quinta-feira, 31 de agosto de 2017

O SANTO, OS GANSOS DO TI VERÍSSIMO E AS TRETAS D’AGORA


Quando a “sorte-grande” calhava, tinha ordem de soltura para poder ver, naquele dia, “O Santo”, na televisão da “Sociedade”. Eu e os outros ainda putos, quando, assim era, muito contentes ficávamos.   

Começava a prosa para a minha Mãe e ela respondia:

“De santos está o mundo cheio!”

E eu, sem saber muito bem o que havia de dizer, insistia até ouvir:

Tá bem, vai lá, mas quando acabar vem logo para casa.  

Na Abrunheira daquela altura, que, como agora, de manhã se vazava e ao cair da noite se enchia de operários e operárias das fábricas à volta. A maior de todas era a Messa das máquinas de escrever. Eram alguns milhares. De números certos não sou sabedor como o Bento, que por lá laborou.

Eu, uns anos mais tarde, muitos calos ganhei nos “indicadores” das duas mãos, matraqueando naquelas teclas duras e que exigiam alguma força.

Peças pré-históricas, hoje, para a miudagem que já nasce com “écrans-touch” numa mão e xuxa na outra.  A Estrada de Mem Martins, da Estação ao Cruzeiro, nas horas de ponta, se enchia de caminhantes idos ou vindos da Messa.

Como sempre vou repetindo, para ver se em mim acreditam, a relação que tenho com a lembrança de nomes, é má, muito má, mesmo! Por isso, não se arreliem os meus amigos citados, não fazendo parte da estória, ou os outros que, não citados, poderiam lá ter estado. Inventar, nos escritos, faz parte dos “abençoados” desabafos seniores.

Ver televisão na “Sociedade” era divertimento de luxo. O Ti Jorge Farpela lá ligava a “coisa” e estava sempre atento quando lhe dava os habituais “fanicos”. Ele, sabedor e especializado, lá ia e mexia no botão da esquerda no da direita, ao centro, pancadinha daqui e dali e a “coisa” deixava de tremelicar. Outras vezes era mesmo preciso ir corrigir a direção da antena.

Há dias, mencionei aqui num escrito, o carneiro “Baltazar” do Tavinho. Era um “cornudo” ensinado pelo dono e, à coca estava sempre, pelo Largo do Chafariz. Ali, iam muitos animais beber água e era caminho de todos os abrunhenses. O danado do “Baltazar”, metia-se com todos para gaudio do Tavinho. Ria que nem um perdido. Mas, então, porque escrevi sobre ele, perguntaram-me mais pormenores sobre o “Baltazar” e eu não soube responder. Não soube, porque não o conheci. Quem parece, ainda levou algum “encosto” do carneiro, foi o meu irmão Vitor. Através da “musica” dele, é que eu soube do “cornudo”.

O meu habitual receio de passar no Largo do Chafariz naquele tempo, era, por causa dos gansos do Ti Veríssimo. Aqueles “monstros” de penas, também faziam guarda ao Largo e, andante que não lhes agradasse, corriam atrás e mordiam-lhe as canelas. Desses é que eu tinha medo.

Claro, fui crescendo e os, antes, “monstros”, já não me pareciam assim tão grandes. Ainda assim, os fulanos, de pescoço acima e abaixo, sopravam e sopravam, se calhar, na esperança que em dragões se transformassem e, à força do fogo, me pusessem dali para fora.

Já espigadote, sentado com o Rui e o Zé Fernando no degrau do armazém do Ti Álvaro, muitas vezes miramos as tentativas dos gansos em levantar voo. Vinham a correr com as asas a-dar-a-dar para cima e para baixo, desde o Ti Miguel e, quando chegavam perto do Chafariz, as patas, por breves instantes, levantavam um pouco do chão. Paravam e desistiam ao pé do João-d’Leião.

Diz-se, “que a conversa é como as cerejas”, não tem fim e, a escrita, é como uma torneira aberta (com o freio nos dentes), não acaba. Assim seja!

Naquela época dos gansos do Ti Veríssimo, à volta da terceira ou quarta classe, pela primavera e verão acima, muitos grilos e cigarras se ouviam na Abrunheira. Pelo Rio das Sesmarias corria água e lá andavam as enguias que iam e enchiam os alcatruzes do poço da horta, nalguns sítios até dava para tomarmos banho, quando o calor apertava. À noite, junto dos novos postes da luz, dezenas de morcegos cirandavam caçando os insetos encadeados pelas lâmpadas. Fora do perímetro do clarão elétrico, uma multidão de pirilampos ou, como lhes chamávamos, “caga-lumes”.

Andando cá para a frente, cinquenta e muitos de tempo contado em anos, que nem dá para a reforma por inteiro, muitas tretas vemos, ouvimos e lemos. A maior parte, não dá para acreditar porque, no fim, são tretas, mesmo!

Fique claro que não quero voltar aquela época. Já foi! Já passou!

Evoluímos e hoje temos uma vida melhor, mas, mesmo assim, gostava que os caga-lumes continuassem a ser vistos, que os morcegos “mamassem” os mosquitos e melgas sem ser preciso usarmos inseticida para os matar, que o Rio das Sesmarias continuasse a ter água e enguias a maior parte do ano, que os grilos e as cigarras se ouvissem.

Os lugares são feitos de pessoas. A Abrunheira tem história e devemos conhecê-la. É importante que se lembrem os protagonistas dessa história.

Neste tempo de elaboração de programas eleitorais, de promessas, mesmo que sejam vãs, como infelizmente na maior parte das vezes acontece, que se faça um esforço para dignificar a memória dos abrunhenses idos, se respeitem os do presente e se prepare a chegada dos que aí vêm.

Silvestre Félix

31 de agosto de 2017

Foto: Google

sábado, 19 de agosto de 2017

ASSENTO DE PROXIMIDADE


“Assento de proximidade” (dos abrunhenses) era, como já aqui tenho escrito, o local onde o “poder” se sentava, até ao longínquo (???) ano de 2013.

Há quem não acredite no azar do número, mas eu, pelo-sim-pelo-não, não descarto o propósito do treze, de vez em quando, nos tramar a vida. Acredito também, que não foi por acaso, ter mandado tanto naquele governo de má memória, o fulano que viria a cair por outras razões muito menos gravosas do que esta, de transformar o “assento de proximidade” em “assento distante”.

Pois é, mudaram o “assento” de sítio e, quem precisar de lhe chegar, que se lixe, aliás, é sempre o mesmo e o mexilhão que o diga.

Naquele “longínquo” ano, muitos berraram e barafustaram, mas, passados quatro de anos contados, tudo caladinho! No que toca ao local do “assento”, nem se mexem, não vá alguém dar por eles. Nos dias ímpares, dá a impressão que também lhes interessa que assim seja. Nos dias pares, fazem de conta que o “poder” até não está assim tão longe.

A Abrunheira, quando o “assento de proximidade” era em São Pedro de Penaferrim, chegou a ter bem encaminhado, garantido poiso para Quartel da GNR, Centro de Saúde, Escola pelo menos até ao 3º ciclo e outras benfeitorias. Tudo se esfumou e o Largo do nosso Chafariz, deixou de dar caminho às alegrias duma Assembleia de Voto. Dá-nos tristezas, só isso!

Deixamos de poder escolher o nosso vizinho, amigo ou conhecido, porque o “assento” está muito distante e, lá, são outros que se sentam.

A mês e meio de fazer a cruzinha no boletim de voto, os que botam faladura, vão-se desdobrando em futilidades que, mesmo essas, só são lembradas de quatro em quatro anos.

Partidos velhos, partidos novos, independentes que já (nunca) foram, e outros que tais, têm ainda tempo para convencer os mais descuidados.

Para reagir a estas manigâncias, muita falta faz, que o “bem-armado” carneiro Baltazar do Tavinho, pudesse voltar a passear no Largo do Chafariz e que, bem puxada a sua natureza, boas marradas conseguisse dar, nos “papagueadores” do costume. 

Decerto que este carneiro Baltazar do Tavinho, saberia diferenciar os maus, dos bons desta estória, que, ainda assim, também os há!

Silvestre Félix
Abrunheira, 19 de agosto de 2017