Sem saber como, em menos de nada, o Manel Fingido estava com
os quatro costados no chão. Ainda com as pernas a dar-a-dar, no ar, cabeçorra
ao léu porque, com a queda, a boina voou como se ventoinha fosse, gritava:
— Ai! Ai! Ai! Que o
cabrão do carneiro me mata! Tirem-no de cima de mim… ai, ai, ai… que eu morro
já aqui!
Enquanto o Manel Fingido gritava e tentava levantar-se, o
Tavinho, nas calmas dele e adivinhando o motivo de tamanha algazarra, porque,
logo pela fresquinha, o Baltazar lhe tinha arreganhado a dentuça, deixou o que
estava a fazer e, à entrada da casa das vacas, confirmando o suposto, assobiou
e chamou-o.
Pois é! Mais uma vez, o Baltazar tinha feito das suas. Desde borreguito
que tinha tomado o Largo do Chafariz como território seu e, ameaça que se
aproximasse, não hesitava nem perdoava; recuava um metro ou mais para tomar
balanço, raspava o chão duas vezes e, empinando-se só com as traseiras no chão,
com toda a força, corria com a encaracolada cornadura bem apontada e raramente
falhava o alvo.
O Baltazar, que continuava a marrar no Manel, que se mantinha
no chão com as mãos rodeando a cabeça, como se, de bombardeamento se
protegesse, estancou e virou-se na direção do Tavinho. Lá foi, como um cordeirinho
manso, roçar-se nas pernas do dono que ainda ria com mais esta investida do carneiro
Baltazar.
Finalmente, o Manel Fingido lá se conseguiu levantar e,
olhando à volta, louco de raiva ficou, quando percebeu que esteve a dar
espetáculo para muita gente. O Álvaro foi o primeiro a virar costas e a recolher
ao interior do balcão, o Ti Hilário, que tinha acabado de chegar, disfarçou e,
assobiando a melodia do fado do trinta e um, porque era quinta-feira, se fosse
sexta, teria assobiado a do fado hilário, também entrou na taberna atrás do
Álvaro. Para ele, estava na hora de mais um copito de dois branquinho, para
abrir o apetite.
Por cima do muro do quintal, também o Zé da Maria Alice tinha
espreitado a sessão. Até os gansos, parados do lado de cima do Largo, assim
lado a lado, como se fosse uma plateia, estiveram quietos e observadores
enquanto durou aquela desigual luta. O Zé da Natália e outros mais da Natália
que houvesse, também tinham assistido à “sessão” do Baltazar, mas, devagarinho,
desandaram.
Muitas vezes o Ti Veríssimo, embora achando graça ao
carneiro, tinha avisado o filho do perigo que era aquela “fera”. Até a Ofélia,
vezes sem conta, pedia ao Tavinho para acabar com a brincadeira, mas não havia
forma disso acontecer.
O Manel Fingido, amachucado como estava, certificando-se que
o carneiro não estava por perto, foi ter com o Tavinho pedindo-lhe satisfações
e exigindo a sua responsabilidade. Este, desculpando-se com a maluquice do
carneiro, enfim, que era para defender as ovelhas… que quando havia ovelhas com
o cio, era este desatino e mais assim e assado… porque tinha que lhe andar
sempre a pôr o avental e que, hoje, ainda não tinha tido tempo de o fazer.
O Manel não estava a achar graça nenhuma às explicações do
Tavinho. Mas o que tinha ele a ver com o cio das ovelhas? E o avental? Mas que
raio de conversa era aquela?
O Ti Hilário, com o característico sorriso nos lábios, bebido
e bem saboreado o “branquinho” que o Álvaro lhe encheu, encostado à ombreira da
porta, assistia às atabalhoadas explicações do Tavinho ao Manel Fingido. Do seu
peculiar silêncio, como era costume, retirava e ia reverter para o futuro, aí,
pelo menos, cinquenta de tempo contado em anos, o espetáculo que seria, o
Baltazar solto, sem avental, deambulando pelo Largo do Chafariz.
O Ti Hilário, embora às vezes parecesse, não se ria sem razão.
Uma ou outra, pela forma habilidosa como conseguia dar a volta à Ti Natália,
mas, a maioria, quando do seu silêncio retirava e revertia imagens muito para
além, no tempo, como as que naquele dia tinha visto:
Figurantes muito
“papagueadores”, com uma espécie de cartazes com ditos “populistas”, que, por
estarem uns atrás dos outros, o Baltazar os considerou como potenciais ameaças para as suas ovelhas com o cio.
Bom, nem queiram saber, aquilo era marrada atrás de marrada,
papagueadores e populistas pelo chão, uns de barriga para cima, outros de
barriga para baixo ou de cócoras, promessas e compromissos a voar por tudo
quanto era lado e, na mesma posição calma e silenciosa, encostado à ombreira da
porta do Álvaro, fumando a sua inseparável beata, o Ti Hilário sorria, ensaiando
uma alegre gargalhada para mais tarde.
O Baltazar não era só o guardador do rebanho, outros lhe
chamaram, meio a sério, meio a brincar: O justiceiro popular!
Silvestre Brandão Félix
6 dezembro de 2017
Foto: Google
Nota: Os meus escritos
no Largo do Chafariz, partem, quase sempre, duma base mais-ou-menos verdadeira, mas são totalmente
ficcionados. Alguns nomes são verdadeiros e outros não.
CarregaÓMacho!Leitura RICA ou RICA leitura MBom! Abraço :)
ResponderEliminarObrigado Alberto!
ResponderEliminarAbraço!
Silvestre Félix