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sábado, 23 de novembro de 2019

UM PONTEIRO, S. MARTINHO E A ÁGUA-PÉ


Se eu fosse um ponteiro de relógio… a volta completa tinha dado… o Bernardino que não era Coutinho, no mesmo sentido e pelos mesmos caminhos, também, muitas voltas, deu.

Por esta altura do ano, com o suave aroma da “água-pé” do Pena, (https://largodochafarizaosol.blogspot.com/2017/11/sao-martinho-e-agua-pe-do-pena.html) o nosso “Cientista-da-Pedra”, muitos S. Martinho’s comemorou. Dali, da “pedreira do Ti Miguel” — onde, exatamente, neste dezanove do XXI, existe um ótimo campo de jogos a nascente dum lindíssimo verde parque — o Bernardino que não era Coutinho, muito fiel ao ditado, “No São Martinho vai à adega e prova o vinho”, não provava o vinho, porque esse, já o emborcava o ano todo. Especialmente no dia de São Martinho, em vez de vinho, intervalava a labuta na “pedreira” e ia provar e bem beber, a afamada “água-pé” do Pena.

Rio das Sesmarias (Foto minha-5.11.2019)
Logo que, bem de manhã, passava pelo amigo e companheiro Rio das Sesmarias, nesta altura do ano, bem aviado estava de água das chuvas e das nascentes a montante, o motivo da conversa era a “água-pé” do Pena.

 Até antes disso, quando ao sair de casa e no mesmíssimo momento em que o melro “Simão” e a sua companheira “Micas”, (https://largodochafarizaosol.blogspot.com/2018/03/cagado-que-naquela-epoca-se-chamava.html)batismo feito a meias, pelo seu sogro Caracol Velho e filha Judite — chegavam ao poiso habitual dando-lhe os bons dias com o característico “pianço”  e desejando-lhe um ótimo dia de São Martinho, já aí, a última parte, era pura imaginação, mas a sede da “água-pé” era tanta, que até lhe soube mal o vinho que a Judite, misturando com pão duro que nem os cornos do carneiro Baltazar, transformou em “sopas de cavalo cansado”.

O Caracol Velho reivindicava a exclusividade da interação com os melros, mas sem o “velho” saber, o Coutinho que era Bernardino foi conseguindo meter-se naquela “conversa”. Depois, uma parte, o simpático casal piava como lhe apetecia, a outra parte, o Coutinho que era Bernardino, punha a sua singular imaginação a trabalhar e, do Simão e da Micas, passava a ouvir o que muito bem queria. Naquele dia, de São Martinho, achou que estavam sintonizados com a sede de “água-pé” que ele tinha.

Se eu fosse um “ponteiro de relógio”, às oito horas, tinha atravessado a Arroteia — que continua combinada com as letras do alfabeto e numerais simples — de nascente para poente até ao das Sesmarias, paredes-meias, ou melhor, Rio-meias com a Beloura, que não a do Chico, no tempo do Coutinho de era Bernardino. No sentido do “ponteiro”, lá está o início da rua que o homenageia; Rua Gago Coutinho! Como havia ele de saber que muito tempo contado em anos lá para a frente, alguém se havia de lembrar porque chamaram Brasil, à Abrunheira. Porque foi ali, por cima das “Pateiras”, que um dos Zambujeiros mais altos, serviu de rampa de lançamento para — querendo imitar o feito do Gago Coutinho e Sacadura Cabral voando até ao Brasil — aproveitando uma “rabanada” de vento, iniciarem o memorável voo. Só que, em vez de voarem, escaqueiraram-se os dois do chão.
  
Pois bem, seguindo o sentido do “ponteiro” e pela da Colónia acima, à moderníssima Urbanização das Sesmarias, cheguei. Muito ali calcorreou o Coutinho que era Bernardino dando voltas e mais voltas pela pedreira do “Ti Miguel” que ali, cheia de entulho, foi!

Rua das Sesmarias, subindo a partir do Rio (Foto minha - 5.11.2019)
Com a devida vénia ao Rio das Sesmarias por cima dele passei com a lembrança do Ti Joaquim da fruta e começando a subir a rua a que o Rio também deu o nome. Tantas tropeça-delas o Coutinho que era Bernardino, por ali deu. A ânsia de chegar à Menina Emília ou lá acima ao Faial, para molhar a garganta, atrapalhavam-lhe o andamento, mas, neste dia, do que falamos é da “água-pé” do Pena. Pois bem, subindo a rua, à esquerda o Cipriano no Serrado do Penedo e à direita, o beco para a casa do Pena. Era lá, naquele dia de São Martinho, que “morava” a melhor “água-pé” da Abrunheira, deste mundo e arredores.

Muitas voltas de relógio que nem ponteiro, se podem dar, pisando as mesmas pedras do abrunhense que tinha a “Ciência-da-Pedra” — O Coutinho que era Bernardino.


Silvestre Brandão Félix      
23 novembro de 2019

domingo, 13 de outubro de 2019

BALTAZAR, O AUTORITÁRIO



Como puro e digno representante da “Ovina-Espécie”, legítima autoridade controladora e guardadora de todo o “Largo-do-Chafariz”, obediente à voz de comando do “Tavinho” e descendente direto do importante e denominado, “Rebanho-do-Sapateiro-de-Manique”, não podia, o Baltazar, “levar à paciência”, que o desafiassem daquela maneira.
BALTAZAR, O AUTORITÁRIO (gravura do google)

E eu, o que escrevi e que p’ra frente vou escrever, muito embora pudesse ter acontecido, inventei-o! A verdade, fica-se pela existência das “personagens” e, eventual coincidência, numa ou noutra situação. Muitos vivas aos abrunhenses, aqui evocados!

O Carlos, que não era “Fadista”, mas para os abrunhenses ou abrunheirenses, era como se fosse, sempre teve uma relação complicada com o Baltazar. Todas as vezes que um se enfiava no ângulo de visão do outro, tratava logo de aplicar os devidos procedimentos; O Carlos que não era “Fadista”, na defesa. O Baltazar, representante da “Ovina-Espécie” e bem aviado de cornadura retorcida em duas ou três voltas, no ataque.  

O Tavinho, que gostava da “festa”, nunca perdia a oportunidade de proporcionar momentos de extremo prazer ao seu domesticado e obediente animal e a ele próprio. Enquanto o Baltazar fazia “das-suas”, o Tavinho, encostado à ombreira da porta da vacaria, de modo meio-escondido, ria-se que nem um perdido.

O Carlos que não era “Fadista”, sempre resistia à sua condição de vítima da sociedade abrunhense, mas, lamentavelmente para ele, sem sucesso. Como se se tratasse “da cereja no cimo do bolo”, não lhe faltava mais nada do que ter que levar com o “cornudo” Baltazar.

Naquele final de dia cheio de festança da “eletricidade”, (durante alguns anos, os abrunhenses festejavam a chegada da eletricidade à Abrunheira) à boa maneira dos “sessentas” do século passado, O Carlos que não era “Fadista”, empreendeu a difícil tarefa de iniciar a caminhada para casa.

Ora, a pinga que todo o dia lhe tinha corrido pela “goela-abaixo”, tinha produzido o seu efeito. Foi por vontade própria e pela alta competência, no que “toca” a técnica de vendas apuradíssima, do Rafael que não era “Coxo”. Não havia freguês a chegar, que o Ti Rafael não angariasse um de três tinto para O Carlos que não era “Fadista”. 

Então, O Carlos que não era “Fadista”, saiu da “Festança”, no largo fronteiro à Quinta do Olival, Quinta de Santo António e do quintal da casa onde a minha família morava, pela rua da casa do Sigamó que ainda não era do “Olival”, até à curva da Deolinda e João “Tirapicos”. Contando os passos dados para a frente, para os lados e para trás, O Carlos que não era “Fadista”, terá demorado mais duma hora.

Aquela hora, o Tavinho já tinha mungido as vacas e tudo estava recolhido à exceção do Baltazar. De avental posto, — não fosse passar por ali alguma ovelha “saída” ou entrada, para ele era igual — o Baltazar, ainda farejava por ali. Tinha uma boa visão, mas cheirava melhor que um cão! E foi, na certa, devido a essa excecional capacidade, que lhe entrou pelas ventas dentro, o odor a vinho azedo que nem vinagre, que O Carlos que não era “Fadista”, trazia com ele e que o carneiro bem conhecia. Pois, só pode ter sido, porque dali, desde a porta da vacaria do Ti Veríssimo, onde o Baltazar e o Tavinho estavam, ainda não dava para ver o motivo pelo qual o carneiro já raspava o chão com as quatro patas.    

Bufando e com os olhos postos para lá da esquina da casa do Manel da Colónia, de vez em quando mirava o dono, como que a pedir-lhe autorização, mas não havendo reação do Tavinho, o animal continuava no mesmo sítio. A ansiedade era tanta que, continuando a raspar o chão, até se começava a babar. O Carlos que não era “Fadista”, coitado, lá vinha, mas não havia meio de chegar ao cimo do Largo do Chafariz.

Até que, certinho como “matemática-equação” resolvida, três “acontecimentos” se conjugam no mesmo, preciso-momento: O Carlos que não era “Fadista” a dobrar a esquina do Manel da Colónia, a partida do Baltazar para uma correria desenfreada em sua direção e a saída do quintal para o Largo, do Ti Hilário da Natália.

À partida, e para quem a assistir estivesse, nada impediria que o “carneiro-cornudo”, desse mais uma cornada no Carlos que não era “Fadista”. Pois bem, mas poucos sabiam e o Tavinho era uma das exceções, que o Baltazar tinha um “alto” respeito, pelo Ti Hilário da Natália. Nunca ninguém soube porquê, nem mesmo o Ti Hilário. Estivesse com um “copito” ou com meia-dúzia deles, o Baltazar até se ajoelhava à frente do Ti Hilário. Quem não gostava nada da cena, era o Tavinho. Roía-se de ciúmes. Então, o cabrão tinha mais respeito a um vizinho, do que a ele? Mas que mistério!

Naquele fim de tarde de “festança”, tudo estava “preparado” para que acontecesse uma desgraça, não fosse a perspicácia do Ti Hilário, resultado da “espertina” da longa sesta e da folga que a Ti Natália lhe tinha dado com a sua ausência, que “num-décimo-de-segundo”, percebeu o que ali estava em jogo. Acelerou duas passadas e, em menos de nada, estava na trajetória do Baltazar que, enfurecido, lá ia em direção ao “cambaleante” Carlos que não era “Fadista”.

— Baltazaaaaaar!!!

Gritou o Ti Hilário, virando-se ao mesmo tempo, na direção do carneiro-cornudo e autoritário — entretanto, o Carlos que não era “Fadista”, sem se aperceber de nada, continuava no mesmo passo hesitante e cambaleante, a aproximar-se do “centro-de-ação”. Se não, se tivesse visto o Baltazar, com a “bravura” da “vinhaça” como lhe era peculiar, ainda era capaz de o querer “tourear”. O Carlos que não era “Fadista”, independentemente da sua inesgotável “sede”, tinha um problema sério do foro psiquiátrico e neurológico, sofrendo todo o tipo de “gozo” e discriminação social. A família fazia o possível e o impossível para lhe dar o melhor, mas, naquele tempo, as coisas eram mesmo assim — o Baltazar, ouvindo o chamamento do Ti Hilário, fez uma travagem a fundo às “quatro-rodas” e conseguiu parar mesmo em frente do marido da Ti Natália, que também chegava naquele instante.

Com o grito do Ti Hilário, outras pessoas assomaram às portas e janelas, mas ninguém teve coragem para fazer parte da cena ou melhor, não me apetece acrescentar mais personagens ao escrito que já vai longo.

O Ti Hilário lá elaborou, em prática gestual, alguns “mandamentos” para Baltazar ver. O cornudo-carneiro aos seus pés se enroscou e, respondendo a mais um gesto do mandante, de barriga para cima, depois ajoelhando-se, até ter ordem para se sentar, como cão fosse. E ali ficou quietinho, sem ligar ao chamamento do dono Tavinho. O Ti Hilário foi buscar O Carlos que não era “Fadista” e, antes de mandar o Baltazar de volta ao Tavinho, mostrou-lhe bem a habitual vítima das “chacotas” coletivas, que ele, carneiro-cornudo, ajudava a fazer. Ninguém sabe explicar como foi possível aquela mudança de atitude, mas a partir daquele dia, sempre que o Baltazar via O Carlos que não era “Fadista”, metia-o-rabo-entre-as-pernas e ia embora.
………………………………………….

Meio-século depois, a discriminação social é, infelizmente, ainda uma realidade da nossa sociedade. Por ignorância, por medo ou simplesmente por afirmação classista, parte considerável das pessoas com quem nos cruzamos no dia-a-dia, discriminam outras com os mais variados e quase sempre condenáveis, pretextos. O Carlos, a que aqui me refiro, era uma dessas vítimas.

Chafariz da Abrunheira (Foto do Zé Dionísio)
O nosso Chafariz, obra da autoria do Ti Veríssimo, pai do Octávio (Tavinho) e da Ofélia, completou mais um ano de vida num destes dias. Penso que já lá vão 95 contados em anos. Quando precisei de dar um título a este blogue, foi o primeiro nome que me ocorreu — Largo do Chafariz!
Todas as homenagens para quem construiu o Chafariz, para quem, ao longo deste quase século se serviu dele e, especialmente, para os seus cuidadores atuais. Ao Artur e à Mena, um grande abraço!

Silvestre Brandão Félix
13 outubro de 2019

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

POPULISTAS, O BALTAZAR E AS OVELHAS COM O CIO

Sem saber como, em menos de nada, o Manel Fingido estava com os quatro costados no chão. Ainda com as pernas a dar-a-dar, no ar, cabeçorra ao léu porque, com a queda, a boina voou como se ventoinha fosse, gritava:

— Ai! Ai! Ai! Que o cabrão do carneiro me mata! Tirem-no de cima de mim… ai, ai, ai… que eu morro já aqui!

Enquanto o Manel Fingido gritava e tentava levantar-se, o Tavinho, nas calmas dele e adivinhando o motivo de tamanha algazarra, porque, logo pela fresquinha, o Baltazar lhe tinha arreganhado a dentuça, deixou o que estava a fazer e, à entrada da casa das vacas, confirmando o suposto, assobiou e chamou-o.

Pois é! Mais uma vez, o Baltazar tinha feito das suas. Desde borreguito que tinha tomado o Largo do Chafariz como território seu e, ameaça que se aproximasse, não hesitava nem perdoava; recuava um metro ou mais para tomar balanço, raspava o chão duas vezes e, empinando-se só com as traseiras no chão, com toda a força, corria com a encaracolada cornadura bem apontada e raramente falhava o alvo.

O Baltazar, que continuava a marrar no Manel, que se mantinha no chão com as mãos rodeando a cabeça, como se, de bombardeamento se protegesse, estancou e virou-se na direção do Tavinho. Lá foi, como um cordeirinho manso, roçar-se nas pernas do dono que ainda ria com mais esta investida do carneiro Baltazar.

Finalmente, o Manel Fingido lá se conseguiu levantar e, olhando à volta, louco de raiva ficou, quando percebeu que esteve a dar espetáculo para muita gente. O Álvaro foi o primeiro a virar costas e a recolher ao interior do balcão, o Ti Hilário, que tinha acabado de chegar, disfarçou e, assobiando a melodia do fado do trinta e um, porque era quinta-feira, se fosse sexta, teria assobiado a do fado hilário, também entrou na taberna atrás do Álvaro. Para ele, estava na hora de mais um copito de dois branquinho, para abrir o apetite. 

Por cima do muro do quintal, também o Zé da Maria Alice tinha espreitado a sessão. Até os gansos, parados do lado de cima do Largo, assim lado a lado, como se fosse uma plateia, estiveram quietos e observadores enquanto durou aquela desigual luta. O Zé da Natália e outros mais da Natália que houvesse, também tinham assistido à “sessão” do Baltazar, mas, devagarinho, desandaram.

Muitas vezes o Ti Veríssimo, embora achando graça ao carneiro, tinha avisado o filho do perigo que era aquela “fera”. Até a Ofélia, vezes sem conta, pedia ao Tavinho para acabar com a brincadeira, mas não havia forma disso acontecer.

O Manel Fingido, amachucado como estava, certificando-se que o carneiro não estava por perto, foi ter com o Tavinho pedindo-lhe satisfações e exigindo a sua responsabilidade. Este, desculpando-se com a maluquice do carneiro, enfim, que era para defender as ovelhas… que quando havia ovelhas com o cio, era este desatino e mais assim e assado… porque tinha que lhe andar sempre a pôr o avental e que, hoje, ainda não tinha tido tempo de o fazer.

O Manel não estava a achar graça nenhuma às explicações do Tavinho. Mas o que tinha ele a ver com o cio das ovelhas? E o avental? Mas que raio de conversa era aquela?

O Ti Hilário, com o característico sorriso nos lábios, bebido e bem saboreado o “branquinho” que o Álvaro lhe encheu, encostado à ombreira da porta, assistia às atabalhoadas explicações do Tavinho ao Manel Fingido. Do seu peculiar silêncio, como era costume, retirava e ia reverter para o futuro, aí, pelo menos, cinquenta de tempo contado em anos, o espetáculo que seria, o Baltazar solto, sem avental, deambulando pelo Largo do Chafariz.

O Ti Hilário, embora às vezes parecesse, não se ria sem razão. Uma ou outra, pela forma habilidosa como conseguia dar a volta à Ti Natália, mas, a maioria, quando do seu silêncio retirava e revertia imagens muito para além, no tempo, como as que naquele dia tinha visto: 

Figurantes muito “papagueadores”, com uma espécie de cartazes com ditos “populistas”, que, por estarem uns atrás dos outros, o Baltazar os considerou como potenciais ameaças para as suas ovelhas com o cio.   

Bom, nem queiram saber, aquilo era marrada atrás de marrada, papagueadores e populistas pelo chão, uns de barriga para cima, outros de barriga para baixo ou de cócoras, promessas e compromissos a voar por tudo quanto era lado e, na mesma posição calma e silenciosa, encostado à ombreira da porta do Álvaro, fumando a sua inseparável beata, o Ti Hilário sorria, ensaiando uma alegre gargalhada para mais tarde.

O Baltazar não era só o guardador do rebanho, outros lhe chamaram, meio a sério, meio a brincar: O justiceiro popular!

Silvestre Brandão Félix
6 dezembro de 2017
Foto: Google
Nota: Os meus escritos no Largo do Chafariz, partem, quase sempre, duma base mais-ou-menos verdadeira, mas são totalmente ficcionados. Alguns nomes são verdadeiros e outros não. 

sábado, 19 de agosto de 2017

ASSENTO DE PROXIMIDADE


“Assento de proximidade” (dos abrunhenses) era, como já aqui tenho escrito, o local onde o “poder” se sentava, até ao longínquo (???) ano de 2013.

Há quem não acredite no azar do número, mas eu, pelo-sim-pelo-não, não descarto o propósito do treze, de vez em quando, nos tramar a vida. Acredito também, que não foi por acaso, ter mandado tanto naquele governo de má memória, o fulano que viria a cair por outras razões muito menos gravosas do que esta, de transformar o “assento de proximidade” em “assento distante”.

Pois é, mudaram o “assento” de sítio e, quem precisar de lhe chegar, que se lixe, aliás, é sempre o mesmo e o mexilhão que o diga.

Naquele “longínquo” ano, muitos berraram e barafustaram, mas, passados quatro de anos contados, tudo caladinho! No que toca ao local do “assento”, nem se mexem, não vá alguém dar por eles. Nos dias ímpares, dá a impressão que também lhes interessa que assim seja. Nos dias pares, fazem de conta que o “poder” até não está assim tão longe.

A Abrunheira, quando o “assento de proximidade” era em São Pedro de Penaferrim, chegou a ter bem encaminhado, garantido poiso para Quartel da GNR, Centro de Saúde, Escola pelo menos até ao 3º ciclo e outras benfeitorias. Tudo se esfumou e o Largo do nosso Chafariz, deixou de dar caminho às alegrias duma Assembleia de Voto. Dá-nos tristezas, só isso!

Deixamos de poder escolher o nosso vizinho, amigo ou conhecido, porque o “assento” está muito distante e, lá, são outros que se sentam.

A mês e meio de fazer a cruzinha no boletim de voto, os que botam faladura, vão-se desdobrando em futilidades que, mesmo essas, só são lembradas de quatro em quatro anos.

Partidos velhos, partidos novos, independentes que já (nunca) foram, e outros que tais, têm ainda tempo para convencer os mais descuidados.

Para reagir a estas manigâncias, muita falta faz, que o “bem-armado” carneiro Baltazar do Tavinho, pudesse voltar a passear no Largo do Chafariz e que, bem puxada a sua natureza, boas marradas conseguisse dar, nos “papagueadores” do costume. 

Decerto que este carneiro Baltazar do Tavinho, saberia diferenciar os maus, dos bons desta estória, que, ainda assim, também os há!

Silvestre Félix
Abrunheira, 19 de agosto de 2017


terça-feira, 27 de março de 2012

O CARNEIRO BALTAZAR!


Baltazar se chamava, o macho ovino com grandes cornaduras reviradas em caracol nas laterais cranianas que, considerando a lógica linguística e regra gramatical que atribui o género do nome, terminando com a vogal a ou o, e por isso devia ser “ovelho” (masculino de ovelha), mas que, talvez, para realçar a valentia do animal, se conhece por “carneiro”. Este, era constantemente desafiado a investir para quem à frente lhe aparecesse. A designação, aparentemente derivada de “carne”, também se escolheu para signo do Zodíaco e para identificar as pequenas ondas espumosas no alto mar. Também se diz “carneirada” para muitos carneiros juntos ou, aplicado à “raça” humana, de muitos obedientes seguidores de um líder ou de determinada ideia.

Vem esta conversa de “cornos”, “marradas” e “carneiradas”, a propósito (de muita coisa, o que não falta para aí são exemplos) do “carneiro” “marrão” do Tavinho. Antes que o meu irmão venha dizer que não era bem assim, “assado e aquel’outro”, previno já, que me apetece contar as investidas deste vigoroso macho ovino, à minha maneira, impreciso no calendário e com personagens que podem ou não ter a ver com a parte verdadeira da carneirada.
       
Baltazar bem “inteiro” vivia e, por isso, na maior parte dos dias logo pelo nascer o Sol à chegada do Tavinho para a tarefa de mungir as vacas e depois as ovelhas, posicionava-se bem no ângulo de visão do dono, maneava a cabeça bem armada como se estivesse a dizer que sim, berregava alto e arreganhava-lhe o lábio superior mostrando a dentadura ovina envolvida em saliva e espuma da remoedura, em sinal de desejo para montar as fêmeas do rebanho que de cio fossem portadoras. O Tavinho, sempre prevenido para quebrar os “desmandos” sexuais do carneiro, saca de um dos ganchos do penduricalho o avental feito da pele dum antepassado do Baltazar e, devagar, pela lateral traseira à esquerda e com a mão direita na cornadura do outro lado, aplica-lhe a correia da barriga ao lombo, bem justa ficando a pala pela frente da ferramenta reprodutora, impedindo-o de concretizar, em oportuna fugida ao rebanho, qualquer penetração estupradora, indesejada e fora de tempo.

O Tavinho, surdo aos avisos do pai Ti Veríssimo e aos conselhos da mãe Ti “Estrudinhas”, dobrava-se a rir quando o Baltazar investia no traseiro de algum distraído Abrunhense. Nos dias em que o macho ovino arreganhava a dentuça para o Tavinho, era “trigo limpo, farinha amparo”, havia marrada na certa. Os “habituês” já sabiam e nem perto do Chafariz passavam. Já não bastavam os ganços, quanto mais as marradas do carneiro. Ainda assim, muitos Abrunhenses tinham que passar mesmo pelo Largo do Chafariz; para ir ao Álvaro, ir buscar água ou levar o gado a beber ou, simplesmente, passar para o lado da Menina Emília. Ora bem, o Tavinho, com a marotice toda, tinha o pessoal bem marcado e, quando qualquer da lista passava perto, assobiava ao Baltazar e não era preciso mais nada; a vítima enfrentava e arriscava ou então tinha que se pôr ao fresco rapidamente.

O Baltazar portava-se como se cão fosse. Obedecia ao dono e guardava o seu território com as armas (cornos) que tinha. O Tavinho divertia-se com o comportamento do carneiro escondendo, claro está, a sua cumplicidade. A sua natureza bondosa, generosa e simpática, embora também divertida, levava a que os Abrunhenses pensassem que o Tavinho era tão “vítima” do carneiro como as que o Baltazar marrava.

Muita água o Chafariz deitou, muito cântaro e bilha lá se encheu, muito gado encheu o bandulho no tanque, muitas “ciganas”, “charretes” de dois e de três, tinto ou branco se beberam, muita água o “Rio das Sesmarias” correu debaixo da ponte da Colónia, muitas vezes os ganços do Ti Veríssimo levantaram voo, muitas notícias “visadas pela comissão nacional de censura” eu li no jornal do Ti Álvaro, muitos soldados p’ra Guerra Colonial em África foram forçados porque da Índia já tinham vindo, muitos contestatários presos políticos estiveram e torturados foram, muitas Luas pelo monte descansaram, muitas solas o Ti J’oquim Caga-Chuva cozeu, muito reboco o Ti Hilário da Natália chapou, muita pedra o Coutinho que era Bernardino, com ciência a trabalhou, muito corridinho o Ti Faneca tocou e muito cigarro fumou, muita gargalhada o Rafael Coxo deu, muito cachimbo o Ti Mendes construiu e gastou, muito cabaz de fruta o Pechincha vendeu e também muito deu, muita piela o Zé da Natália apanhou, muito morcego o “Julinho” tentou apanhar na ponta da cana ensebada, muitos episódios do “Último dos Moicanos” eu vi na “sociedade”, muita…muita coisa aconteceu nesta Abrunheira que, desde a história do Francisco Borrego que virou Sacadura e do Bernardino que passou a ser o Coutinho, também ficou a chamar-se Brasil… até que um dia…embora fosse verão mas as nuvens ameaçavam chuva, talvez fosse aviso para a tragédia que se preparava…nesse dia, ainda meio-dia não era quando, o Maratecaque do nome só se percebia …teca porque o homem tão depressa falava que engolia metade das palavras – saia do Ti Álvaro depois de ter molhado a goela aplicando à tarefa, o braço e a mão direita descansando o lado esquerdo com o cotovelo no balcão de mármore rosa, seco e asseado como era costume na “Tendinha”. O conteúdo do copo de três, soube-se depois, era tinto do melhor, extraído do barril aberto pelo Ti Álvaro ainda não eram oito da manhã deste dia cinzento, embora a verão estivesse obrigado pela força do calendário.

Habitualmente, aquela hora, já a Ti “Estrudinhas” lhe chegava o almoço mas, nesse dia…a tentação era forte e o Tavinho não podia perder a oportunidade de por a adrenalina a percorrer o corpo lãzudo do Baltazar. Na verdade, hoje não lhe tinha mostrado os dentes pela alvorada e, por isso, o Tavinho, também não tinha colocado o avental na barriga do animal ficando assim “o aparelho” completamente desprotegido e pronto a “atuar” no caso lhe passar à frente alguma fêmea “carregada” de cio. Então…o Tavinho, ignorando o mau presságio do cinzento em dia de verão avançado, mirando o “estrangeiro” – que só alguns dias depois soube chamar-se Marateca – saindo do Álvaro, encarou o Baltazar e, como sempre se divertia fazendo, assobiou dando sinal de ataque com toda a carga.

O carneiro Baltazar, completando rapidamente a charada de neurónios naquela cabeçorra cornuda, e utilizando o mesmo tempo para por a adrenalina “no ponto”, inicia a debandada em direção ao Marateca, aplicando no arranque, a máxima, de rapar duas vezes com os traseiros. Levanta a “armação”, e lá vai ele! O último cliente do Ti Álvaro, que estava a iniciar o avanço para o largo em direção ao Chafariz, apercebendo-se das intenções do Baltazar, estanca…e, sem se lembrar de mais nada, levanta os braços esticados à altura da cabeça com os dois dedos indicadores bem direitos, formando um arco como se de dois cornos de tratasse, e dá dois passos para o lado donde vinha o carneiro.

Se isto estivesse a acontecer em anos contados, cinquenta mais tarde, podíamos imaginar uma cena virtual. Quem vai marrar quem? Com certeza que a playstation resolveria o dilema. Provavelmente os cornos do Baltazar se transformariam noutra coisa qualquer e os braços e dedos do Marateca, num emissor de laser’s mortíferos e demolidores que nem a troika lhes resistiria. Se este frente-a-frente, que nem 21h30m do MCrespo fosse, na certa o nosso Largo do Chafariz, alcatifado a bosta de vaca e debruado a caganitas de ovelha, depressa virava “plateau” virtual com todas as cores a que tem direito. Se o acontecimento não estivesse a dar-se com o “botas” ainda a “cavalo” no poder, perseguindo e torturando todos os que se lhe opusessem, assim como o Marateca de caras com o Baltazar, seria um tempo virtual em que na Abrunheira até jardins com o nome de “forno” existiam. Aliás, nessa distante galáxia Abrunhense, muitos “fornos” haverão; A padaria que será “o forninho”, a rua do forno e, mais tarde, ao ritmo de santa Engrácia, o jardim do forno.

 Mas não, estávamos quase na época da pedra que, mesmo assim, era matéria viva e delicada para o Bernardino que não era Coutinho e sabia a “ciência da pedra”. Voltemos então à narrativa de meados do longínquo século XX…

Na altura em que os dois (Marateca e Baltazar) quase se tocavam de frente, já alguns Abrunhenses se aproximavam para assistir a mais uma marrada do carneiro do Tavinho. Pois é, só que desta vez, mesmo no meio do Largo do Chafariz, iriam ver a lógica transformar-se numa batata. Naqueles instantes, começou a instalar-se a dúvida em muitos Abrunhenses sobre quem venceria a contenda. O próprio Tavinho que, como sempre, estava impávido e sereno esperando o desfecho do costume, começou a sentir suores frios a escorrerem-lhe pelas costas abaixo, quando, a suposta vítima, entendeu enfrentar o seu obediente e esperto Baltazar

Foram momentos de alta tensão, eram audíveis as respirações dos contendores que sobressaíam do silêncio tumular nunca sentido no Largo do Chafariz. Foram segundos de tempo contado num êxtase geral, subindo a emoção dos presentes até às nuvens que, como já se disse no início do escrito, estavam cada vez mais negras, antecipando uma forte trovoada de verão que, porventura, Baltazar adivinhou.

Os dois, Marateca ou somente …teca e Baltazar, parados, frente a frente.

De repente, o inteiro macho ovino, maneia o focinho para cima e para baixo e, arreganhando a beiça, desata uma berregadela bem forte, dá meia-volta e, começando a verter todas as águas que a bexiga armazenava e botando muita quantidade de caganitas negras como as nuvens, raspa no chão com as traseiras e arranca numa correria desenfreada na direção do Tavinho que este, estonteado e apardalado com o que via, não se lembrou de que atrás de si estava um fardo de palha que, no segundo seguinte, lhe servia de enxerga. Na horizontal, quando deu conta de si, Tavinho sentiu as patas dianteiras de Baltazar bem pousadas na sua barriga e assim ficou até perceber que a fúria do carneiro se tinha dissipado.

Ao Marateca nunca mais ninguém o viu, mas a cena ficou marcada e conhecida na Abrunheira e arredores como a “vingança do Baltazar”.

O Tavinho, a partir daquele cinzento dia de verão, nunca mais assobiou com o Baltazar por perto, não fosse, outra vez;

«o feitiço virar-se contra o feiticeiro»

Silvestre Félix

27 de Março de 2012

(Texto ficcionado pelo autor, baseado nalguns factos, nomes e lugares verdadeiros)