sexta-feira, 24 de junho de 2011

O MANCEBO E A FESTA!

Foi a dois, porque a três de Março assentei praça na Figueira da Foz. Estava zonzo da “tola” porque se tivesse em perfeito juízo, tinha dado parte de doente.
E agora? Pergunta quem lê… Foi a dois, o quê?
Responde quem escreve… É claro (para quem tecla) que na véspera de me apresentar no quartel, mesmo sem ter feito mal a ninguém e os outros (“os”, porque naquele tempo “as”, não iam à tropa) terem ficado todos numa boa na Abrunheira, foi a festa de despedida da condição de “mancebo” para ingressar na de “militar” (salvo seja).
Sendo portador crónico (a não ser que ultrapasse os 100 de tempo contado e passado em anos de viajem) daquela “síndrome” conhecida por “entas” como me esclareceu há dias o Rui, adquiri o bom (péssimo para alguns) hábito de inventar algumas coisas, de esticar outras e de meter nomes e alcunhas, mesmo sem bucha, em diálogos que às vezes nunca existiram. Por isso, que não se incomodem os citados e não me chamem nomes os bem memorizados. Não temos que nos chatear porque a maior parte das coisas que por nós passam, são todas inventadas ou, como agora se diz, virtuais. Em qualquer dos casos, para mim, quando se toca em nomes, o registo é, quase sempre, “lacrado”. Ontem, questionava-me o Simplício que, para os meus escritos, basta Rui e toda a gente sabe quem é, como era o nome daquele fulano…tal…que lhe parece filho do Sigamó? Pois claro, é o Lucrécio! E o Lucrécio tem duas irmãs que bem me lembro, a mais velha, casada com o António da “Russa” e a mais nova que bem me lembro do primeiro marido. Vamos lá perceber: Porquê “Sigamó”? Acham que tem alguma coisa a ver com: simplesmente – siga a mó – será isto? Seguir a mó, aquela de moer das azenhas ou dos antigos moinhos de vento?
Bem, quem para aí estiver virado que esclareça, vamos mas é voltar ao que me fez, neste dia de 40º à sombra, por estas terras mouriscas do Sul, ouvindo nuestros hermanos por tudo quanto é sítio e esplanadas, até no Chico, calculem? E teclar desenfreadamente com o São João à espreita e com o gosto da sardinha assada e do robalo escalado, como não consigo, tão bem saborear em mais nenhum lado.
Uma semana antes, quando já se adivinhava um verão quente e bem entrado já no PREC, os preparativos começaram a andar. A grande preocupação era garantir convivas de ambos os sexos de forma a tornar a festança mais alegre. Não era fácil mas, considerando a reputada compostura da rapaziada em questão, que da citação de alguns me responsabilizo sem recorrer a truques de invenção: Eu, o Rui, o Zé Carmo Silva, o Zé e o Fernando Marques, o Mário e muitos outros.
Para compor e garantir o emparelhamento, chegamos a promover um “porta-a-porta” na Abrunheira e arredores, como se de angariamento partidário ou religioso se tratasse. Duma forma geral os progenitores das donzelas eleitas, principalmente as mães, acreditaram nas nossas “boas intenções”, aliás, nunca lhes demos razões para não acreditarem, e o resultado dessa jornada a abarrotar de charme, foi pleno de sucesso como se comprovou no tal dia dois, véspera de três de Março do ano do PREC.
Ainda não perdi a esperança de, com a ajuda de máquina parecida com esta onde botamos letras, formamos palavras, construímos frases e completamos textos, conseguir regredir em trinta e seis de tempo em anos contados, mostrar o desfile de abrunhenses e não só, desde o “Cabaço”, dando a volta pelo Ramos, depois pela esquerda até ao fim do alcatrão (mais ou menos onde mora o Casaca), seguindo à direita pelo caminho de terra e pedra pouco batida até ao Caracol, assim se chamava aquela zona, desde a URCA para baixo.
A adega do Zé estava a abarrotar. Muito se petiscou, muito se dançou e muito se bebeu. Desde as três da tarde daquele dia dois de Março até… não sei, perdi a conta… só me lembro que às seis e meia da manhã do dia seguinte ainda estava bêbado. Quando a minha Mãe me chamou e levantei a cabeça, tive que ir a correr para a casa de banho porque o estômago ainda rejeitava tudo, até a saliva. Foram muitas horas de “adega”. O termo está literalmente correto. Muita bebida se levou mas, também, do líquido corrido pelas goelas abaixo, muito de boleia chegou com o Ti Azevino de mares muitas vezes navegados.
Falando em navegados e navegadores, em idas e vindas, muitos amores também iam e vinham. Naquela véspera de três de Março, ano do PREC e a nove dias do célebre onze em que se proclamou – eles andem aí – algumas paixões despertaram, outras se consolidaram e também uma, pelo menos, se findou. Sem paixão, mas só por uma questão de traços e caminhos da vida, alguns se desencontraram de vez depois de ali terem estado juntos.
De decente tudo aconteceu e nem é preciso disfarçar ou negar a alegria de toda a gente menos eu, que, de inventar também me apetece. O “Custódio”, que linguado nunca tinha visto e muito menos o sabor conhecia, na minha despedida de «mancebo» alguma coisa prendeu. Depois de ter metido umas cervejolas e no meio do vinil da Jane Birkin, descobriu os lábios rosados e carnudos da carinha laroca que com ele dançava, ou melhor, fazia que dançava, e, sem pedir licença, aplacou-lhe as beiçolas selando um prazer nunca antes experimentado. Como o “Custódio”, outros e outras se aplacaram com a mesma dose porque o Zé repetiu o mesmo vinil, e, para “capitalizar” a onda, lá desencantou outros da mesma “lenga-lenga”.
Ai que festa! Saudade bem sentida naquelas noites de Março do ano do PREC e da fundação da URCA, na preparação do corpo para a “Ordem-Unida” do dia seguinte. Não foi só a celebração do último dia antes da tropa, foi também o final de algumas outras coisas. Nos dias seguintes, de farda me vestiram, o cabelo me cortaram, de espingarda me armaram e em “cego” obediente me transformaram. Obediência estratégica, pensei eu!
Silvestre Félix
24 de Junho de 2011

quarta-feira, 15 de junho de 2011

AS NOSSAS MÃES!

Oh filho, quando fores por esses caminhos acima tens de olhar bem lá para a frente e, ao mesmo tempo, deves ter sempre muito cuidado com quem pode vir atrás… Primeiro atravessava o das Sesmarias e depois, lá mais acima, a regueira da mulata. As vaquitas e, na maior parte das vezes a Carocha que de burra tinha pouco, tinham a dianteira que bem sabiam o destino largo dos Celões. Entravam sem engano na ponta de baixo à esquerda e nunca tiveram a ousadia de seguir em frente em direção ao Linhó.
Por esses caminhos acima… os degraus da vida, de que a Minha Mãe sempre me falava. As Mães da Abrunheira eram iguais às outras. Todas eram as melhores para cada um dos putos abrunhenses e eu não era exceção – Não havia Mãe melhor, que a Minha! Estava sempre disponível para me ensinar mais um degrau e, muitas das vezes, com exemplos da sua vida cheia e rica de labuta pela família e futuro dos filhos. Tanto tempo contado em anos passados, não são poucas as vezes que uso e pratico os seus ensinamentos.
No tempo que passo em horas, dias e anos, teclando escritos fluidos da parte arrumada da memória, e sendo Abrunheira a temática, é certo e sabido que nas subidas e descidas das mais variadas personagens pelo palco, nas falas e deixas que compõem o nosso teatro, lá está sempre com o seu papel bem estudado, a Minha Mãe! Algumas das perguntas e respostas, frases soltas e coladas dos nossos diálogos, aparecem de quando em vez nas minhas postagens ou, simplesmente, em manuscritos que por aqui vão ficando…


Oh Mãe, os Índios são todos maus e os cowboys são os bons? Não filho! Há bons e maus nos dois lados! Oh Mãe, mas nos “quadradinhos”, escrevem que os Índios é que são os maus… Eu sei filho, mas os que escrevem também podem estar enganados… Mas naquele filme que eu vi na “sociedade” à noite com a Felicidade e o Alfredo, eles também diziam que os bons eram os tropas e os maus, os Índios… Está bem filho, mas quem faz os filmes também se pode enganar. Quando fores maior vais perceber melhor…
Oh Mãe, quando eu for grande também vou para a tropa? Vais, todos os homens vão à tropa! Mas oh Mãe, eu não gosto da tropa nem da guerra… quando for para a tropa também tenho que ir para a guerra? Não filho! Ainda faltam muitos anos para ires para a tropa e, quando fores, a guerra já acabou! Oh Mãe, na Guerra das Áfricas os “Magalas” também morrem como naqueles livros aos “quadradinhos” da Guerra dos alemães e do Major Alvega?
Oh Filho, tens de ter muito cuidado para ninguém ouvir esta conversa. Vê lá se está aí alguém desse lado.
Não Mãe, aqui não está ninguém!
A Mãe também não gosta da tropa nem da guerra, mas não digas isto a ninguém porque os que dizem que são os bons, podem vir fazer mal à gente…


A "Ti Augusta" desfazia-se em lágrimas, cada vez que tinha, por qualquer razão, de desfazer-se de alguma das suas bichinhas – ajudava-as a nascer, criava-as, aliviava-as da pressão do primeiro úbere cheio festejando a transformação em leite, acompanhava o primeiro cio com o cuidado que a situação requeria e, para fecho de ciclo, tratava-as e preparava-as para a função de mães, recomeçando tudo outra vez.


A Minha Mãe fazia anos a 12 de Junho, véspera de Santo António.


Silvestre Félix
12 de Junho de 2011

domingo, 12 de junho de 2011

URCA – RANCHO FOLCLÓRICO

As tarefas eram mais que muitas e todos os dias apareciam ideias novas como se fossem rebentos de feijões. O levantamento das paredes do pavilhão ia andando, não com a velocidade que queríamos mas suficiente para quebrar a nossa ansiedade. Passado algum tempo, estabelecemos o dia da inauguração do pavilhão para dia 18 de Abril de 1976, data do primeiro aniversário da instalação da URCA no local onde ainda hoje permanece.
O programa começou a ser preparado e, entre as várias vertentes da área cultural, surgiu a ideia de se formar um Rancho Folclórico. Logo à partida a coisa não se apresentou muito fácil de levar a cabo mas, a vontade e força da Celeste, da família Irra e de toda a gente, materializaram-na e, passado pouco tempo, estavam a formar um grupo adulto e outro infantil. Coordenaram a criação dos trajes, recolheram as músicas e as danças e, por fim, ensaiaram os dois grupos.
A Abrunheira estava em festa nesse dia e o pavilhão da URCA, ainda sem janelas e portas, ia finalmente receber toda a população abrunhense para assistir a um espetáculo variado, autêntico e caseiro. O Rancho Folclórico, que envolvia muitos participantes adultos e infantis, maravilhou toda a gente e marcou, não só uma data e a URCA, mas uma época em que muita coisa boa se fez, viu e ouviu na Abrunheira.
Depois de Abril de 1976 muito se questionou a paragem e o consequente desaparecimento do Rancho Folclórico que envolveu tanto trabalho e tantos abrunhenses. Razões houve com certeza e todas elas atendíveis na altura, o que pretendo é recordar e homenagear quem teve a ideia, quem criou, quem organizou, quem ensaiou e, duma forma geral, quem participou.
Remexer em baús de recordações tem este efeito – regressarmos ao passado e saudarmos os que connosco viveram os melhores momentos.

Silvestre Félix

(Foto: Rancho Folclórico Infantil - Baú de Silvestre Félix)
PS: Muitos sócios da URCA e habitantes da Abrunheira participaram nesta e noutras realizações. Era importante ser possível consultar o primeiro livro de atas da Direção e as primeiras pastas de arquivo da URCA para referir nos meus escritos, com certezas, muitos outros nomes.