aventura que, em vez de aeronáutica, se tornou acrobática, quando foram os dois parar com os quatro costados ao chão.  

Vestígio da nossa brasilidade, o Café Brasil, lá em cima, na avenida dos combatentes. Pois então, a única razão porque o Manel batizou assim o café, foi a dita aventura, sonhada pelos abrunhenses ou abrunheirenses, Coutinho que era Bernardino e Sacadura que era Francisco Borrego, que assim se tornaram padrinhos da alcunha de “Brasil” que a nossa Terra tomou, até aos da minha geração. Daí para cá, foi-se perdendo o sentido da alcunha e, hoje, rapaz ou rapariga que, nestes primeiros dias deste mês, já será “despejada(o)” na grande escola, saberá, sim, onde é o Brasil das telenovelas, mas desconhece onde é o outro “Brasil” deste lado do Atlântico.    
   
O Bernardino que não era Coutinho, porque o trabalho na pedreira do Ti Miguel, para além da “Ciência” que aplicava em cada operação de quebradura bem medida, tinha de ter a força física requerida para que o resultado fosse o pretendido e, as temperaturas altas, não eram nada amigas desta arte da pedra, levada, muito a sério, pelo genro do Caracol Velho.

Nem a Judite Caracol, sua mulher, se dava bem com o calor. Pois é, ela, mulher de muitos quereres e saberes, quando a temperatura ia alta, logo adivinhava que tarefa extra ia ter nesse dia. Lá mais para a tardinha, espreitar pelo Faial ou Ramos, pelo Álvaro e Menina Emília, até encontrar o Coutinho que era Bernardino e lavá-lo para casa já com muitos “gãos-na-asa”, ou seja, muitas ciganas e charretes metidas no bucho.   

O Francisco Borrego que não era Sacadura, também não se embeiçava com o calor e com a falta de vento. Se assim fosse, não teria dito: “empurra agora que faz vento”. E, como todos já sabemos, embora eles tivessem atirado as culpas para a falta de vento, não foi por isso que foram direitinhos ao chão.

O reclamante abrunhense ou abrunheirense, para o caso tanto faz, que, no que toca ao calor o faz pelo excesso e no extremo, já, no que ao frio diz respeito, a coisa vai pelo contrário. Não há frio que “chegue-aos-calcanhares” dos dias em que, de manhã, encontrávamos as covas do jogo do bilas, cheias de gelo. E também, a caminho da Escola, junto à “Vivenda Juveniana”, onde ainda está o sítio, mas de azulejos nada, a nascente que ali corria, ficava coberta de gelo. A gente quebrava-o e, dali a bocado, já estava outra vez na mesma.

O companheiro Rio das Sesmarias deixava que, nos cantinhos, junto às margens, a sua água gelasse um bocadinho e, passando, com sua licença, para a outra margem junto à horta do Manel da Colónia e à casa do Ti Joaquim, as pedreiras do Ti Miguel, lá mais acima, laboratório da “Ciência-da-Pedra” do Coutinho que era Bernardino, no inverno formava pequenas lagoas cobertas de gelo. Havia anos em que o Zé Augusto, atreito à aventura, conseguia andar por cima do gelo sem que se partisse.

Relendo a prosa que já vai longa e, quando digo, «altas temperaturas e forte ventania», alguns dos meus amigos, com certeza, pensarão que de campanha eleitoral, irei falar.

Não! Estejam descansados que a minha disposição, neste particular, é igual à dos candidatos. Tudo calmo e sem se falar de nada. Completamente ignorados e esquecidos. Curiosamente, nem promessas há. Claro, estou a referir-me à nossa Terra, quanto muito, à antiga (que espero ainda seja recuperada) freguesia de São Pedro de Penaferrim. 

Silvestre Félix


Abrunheira, 6 de setembro de 2017 

Fotos: (Google)

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