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quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

LEMBRANÇAS DE JANEIRO E A ESPERANÇA

(Barbeiro-Paulo Martinho, Cliente-Tomás, Ajudante-João Sousa, Outro Cliente-Silvestre Félix)
O nosso mês de janeiro é invernoso e, por isso, frio, molhado e com dias pequeninos. Contudo, não tem só coisas desagradáveis, também é o mês em que começam a crescer os dias. Até ao fim, “oferece-nos” uma hora de luz. Muito à conta da “luz” — sempre a aumentar — traz-nos esperança! 

Em janeiro, também muitas coisas boas aconteceram. O calendário do mês ao longo do tempo, está a abarrotar de coisas boas assinaladas, mas, evidentemente, também menos boas ou mesmo más. 

Para mim, com tempo passado e contado em anos, que já vai para além do suficiente para ser reformado, idoso ou com a designação moderna “sénior”, o janeiro é sempre o começo de qualquer coisa. 

Este, mesmo com um inimigo à solta, sempre pronto a atacar o que tiver a jeito ou distraído, não deixa de não ser o começo do ano em que vamos dar cabo dele. 

Num outro janeiro, lá muito atrás, acreditamos num mundo novo. O vento revolucionário varria os nossos corações. As “lembranças”, que tenho bem arrumadas, transportam-me a uma comunhão de “interesses” que uniu esforços para o bem da população da Abrunheira. 

A confirmar esta minha carga de esperança, neste preciso momento, está a acontecer a tomada de posse do novo Presidente dos USA. Também este evento está carregado de esperança. 

“As Lembranças daquele janeiro”, são tónico para acreditar no futuro e afastar, com vigor, as más energias.


Silvestre Brandão Félix 
Abrunheira, 20 de janeiro de 2021 
Foto: Inauguração pavilhão URCA (18.04.1976)

segunda-feira, 6 de julho de 2020

A BOLA, A SOCIEDADE ANTES DA URCA E OS FUNDADORES

Panorâmica da Abrunheira 

Aqui, também se jogava à bola. Pelo vale encaixado entre Santa Eufémia com a Cruz Alta e a colina do Casal da Peça com o Cabeço de Manique, bem vincado no leito do Rio das Sesmarias, quando engrossado era, pelas águas nascidas no “Penedo”, acima de Vale de Porcas; pela “Chancuda”, mesmo atrás do Chafariz da Charneca que a D. Maria, a primeira, abençoou; pela barrenta que nascia nos “Barros”, muito longe de se adivinhar a feitura de jornais e revistas que falam coisas e algumas verdades; pela enchida, até deitar por fora, Mina do Lavadouro que primeiro dava de beber a esse “Lavadouro”, primeira versão de “rede-social” cá no sítio que ainda não era “site” e, em cima, o poço da bica do Santo António, tudo paredes-meias com as Hortas do Ti Mendes dum lado e do Ti Manel da Virgínia, do outro e, lá mais à frente, vinda de cima, corre a nascida junto à Quinta do Anjinho que vem depressa e até teve honra de túnel sob o autoestrada, ao contrário da antiga e “assassinada” — porque os habitantes pouco contam e nem lhes foi perguntado o que queriam — rua da Abrunheira ligando esta, a Ranholas, por onde a minha Mãe me levou tantas vezes, para o Mercado de São Pedro e, outras, até à “Casa-da-Serra” na Tapada do Roma, onde, ao cimo da ladeira, a minha avó Cândida nos esperava enquanto a Ti Franquelina já aprontava o café que cheirava e sabia, como nunca mais, noutro lugar, encontrei.

A seguir, todas as regueiras se juntam ao Das Sesmarias a chegar aos “Quatro-Donos”, rente à “Arroteia” no fundo dos Celões que, seguindo muito tempo em anos contados, havia de ser morada de condóminos bem resguardados com o nome da “Beloura” que já não é do Chico.

Retomando a bola e indo ao ponto que me levou, hoje, a despejar letras, palavras, pontos e vírgulas por aqui afora, recuo a pouco tempo depois de finada a II Guerra Mundial, quando rolava e voava a bola de cabedal que ao ouvido soava “catechum”, autêntico luxo comparado com as bolas de muitas meias enfiadas umas nas outras e, nesse caso, ideais para jogar de pé descalço no largo da Quinta do Olival onde também se festejava a inauguração da luz elétrica na Abrunheira que, por isso, se chama “Beco da Saudade” ou no verde do Carrascal, antes do Caracol, porque lá havia carrascos com fartura. A de “catechum” era bem dura para ser rematada com botas que ainda não eram “chuteiras” com pitons, mas que os abrunheirenses do Clube de Futebol, nas solas, aplicavam umas travessas para eliminar a lisura e travar a escorregadela.

Os, “cinquenta” se foram e os “sessenta” chegaram. Na mesma cadencia que outros portugueses, vindos de outras bandas, se iam instalando nesta terra de abrunheiros e zambujeiros com fartura. O Jorge Farpela estava a deixar de defender os postes da baliza dos futebolistas da Abrunheira que, em boa verdade, se resumia a uns solteiros e casados e pouco mais, sendo, os últimos anos, jogados no campo de futebol da Colónia.

À parte da estória, convém explicar que esta designação de “Colónia”, não é de férias — neste início dos anos vinte do século vinte e um, pós troika e em plena invasão de mais um “corona-vírus” que há cem anos, um antepassado direto, batizado “pneumónica” ou “gripe-espanhola”, limpou o cebo a mais de 50 milhões de indivíduos — como podem pensar, os Abrunheirenses ou Abrunhenses com menos de 40 anos, mas sim, prisão.

Era assim o nome antigo que agora se chama, “Estabelecimento Prisional de Sintra”. Bem sei que, fazendo fé e acreditando no saber do Dicionário da Porto Editora, “estabelecimento”, pode ser uma “instituição”, como é o caso. Para mim, estabelecimento, será sempre uma mercearia, taberna, ou qualquer outra loja com montra e tudo. Aqui, neste “estabelecimento”, a montra até seria uma péssima ideia porque tudo o que o rodeia, está a cair aos bocados. Só visto, porque contado, ninguém acredita. Os prédios do bairro e todas as moradias onde habitam guardas prisionais, estão num estado de quase ruína e outras já há muito, caíram.

Bom, voltando ao Jorge Farpela. Com as botas já a pesarem-lhe, deixou-se ficar, e bem, pela colaboração na direção da “Sociedade”. Organizavam, ele e mais alguns, uns bailaricos com as imperdíveis atuações do Ti João Baleia, do jovem filho Augusto, do Adelino Baleia, do Ti Faneca  (https://largodochafarizaosol.blogspot.com/2011/03/um-corridinho.html) e um dos seus filhos. O Jorge Farpela e o meu tio Rafael, que tantas vezes por aqui tenho escrito a seu propósito, faziam a gestão da “Sociedade” à sua maneira.

Com a chegada da televisão, a “Sociedade” passou a ter trabalho todos os dias e a presença deles os dois e mais alguns que a memória me “roubou”, era assídua. Portanto, da bola, se encarregavam outros abrunheirenses.

Antes de continuar, embora já o tenha dito e escrito muitas vezes, é importante lembrar mais uma vez — Faço o possível por referir factos e pessoas verdadeiras, mas muito tempo contado em anos já por mim passaram, pelo que, o “arquivo” já não está nas melhores condições; ou as letras estão sumidas, ou não entendo bem a caligrafia, ou as pilhas dos neurónios estão gastas, enfim, são muitas as razões que me levam a manter um antigo litígio com a “lembradura” de nomes de pessoas e lugares, levando-me a fazer umas trocas, a esquecer-me e a inventar outras. Espero que me desculpem.

Feito o “relembro”, voltamos ao futebol. À frente da baliza dos abrunheirenses futebolistas, estava, e bem consolidado no lugar, o Zé Maria. Ele, jogador na posição de guarda-redes, mas também diretor, organizador, roupeiro, massagista e treinador. O Zé Maria, nos anos sessenta, foi realmente o grande impulsionador da criação da equipa de futebol da Abrunheira, naquela época, devidamente organizada e integrada no Grupo Desportivo da Abrunheira, como muito bem me lembrou o Zé Nascimento.

O Zé Maria, casado com a Dina, filha da Ti Maria (do Florindo) e, claro, do Ti Florindo. A Ti Maria do Florindo, de quem me recordo com muita saudade, era a “alma” do “Santo António”. Mau grado o desaparecimento precoce de alguns mais próximos, era uma mulher sempre com um sorriso nos lábios. O seu filho mais novo, Zé Manel Dionísio, é muito ativo aqui, nas redes sociais, onde nos cruzamos de vez em quando.

Voltando ao futebol e recuando aos anos cinquenta, é importante referir a chegada à Abrunheira de algumas famílias oriundas de outras regiões do país, designadamente da Beira Alta. É importante porque, mais tarde, os filhos dessas famílias, principalmente e de quem me lembro, os filhos do Alexandre Nascimento; David, António e o mais novo Zé e, do Zé da Cruz, o Francisco e o tio deste, o Martins, que vão ser decisivos para, em conjunto com o Zé Maria, o Carlos Jorge, filho mais velho da Deolinda e do Ti João Tirapicos, o João Balagueiras filho mais velho do Ti Balagueiras, guarda prisional da Colónia, O Baptista, que da mais alta “estrela” também desceu, e outros, desenvolverem e consolidarem o Grupo Desportivo da Abrunheira. A propósito, da mesma região beirã e na mesma altura, chegaria e assentaria morada na Abrunheira, o Zé “Celorico” e a mulher. O Ti Zé, era “artista” sapateiro e, durante muitos anos, exerceu a sua arte correspondendo à grande procura a que o Ti Jo’quim “Cagachuva”, não dava vencimento. O apelido “Celorico” assim seria, devido à sua origem de Celorico da Beira. Este casal não tinha filhos e pela segunda metade dos anos sessenta, fui encontrar o Ti Zé e com ele convivi alguns meses, na Fábrica de Plásticos Atil, onde tive o meu primeiro emprego durante cerca de seis meses.

O nosso campo de “casa” era o “pelado” da Colónia. Naquela época, a Colónia ainda não tinha bairro residencial. Só havia uma ou outra moradia, pelo que a maioria dos guardas morava na Abrunheira, mas também no Linhó e Ranholas. Na Abrunheira moravam muitos e, boa parte, acabaram por cá ficar e mais os seus descendentes. Deste grupo de Abrunheirenses, são alguns dos meus melhores amigos até hoje. Quero com isto dizer, que havia uma forte ligação da população da Abrunheira à Colónia, daí, o ser absolutamente natural a utilização deste campo de futebol.

Já nos anos sessenta e com o desenvolvimento industrial na zona, começaram a chegar cá outros futuros futebolistas vindos do Alentejo e da Madeira.

As fábricas começaram a aparecer em Mem Martins: A Adreta, a Resiquímica, a Comportel, a Messa, etc., etc., a Sincal e a Borracha Leacok, na Abrunheira.

Do Alentejo, devido às condições de vida adversas, muitas famílias inteiras trocaram o trabalho do campo por estas novas oportunidades e aqui se instalaram com os seus filhos. Passaram pela equipa de futebol, pelo menos, vários membros da família Lagarto que seguiram as pisadas do Gilberto, o Chico Cobecas e a entrar os “setenta” o Valentim, o Vicente, o Vítor “Negrete”, o Fernando e o Zé Marques talvez um pouco mais tarde, e outros.

Da Madeira, em virtude da construção da fábrica de borracha dum industrial madeirense — Leacok Rosa, Lda — que, por escassez de mão de obra no continente, de lá, da Madeira, trouxeram alguns especialistas e operários. Vieram com as famílias e com muitos filhos.

Da Madeira, também já pelos “setenta”, lembro-me do Virgílio (Jimmy), do Eleutério (autêntico craque), dos irmãos Sousa com o Bruno na baliza, do Costa e dos Pombos.
Que não se pense que os nascidos e criados na Abrunheira, não chutavam na bola. Todos, uns mais que outros, jogavam à bola. Até eu, o Rui, o Zé Fernando, os Pardais, o Julinho, o Vítor do eletricista e, principalmente o Mário. Ele era bom de bola e foi um grande entusiasta da secção desportiva da URCA, depois acompanhado pelo irmão Paulo.

Pelos últimos dias de 1974 e primeiros de 1975, muitas conversas se desenvolveram entre vários elementos do Grupo Desportivo, lembro-me bem do Chico Cruz e do António Nascimento, e do emergente Grupo Cultural. Muita força se fez para unir os dois grupos, de forma a não dispersar o esforço e a concentrar a capacidade de organização e de trabalho, numa única coletividade.  Foi assim que nasceu a URCA—UNIÃO RECREATIVA E CULTURAL DA ABRUNHEIRA a 3 janeiro de 1975.

Por esta altura já alguns craques jogavam pelos clubes a sério da zona; 1º de Dezembro, Mem Martins Sport Clube e, acho, até no Sintrense que na altura já militava na 2ª Divisão do Campeonato Nacional. Mais tarde, na passagem da década de setenta para oitenta, apareceu outra fornada de bons futebolistas. Por essa altura, a URCA teve uma equipa de futebol nos distritais.

Na verdade, a fundação desta nova coletividade, selou a UNIÃO dos abrunheirenses socialmente mais ativos.

São estes os fundadores da URCA. Onde andarão eles? Alguns, mais ligados ao futebol, conseguem encontrar-se e confraternizar, pelo menos uma vez por ano, mas… e os outros, os que não jogavam futebol, onde estão?

Há uns anos, garantiram-me e eu acreditei, que todo o acervo escrito de, pelo menos, duas décadas, desde a fundação, tinha desaparecido. Dezenas ou centenas de fotos, correspondência, livros de atas e outros documentos importantes da URCA e do projeto do Centro Social, ou seja, a história da coletividade e o legado dos fundadores, tinham sido “apagados”!

Esta época pandémica, completamente anacrónica, faz-nos refletir sobre a pouca valorização que atribuímos a coisas importantes da nossa vida. Só mais para a frente, damos conta disso.

O papel que tivemos naquele tempo, os desportistas e os mais dados à cultura e recreio, fundando e organizando a URCA e projetando e construindo os alicerces do Centro Social que, infelizmente, nunca avançou, foi muito importante, mas hoje, pouco ou nada resta!

Silvestre Brandão Félix
6 julho de 2020




domingo, 16 de setembro de 2018

NUM DESTES DIAS


Num destes dias, um “camarada de armas” (escrita), desafiou-me para não estar tão ausente, na colocação de “postagens” nos blogues e no FB.

Desculpei-me, com o argumento de que são poucas as ocasiões para festejar, comemorar ou felicitar, acontecimentos abrunhenses ou que tenham a ver com a melhoria da qualidade de vida da nossa população.

É claro que o meu padrão de escrita (perdoem-me a presunção, “escrita” é demasiado para quem rabisca uns textos soltos) não se limita à Abrunheira, seja no lugar de baixo ou sul, do meio, de cima ou norte ou até, simplesmente aldeia, como alguns ainda lhe chamam. Só que, considerando a abrangência de “zona” (superior à freguesia e inferior ao concelho), tornou-se cada vez mais difícil para mim, opinar sobre o que quer que seja.

Considerando algumas exceções que não irão além de dez por cento, o que aparece sobre a zona/região ou mesmo sobre Sintra, nos formatos crónicas, postagens, comentários, respostas ou simples textos, nas RS e principalmente no FB, é tudo colorido, ou seja; a primeira motivação é partidária ou preconceituosa.

Não quer dizer que, mesmo carimbados como acabei de referir, os escritos não correspondam à verdade e ao que está certo. De maneira nenhuma, senão era o preconceito ao contrário. Não! Essas opiniões ou críticas são muitas vezes oportunas e corretas, mesmo levando o selo partidário.

O que me chateia solenemente, é que não é essa a regra, antes pelo contrário. A “clubite” e a “partidarite”, manipulam a “verdade” conforme o lado e o “mandato” em questão. O que hoje está errado, poderá estar certo amanhã, se a cor mudar.

Bom, mas voltando à Abrunheira, quem não sabe pode pensar que estou a ser irónico, mas não estou; as carências são tantas e com o poder tão longe, damos por nós a rejubilar de contentamento com a substituição dum, já célebre, poste de madeira por outro de cimento, na Rua do Forno. O serviço ainda não está concluído, mas o de cimento já está colocado, meio caminho andado. O velho, coitado, carregado de cabos elétricos, teve vida longa e vai morrer sem paliativos, mas, para nosso contentamento, já não nos cairá em cima.

Outro motivo de satisfação, foram os Festejos da URCA. Mesmo com os tímpanos avariados, pois o quarto é mesmo aqui ao lado, tenho que reconhecer e capacidade de trabalho dos promotores e diretores da URCA. Obrigado e muitos parabéns!    
   
Silvestre Brandão Félix
16 de setembro 2018

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

MILITAR ME FIZERAM, O IMPÉRIO E A VANGUARDA ABRUNHEIRENSE

Verão quente ficou e PREC se chamou! Militar me fizeram, a contragosto, por princípio, e porque o “império” ainda durava.

— “Ai! Ai! Eles andem aí!” Gritava o mais gordinho do pelotão, enquanto, dobrado para trás na medida em que a farta barriga o permitia, mirava os céus tentando descortinar algum avião, daqueles que tinham disparado sobre o RALIS naquele dia onze de março.

Aqueles dois ou três dias a seguir, foram de alerta constante e pretexto para me entregarem uma arma, descarregada, mas era uma arma na mesma.

Mesmo com a G3 na mão, não me esquecia da minha festa de despedida de mancebo, no dia dois, véspera de “assentar-praça”. Também não me esquecia das juras de amor, ou nem por isso, e das voltas que o estômago e as tripas deram naquela noite. A última vez que “chamei-pelo-gregório”, já o comboio, na Estação do Cacém, estava pronto para partir. Pelo “Oeste” acima, sono não me faltou e, como o destino era o fim-de-linha, não havia problema.

Mesmo com a G3 na mão, não me esquecia dos projetos para o desenvolvimento da nossa URCA, fundada três meses antes na velha “sociedade”.

Uns tempos depois, na terça-feira da semana das primeiras eleições democráticas, que seriam na quinta-feira seguinte, a 25 de abril, a carta que recebi encaminhava a URCA para a “quinta do João da batata”.

“João da batata”? Perguntava eu. Fiquei muito confuso com o “puzzle” que — o C. Silva e a Celeste, o Zé e o Fernando, a Fernanda, a Catarina e o Zé, a Gina e o Zé, a Cristina e o Zé, a Odete e o Joaquim, o outro Zé Alentejano, o Mário e Paulo, o Tomás, o João da borracha, o Luís Mariano, Pombo I, o II e o III, o Zé Nascimento e o António, o Chico, o Vicente, o Virgílio e o Eleutério, o Zé Manel outros e outras que a memória atrapalha, mas que estão cá bem arrumados e considerados — me enviaram, mas, como vim votar na Abrunheira, a vinte e quatro à noite, descobri tudo.

Para muitos anos e eleições sem “senhas-de-presença”, foi o único que não participei nas mesas. Depois, deixou de ser dever cívico e passou a ser trabalho pago, até hoje.

A atividade cultural tinha sido o “nosso-nascimento” e, depois, com outras possibilidades, outros espaços e condições, a função social mobilizava outra parte de nós. O grande objetivo passou a ser a construção dum “Centro Social” que, para além da URCA, criaria estruturas de apoio à infância e à terceira-idade e desenvolveria diligências para a instalação duma extensão do Centro de Saúde de Sintra.

E eu, marchava, marchava… com algumas intermitências. No meio do quente de setenta e cinco, para Luanda me mandaram com destino certo, mas como?? Se; “nem-mais-um-soldado-para-as-colónias” e, assim, não fui!

E eu, marchava… embora menos, mas marchava. Finalmente liberto com mais duzentos e passaporte nas mãos, lá para 27 ou 28 de novembro com os “roncos” dos “jaimites” à volta, já o verão tinha acabado há uns meses, mas, nem por isso, foram dias muito “quentes”.

Todas as vontades se juntavam na URCA. Entre a construção do pavilhão e a realização dos famosos “bailaricos”, tudo o resto se ia fazendo. “Até à Libertação”, “Menino Tonecas”, “barbeiro sabichão” e, noutro “departamento”, folclore, marchas e marchinhas para graúdos e minorcas, com telhado “Ramalho” e muitas outras coisas “António-da-Estância”, inauguração feita no dezoito do glorioso mês de abril de setenta e seis.

Da vanguarda abrunheirense no princípio do último quartel do século XX, a caminho do fim do primeiro do XXI, em que patamar estamos?

As perguntas fazem-se para terem respostas, mas, às vezes, ficam sem resposta.



Silvestre Brandão Félix
3 novembro de 2017
Fotos dos meus arrumos: 1 – Tropa 1975, 2 + 3 – Inauguração do pavilhão da URCA 18 abril 1976

P.S. (Se me ajudarem a identificar o(a)s fotografada(o)s, coloco-as com os nomes)

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

ANIVERSÁRIO DA URCA

Quero manifestar a minha satisfação pela programada comemoração do 38º aniversário da fundação da URCA. É uma data que deve ser devidamente valorizada e, pelos vistos, a atual Direção assim o entende, e bem.

Clicando, podemos recordar o dia 3 de Janeiro de 1975, dia primeiro da nossa coletividade.

Como sócio fundador fico contente e agradecido.

Silvestre Félix – Sócio número 12.

3 de Janeiro de 2013

segunda-feira, 18 de julho de 2011

URCA EM 1990

Quando tomei posse do meu cargo na minha última passagem pela Direção da URCA na transição da década de oitenta para a de noventa, encontramos, já a funcionar, sob a orientação de três empenhados sócios da nossa coletividade, uma escola de futebol infantil com cerca de 30 miúdos.
Naquela época, o pelouro do desporto da Câmara Municipal de Sintra, tinha protocolos com alguns clubes do Concelho interessados em criar e manter “Escolas de Futebol”. A URCA era um desses clubes.
Esta foto tem um calendário no verso e era uma forma de divulgar o excelente trabalho dos três responsáveis e premiar os “miúdos” atletas.
Vou colocar a mesma no álbum dos “Seguidores do Largo do Chafariz” no facebook para que todos possam ser identificados porque, como calculam, não o consigo fazer sozinho.


Silvestre Félix
18 de Julho de 2011

domingo, 12 de junho de 2011

URCA – RANCHO FOLCLÓRICO

As tarefas eram mais que muitas e todos os dias apareciam ideias novas como se fossem rebentos de feijões. O levantamento das paredes do pavilhão ia andando, não com a velocidade que queríamos mas suficiente para quebrar a nossa ansiedade. Passado algum tempo, estabelecemos o dia da inauguração do pavilhão para dia 18 de Abril de 1976, data do primeiro aniversário da instalação da URCA no local onde ainda hoje permanece.
O programa começou a ser preparado e, entre as várias vertentes da área cultural, surgiu a ideia de se formar um Rancho Folclórico. Logo à partida a coisa não se apresentou muito fácil de levar a cabo mas, a vontade e força da Celeste, da família Irra e de toda a gente, materializaram-na e, passado pouco tempo, estavam a formar um grupo adulto e outro infantil. Coordenaram a criação dos trajes, recolheram as músicas e as danças e, por fim, ensaiaram os dois grupos.
A Abrunheira estava em festa nesse dia e o pavilhão da URCA, ainda sem janelas e portas, ia finalmente receber toda a população abrunhense para assistir a um espetáculo variado, autêntico e caseiro. O Rancho Folclórico, que envolvia muitos participantes adultos e infantis, maravilhou toda a gente e marcou, não só uma data e a URCA, mas uma época em que muita coisa boa se fez, viu e ouviu na Abrunheira.
Depois de Abril de 1976 muito se questionou a paragem e o consequente desaparecimento do Rancho Folclórico que envolveu tanto trabalho e tantos abrunhenses. Razões houve com certeza e todas elas atendíveis na altura, o que pretendo é recordar e homenagear quem teve a ideia, quem criou, quem organizou, quem ensaiou e, duma forma geral, quem participou.
Remexer em baús de recordações tem este efeito – regressarmos ao passado e saudarmos os que connosco viveram os melhores momentos.

Silvestre Félix

(Foto: Rancho Folclórico Infantil - Baú de Silvestre Félix)
PS: Muitos sócios da URCA e habitantes da Abrunheira participaram nesta e noutras realizações. Era importante ser possível consultar o primeiro livro de atas da Direção e as primeiras pastas de arquivo da URCA para referir nos meus escritos, com certezas, muitos outros nomes.

quarta-feira, 30 de março de 2011

DÉCADA DE 70

Para que ninguém colha a ideia de que na década de 70 do século ido, na Abrunheira, a juventude seguia à risca todos os padrões da geração mais velha no que respeita a bom comportamento, tenho de vir aqui dizer a verdade, deixando muitas dicas para que cada um possa fazer o seu juízo.

Havia os que se portavam bem, os que se portavam mal e os assim-assim. Também havia, admito, quem não se enquadrasse em nenhuma destas situações e tudo fizesse para passar despercebido.

Eram tempos de preocupação de trabalho, de tropa e do que fazer com uma guerra no horizonte. Tempos também de namorar a sério e a brincar e de saber como elas iam convencer os Pais na saída dominical para, pelo menos, uma ida ao Cabaço.

Eram tempos de organizar bailaricos em alguma garagem ou na adega do Pai do Zé Carmo Silva e discar vinil quantas vezes necessário fosse para se sentir a proximidade do corpo do par e, com intervalos de semanas, voltar a tocar-lhe, pelo menos, nas mãos. Naquele início da década, a “química” já tinha sido descoberta, embora dando os primeiros passos na investigação. As paixões iam e vinham, passavam ao lado e de lado. Tempos também de petiscos e “pielas” de “caixão à cova”, quase sempre disfarçadas com onda bem humorada e risada incontida à sobremesa.

Eram tempos na Lagoa de Albufeira com longas noitadas de cantoria, petisco bem regado e depois com a aprendida guitarrada do Zé Barros. Nova estação em tempos de namoradas novas, água tépida, boa temperatura e muita areia agarrada ao pêlo.

Eram tempos de muitas horas levadas em torneios de matraquilhos e mesas infindáveis de king. De matraquilhos, na Abrunheira, havia a primeira e a segunda divisão. O terreno da primeira divisão era no café do Manel (café Brasil na Av. Dos Combatentes). Aí se defrontavam os melhores jogadores: Pézinhos, Fernando Martinho, Baptista, Chico Cruz, António e Zé Nascimento, José Duarte, Durães e muitos outros. A segunda divisão jogava no café do Cabaço. Os jogadores eram mais novos e, a grande ambição, era um dia poderem emparceirar ou defrontar os da primeira divisão. Eu fazia parte desse grupo com o Rui Simplício, Zé Marques, Fernando Marques, Zé Carmo Silva, Fernando Matos, Zé Alentejano, Pele e Osso, Mário Martinho, Zé Fernando, Vicente, Fernando Pedroso, Filomeno Caravaca e outros que, por causa deste meu litígio permanente com a lembradura de nomes, não me deixa acrescentar mais.

Também eram tempos de cartas. Mesmo no Cabaço jogávamos ao King. As noitadas eram muitas vezes passadas na adega do e nunca tínhamos limite de tempo para terminar.

Eram tempos de coisas sérias e nunca ajuntamentos suspeitos antes de 74. Eram também tempos de medo. Eles, os da pide, andavam sempre por aí. Aprendíamos cedo a mudar de conversa quando alguém com perfil de “bufo” se chegava perto. Depois dos da pide terem arreado as calças, os espíritos se abriram, começamos a ir mais ao cinema e até podemos finalmente ver “O último tango em Paris” com o Marlon Brando e a Scheneider, o “Garganta Funda” e todos os que apareciam da série “Emmanuel”. Na mesma onda, os bailaricos do começaram a ser mais frequentes, cada vez havia mais vinil e os pares já se tocavam mais. Os tempos eram de ventos fortes com um novo ar e, todos nós tomamos bebedeiras desse novo ar e de tudo o que nos punham à frente – às vezes até demais.

Eram tempos para pôr em prática as ideias boas. Antes o JURA no Algueirão e depois a URCA aqui na Abrunheira passaram a dominar as vidas da nossa juventude que continuava a namorar, a apaixonar-se, a ir para a Lagoa, a jogar aos matraquilhos, a jogar ao king, à lerpa, ao futebol e a portar-se bem, mal ou assim-assim!

Silvestre Félix

sexta-feira, 25 de março de 2011

PORQUE NOS CHAMAVAM BRASILEIROS

Em plena segunda década deste século vinte e um, em dias de terramotos e tsunamis devastadores e crises de dívidas soberanas que já nada têm que ver com soberania, quase não se ouve e, mesmo eu, de certeza não entenderei à primeira, se alguém me chamar “Brasileiro”. Até há tempos, contados em vinte e cinco ou trinta anos, ainda era comum: em Albarraque, no Linhó, em Mem Martins, em Rio de Mouro ou em Ranholas, referirem-se aos Abrunhenses de Brasileiros e à Abrunheira de “Brasil”.

Porquê? O que tinha a Abrunheira a ver com o Brasil? Na verdade existe uma justificação para isso e a história pode ser contada mais ou menos assim:

O feito dos nossos heróis, Gago Coutinho e Sacadura Cabral, saindo de Lisboa no hidroavião "Lusitânia" em 30 de Março de 1922, fazendo a rota do Atlântico Sul e chegando ao Rio de Janeiro no Hidroavião Santa Cruz a 17 de Junho de 1922, teve um alarido muito grande em todo o País. Era uma época em que os valores e a auto-estima estavam de rastos por cá (em termos de níveis, não andarão muito longe dos de hoje) e, um feito destes, foi festejado como se tivéssemos voltado ao tempo dos descobrimentos. O que é verdade é que esta viagem dos dois Portugueses ficou na história da aviação civil mundial. A primeira travessia do Atlântico Sul aconteceu, fundamentalmente pela tenacidade e coragem dos dois aviadores e são essas qualidades que se destacam no imaginário dos portugueses anónimos, mesmo daqueles que nem sequer faziam ideia aproximada do que era um avião, ou, como à época se dizia, um aeroplano, ou ainda, neste caso, um hidroavião.

Na Abrunheira o acontecimento também foi vivido com o mesmo entusiasmo. Foi de tal forma que houve quem quisesse imitar os Heróis Nacionais. E logo eles que nunca tinham visto um “passarão” daqueles nem nunca tinham falado com alguém que o tivesse feito por eles. Bom, mas coragem não se mede e lá se atiraram à tarefa.

Um dos protagonistas, o Francisco Borrego, morava num casal saloio onde é hoje a Rua da Escola, em frente à Rua de S. José e era familiar do Mário e Paulo Martinho. Tenho ideia de ser só agricultor, não me ocorre que fosse encartado em qualquer outra arte. O outro era o Bernardino, marido da Judite Caracol e tinha a arte (como ao tempo se dizia) de cabouqueiro. Nas horas de retórica alcoolizada, dava-se a conhecer à plateia como sendo o único cabouqueiro possuidor da “Ciência da Pedra”. Passando à frente da retórica, continuemos a identificação dos atores principais; A quinta do Caracol Velho (que fumou cachimbo até morrer muito Velho) era quando se desce a Rua Humberto Delgado, a seguir à Quinta do Azevino do mesmo lado. Pois o Bernardino, genro do Caracol Velho, era homem de músculos, designação incluída no pacote da já dita “Ciência”. Contava-se que, na taberna do Faial, hoje da Viúva Maria do António José e Filha Isabel, este homem, que se chamava Bernardino, levantava com os dentes, barris de vinho de 50 litros e sacas de farinha do mesmo peso. Este Bernardino, ainda me lembro (aqui já era também Coutinho) de o ver de picareta nas unhas (mãos) a abrir valas para a colocação da água canalizada que vinha aí à pressa, pois já estava atrasada, mas, finalmente, a chegar à Abrunheira… Era um homem forte até que, a curvatura em peso do Tempo contado em anos de idade começou a ser grande. Também me lembro de ver este Coutinho que era Bernardino arrastar os pés pesados pelo Tempo que passou.

Quando ainda eram novos, lá por alturas de 1922/23, e como também queriam ser heróis, o Bernardino e o Francisco Borrego construíram como puderam, e com a ciência que a vivência lhes deu, um aeroplano que, para eles, representava o "Lusitânia". Levezinho, menos de um terço do tamanho real, para que fosse possível utilizar como rampa de lançamento um "zambujeiro" (parente pobre da oliveira) aqui por cima das "pateiras". (É preciso que se diga, para que não sirva de argumento palaciano, que o local pode muito bem não ter sido o indicado, mas, que fazer? Nenhum deles pela terra ainda anda de forma que me possam confirmar o sítio. Nesta conformidade fica dito e redito que, para os devidos efeitos, o sítio é mesmo este.) Claro que a rampa de lançamento não foi suficiente para que o Coutinho, ainda Bernardino, e o Francisco Borrego, conseguissem concretizar o seu sonho… voar como faziam os pombos, as rolas, os melros e pintassilgos, sim… porque o “Lusitânia”, ou qualquer outro aeroplano, eles nunca viram, daí acreditarem que bastava construírem uma coisa com asas para poderem levantar voo e irem até ao Brasil, que a vivência e muita imaginação lhes dizia que era já ali. Pois é, o trambolhão foi instantâneo, assim que fizeram peso no "hidroavião" em cima do zambujeiro, caíram com os quatro costados no chão e assim se acabou a viagem até ao Brasil. De plateia convidada e mirones metediços, não seriam muitos abrunhenses mas, ainda assim, mais que suficientes para acudirem às mazelas dos “aviadores” improvisados e propagarem a dececionante aterragem forçada pelos “ouvidores do reino”, dentro e fora de portas.

Mas se aqui acaba a história do voo até ao Brasil para o Bernardino que passa também a responder como Coutinho e para o Francisco Borrego que, a partir deste dia fica colado ao Sacadura, também aqui começa outra história. À conta deles, e porque o Salazar ainda não tinha descido à Capital, sem canga, sem pide nem censura, os vizinhos de Albarraque, Linhó, Mem Martins, Rio de Mouro, Ranholas e doutras terras ainda mais longe, em jeito de chacota, começaram a chamar-nos "Brasileiros" e à Abrunheira "Brasil".

Não é por acaso que o café na Av. Dos Combatentes, em frente ao Trilho, se chama "Brasil”. Exactamente…, por causa da história do Coutinho que era Bernardino e do Sacadura que era Borrego. Na época da inauguração do Café Brasil pelo "Manel do café", lá pelos meados da década de sessenta, ainda era normal nos arredores chamarem"Brasil" à Abrunheira e a nós, os de cá, "Brasileiros". Na ida de manhã ou no regresso à noite, nos andantes da alva como cal “Palhinha” ou da azul celestial “Boa Viagem”, era frequente dizer-se como destino de viagem, “Brasil” em vez de Abrunheira. Esta história de Abrunhenses e Brasileiros não ficava completa sem, a propósito do Café Brasil, dizer que o “Manel do Café” era genro do autêntico Saloio "Sabino", homem grande que fazia dois de mim, e que tinha tanto de grande como de bom. Usava barrete, aquele barrete preto à Saloio, e aquelas calças de cetim que apertavam até por cima da barriga com a devida saliência, e também aquelas camisas que hoje só costumamos ver nos trajes dos ranchos folclóricos.

Também não é por acaso que à rua que vai da esquina do Ti Alexandre pela direita, ficando as “pateiras” à esquerda, lhe foi dado o nome de Gago Coutinho. Tem a ver com a aventura do “Lusitânia” e, por isso, perto do local onde tudo aconteceu.

Em 1975, aquando da fundação da URCA, muito se conversou e muito barro à parede se atirou, sobre que emblema e símbolo devíamos adotar ou criar, para a nossa coletividade. Ainda a propósito da brasilidade da nossa Terra, o emblema criamos, e as cores que lhes juntamos foram, nem mais nem menos, as cores do Brasil – O amarelo e o verde!

A nossa Terra tem passado e os seus filhos tiveram, e têm que continuar a ter futuro. O Coutinho que era Bernardino e o Borrego que não era Sacadura estão na nossa memória e, ficarão, ligados à história da Abrunheira!

(Extraído dos textos “Abrunheira, Terra com História” de Silvestre Brandão Félix, tendo sido alguns publicados no extinto blogue “Aldeia Viva” durante 2007 e 2008.)
(Correção e atualização do autor em 2011)
Silvestre Félix

terça-feira, 1 de março de 2011

URCA – O INSUCESSO DO CENTRO SOCIAL

No princípio, e estando as negociações com o proprietário da “quinta” a correr muito bem, todos pensávamos ser possível, com umas pequenas obras nas instalações já existentes ou fazendo de novo, pôr a funcionar um posto médico até final do ano de 1975. Seria um primeiro passo para a abertura duma extensão do Centro de Saúde de Sintra um pouco mais tarde.

Achávamos ser urgente o posto médico e até mais fácil de avançar do que um infantário e creche. Foram feitas várias diligências em conjunto com a Comissão de Moradores e Câmara Municipal de Sintra junto da direção do Centro de Saúde e Ministério da Saúde. Chegaram a vir cá elementos da Direção do Centro de Saúde e, a certa altura, tudo parecia bem encaminhado para a Abrunheira vir a ter uma extensão do Centro de Saúde, beneficiando do equipamento toda a zona sul da freguesia de São Pedro.

Pois bem, numa penada tudo andou para trás. A situação da propriedade ainda indefinida, o fato de não ser possível concretizar nenhuma aquisição por parte do Ministério da Saúde nem sequer formalizar um contrato de arrendamento das instalações a ocupar, veio a inviabilizar, pela raiz, qualquer hipótese de instalar tão importante melhoramento na Abrunheira. Os impedimentos alegados viriam a manter-se por muito tempo.

Foi uma grande machadada no projeto do Centro Social. A questão do posto médico aliada à dificuldade de andar para a frente com o infantário e creche enfraqueceu-nos as intenções. As malhas da burocracia cumpriam a sua missão, os mangas-de-alpaca recuperavam a sua influência e o seu poder e o nosso vigor revolucionário recuava para a estrita área de atuação da URCA, ou seja, recreio, desporto e cultura.

Para a época, era muito importante que o projeto do Centro Social tivesse vingado. Essa realidade teria, com certeza, contribuído para uma melhoria significativa da qualidade de vida dos abrunhenses ao longo destes trinta e cinco anos. Se assim tivesse acontecido, hoje, estaríamos no limiar de outro patamar de desenvolvimento.

E assim foi, e é, até hoje! O comboio passou, não o apanhamos e agora não sabemos quando voltará a passar.

Silvestre Félix

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

URCA – E A SUA MATRIZ CULTURAL

Depois daquele período inicial da URCA, inigualável na forma e no contudo, com entusiasmo desmedido e vontade de querer fazer sempre mais, entendendo ser a forma de se recuperar o tempo perdido, houve duas fases muito marcantes na vida da coletividade e da Abrunheira: A apresentação da obra de Miguel Barbosa “O Palheiro” pelo GITU, com direção, encenação, cenografia e tudo o mais necessário de Gil Matias, estreado em 1979, e o encontro de Grupos Corais Alentejanos, salvo erro, em 1983, organizado pelo Grupo Coral Alentejano da URCA.

Para entender alguns acontecimentos é necessário contextualizá-los. Nos finais da década de 70 e princípios da de 80, cerca de 60% da população da Abrunheira era de origem alentejana. As razões sociológicas desta movimentação de famílias inteiras do interior para o litoral são do conhecimento geral, a que não é alheia a procura de melhores condições de vida com a industrialização da nossa região. Para laborar nas fábricas que iam aqui nascendo como cogumelos, era necessária mão-de-obra e, com a vinda dos primeiros no início da década de sessenta, logo outros foram chamados até que a Abrunheira mudou, até na maneira de falar. Dizia-se, na altura, que a Vila alentejana do Alvito se tinha transferido para a Abrunheira. Naturalmente que, dizendo isso se pecava pelo exagero, hoje, no início da segunda década do século XXI, há alturas do ano em que a Abrunheira se transfere para Alvito. Ou seja, estas duas Terras enriqueceram-se mutuamente.

Voltando ao Encontro de Grupos Corais Alentejanos de 1983, eu na altura não estava em Portugal e por isso não assisti a este, só aos posteriores, mas pelos relatos que li e ouvi e pelas fotos, foi, pela quantidade e qualidade de Grupos presentes, um acontecimento impar na história cultural da nossa Terra.

O êxito da apresentação de “O Palheiro” foi, acima de tudo, uma aposta arrojada do Gil Matias. A experiência dos componentes do GITU era “autodidata” e, mesmo assim, havia necessidade de recrutar muitos mais elementos. Cada reunião, cada ensaio, eram autênticas lições sobre a arte de representar. Gil Matias foi encenador, diretor, professor, Pai, irmão e sei lá mais o quê. Mais de metade do ano de 1978 foi necessário para dar corpo ao espectáculo. A peça é grande e a criação das personagens muito trabalhosa. Não foram poucas as vezes que tudo esteve quase a parar mas, com a nossa vontade e com a coragem e sabedoria do Gil Matias, lá conseguimos chegar ao dia do ensaio geral. Os nervos eram muitos na estreia. Sentados na plateia, estavam “olheiros” importantes e a população da Abrunheira em peso.

Fomos selecionados e concorremos ao Festival de Teatro Amador do Concelho de Sintra em 1979 e ficamos nos primeiros lugares. Lembro-me de termos representado a peça, para além das duas vezes na URCA, em várias locais dos Concelhos de Sintra, Cascais, Oeiras e Mafra. Esteve em cena todo o ano de 1979 e parte de 1980 e foi o grande sucesso do GITU. Era a consagração da motivação cultural da nossa coletividade e da nossa Terra. O Gil Matias continuou a colaborar com a URCA durante mais algum tempo, dando lugar depois a outras pessoas.

Miguel Barbosa, que recentemente doou ao Museu de História Natural de Sintra o seu espólio arqueológico recolhido ao longo de mais de quarenta anos de que fazem parte peças e fósseis únicos no mundo, é autor de uma vasta obra literária nas várias especialidades, a saber: Mais de trinta títulos de poesia editados em português, Italiano, Francês e Inglês; cinco novelas em Portugal e nos Estados Unidos; oito contos em português; mais de uma dezena de romances policiais com o pseudómino de Rusty Brown e três romances com o pseudómino de J. Penha Brava e participação em mais de cinquenta revistas literárias em Portugal, Brasil, Estados Unidos, França, Itália, Inglaterra, etc., etc.. A sua biografia preenche muitas páginas com referências a todos os cantos do mundo e, bem lá no meio, referindo-se à peça “O Palheiro” e aos grupos que a representaram: «“O Palheiro” foi representado pelos… (vários grupos) e pelo GRUPO DE INTERVENÇÃO TEATRAL DA URCA (ABRUNHEIRA), SINTRA».

Também esta circunstância é motivo do nosso orgulho!

Silvestre Félix

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

URCA – DEPOIS DE 18 DE ABRIL DE 1976 – 2ª PARTE

Em resultado de um ano de muito trabalho, em Abril de 1976 a URCA tinha o pavilhão em pé e a funcionar diariamente para ensaios, encontros e até para sessões de esclarecimento que os vários partidos políticos realizavam com muita frequência. O nosso pavilhão era (e ainda é), a única sala existente na Abrunheira para efetuar qualquer festa, reunião alargada, reunião política, espetáculo, etc. Dum ano para o outro, o “centro” da nossa Terra passou a ser na URCA.

A partir daqui, e com muita gente empenhada, a atividade recreativa renasceu com os bailes quase todos os sábados. Precisávamos de fazer receitas para pagar ao António da Estância e para amparar todas as outras atividades: Alfabetização para adultos, teatro, biblioteca, rancho folclórico infantil, atletismo, luta greco-romana e futebol. A direção da URCA decidiu também recomeçar as festas da Abrunheira que há muito tinham desaparecido. No âmbito social e no que respeita à criação do Centro Social, é que as coisas não estavam a ser conseguidas. Tudo era mais difícil e a URCA dependia completamente de outras instituições para levar o projeto por diante.

As secções (recreativa, desportiva e cultural) iam desenvolvendo o seu trabalho e, algumas datas começaram a ser comemoradas com o envolvimento de todas as vertentes: 3 de Janeiro (fundação da URCA), carnaval, Páscoa, 18 de Abril (ocupação da quinta), 25 de Abril, 1 de Maio, santos populares, Natal e ano novo. As várias comemorações passavam pela realização de provas de atletismo, ciclismo, bailes, apresentação do rancho folclórico e de pequenas peças de teatro. No dia 25 de Abril, para além de todas as outras realizações, começou, desde 1976, a ter um outro elemento – a realização de almoço comemorativo. Foi tradição que se manteve durante muitos anos mas, tanto quanto me venho apercebendo, caiu há algum tempo. É pena! Em Dezembro, organizava-se uma festa de Natal para as crianças da Abrunheira. Para além do lanche e dum programa a propósito, feito com a prata da casa, onde não faltava Pai Natal e Palhaços, era entregue a cada criança, previamente inscrita numa lista, um brinquedo adequado à idade. O lanche era oferecido pela URCA, população e comerciantes locais. Os brinquedos eram comprados com donativos de algumas fábricas e também pelos comerciantes da Abrunheira.

O tempo foi passando, as instalações mantinham-se sempre abertas com um pequeno bar de apoio com a presença, desde a primeira hora, do saudoso Ti Faustino. Ele era tudo – porteiro, guardador, cuidador, tomava conta das crianças que vinham ao parque e garantia o funcionamento do bar. A função cuidadora do Ti Faustino foi fundamental nestes primeiros anos.

Em termos de crescimento e consolidação, a secção cultural com a sua atividade teatral organizada no GITU – Grupo de Intervenção Teatral da URCA, existente desde a fundação da coletividade, viria a ser a grande força mobilizadora da URCA nos anos 70 e 80. O GITU criou e desenvolveu, com o apoio de alguns amigos, um dos melhores grupos de teatro amador do Concelho e até da região.

Lá pelos anos 77/78, a direção da URCA foi contactada por um grupo de teatro profissional residente em Sintra, para apresentação no nosso pavilhão, do seu trabalho em cena. O porta-voz do grupo era o, também ator, Gil Matias. Fizeram o seu trabalho, os abrunhenses gostaram e o Gil Matias passou a fazer parte da nossa agenda de amigos. Em pouco tempo, com a nossa vontade e a sua disponibilidade, avançamos para a reorganização do GITU com a direção do nosso amigo.

"O Palheiro" de Miguel Barbosa, encenado e dirigido em 1979 por Gil Matias, foi um grande sucesso do GITU. Esteve em cena, fazendo bastantes apresentações nas colectividades do Concelho e fora, depois de ter representado a URCA no Festival de Teatro Amador de Sintra que, na época, a Câmara Municipal de Sintra organizava. Ganhou alguns prémios e classificou-se sempre em lugares honrosos. O principal responsável pelo êxito deste trabalho foi Gil Matias. Depois de “O Palheiro”, manteve-se na direção do GITU por mais dois ou três anos. O Gil muito tem dado à cultura do Concelho de Sintra e, particularmente, ao teatro amador em inúmeras Coletividades e Associações da região. Avesso a homenagens e a gratidões públicas, constata-se que permanece vazio o lugar que lhe cabe pelos serviços prestados à comunidade. Nesta minha conclusão, incluo naturalmente a URCA. Pela minha parte, e em nome de todos os que pensam como eu, agradeço ao Gil Matias toda a sua dedicação e generosidade em prol da cultura.

Nos últimos anos da década de 70 e primeiros dos 80, começaram a mexer também, embora com completa autonomia em relação à direção da URCA, o que viria a ser o Grupo Coral Alentejano da URCA com a incansável liderança de Francisco Feio e a Associação de Reformados com a luta e perseverança do saudoso António Vieira. Alguns memoráveis encontros de Grupos Corais Alentejanos aqui foram realizados com autênticas multidões de participantes e espectadores. Criaram também o seu núcleo de convívio e organizaram um pequeno museu regional que, melhorado e revitalizado há algum tempo, tem as suas portas abertas para quem o quiser visitar. O legado de António Vieira não foi abandonado e, pelo contrário, a Associação de Reformados consolidou os seus alicerces, está ativa e tem projetos para o futuro.

Esta fase de lançamento e consolidação da URCA, com a mesma orientação a nível de dirigentes, foi até final de 1982. A partir daí, uma nova fase começou. O frenesim revolucionário, que necessariamente influenciou os fundadores e a própria URCA, tinha chegado ao fim.

Silvestre Félix

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

URCA - DEPOIS DE 18 DE ABRIL DE 1975 – 1ª PARTE

Nesta fase, com a questão das instalações no bom caminho e com muito trabalho pela frente, era importante definirmos as prioridades e manter a unidade na ação.

Eu, lá continuava a aprender a ser “tropa” na Figueira da Foz. Detestava aquilo, mas gostei de estar na cidade da foz do Mondego. Depois das primeiras sete ou oito semanas de “cativeiro”, todos os fins-de-semana vinha à Abrunheira e participava com gosto nos trabalhos da URCA. A comida no quartel era boa e o ambiente também. Em Maio fui para o RIP no Porto, onde me mantive até pouco antes do final de Junho. Depois, entre uma mobilização para Angola e uma reorganização do Exército, um bocado a reboque das “negas” em embarcar para a Guerra a preceito do PREC, fui, com outros, desmobilizado e mandado para casa até meados de Agosto. Os últimos dias de Junho, o mês de Julho e o meio de Agosto, foram um regresso à minha vida normal. Na terceira semana de Agosto, regressei à tropa e consegui vir para Oeiras onde fiquei até 27 de Novembro do mesmo ano de 1975. Era como se estivesse em casa. Retomei o meu trabalho da URCA, agora, sem interrupções, independentemente das obrigações militares.

As instalações existentes na quinta resumiam-se: À casa de habitação que corresponde hoje ao edifício que dá para a rua Humberto Delgado, excluindo o bar que foi construído à posteriori, e um telheiro de capoeiras e coelheiras ao longo do muro que dá para a rua da Liberdade onde, depois de algumas obras, viriam a instalar-se a Associação de Reformados e o Grupo Coral Alentejano da URCA. A quinta prolongava-se muito para baixo (sentido sul) ocupando toda ou parte do terreno onde estão hoje moradias com as traseiras para a rua do Centro Social e frentes para a rua Natália Correia. Algures no meio, havia um poço com um grande moinho de vento e um tanque de rega.

À perpendicular do edifício principal, do lado direito quando estamos virados para o alpendre, já existia aquela espécie de arco?? (em linha reta) que ligava a uma parede de tijolo a direito que é, nem mais nem menos, a parede norte do pavilhão. Bom, o fato de haver esta parede feita e em bom estado entusiasmou-nos a aproveitar a dita e, a partir dali, construirmos o pavilhão tal e qual é hoje. Naturalmente que ao longo do tempo beneficiou de muitos melhoramentos mas, no essencial, é o que lá está, 35 anos depois. Antes do início das obras do pavilhão, os serralheiros e pedreiros e toda a gente da Abrunheira, meteram mãos à obra e, em menos de nada, nasceu o primeiro parque infantil no mesmo local onde ainda está. Aquela parede que atrás mencionei, e que seria uma das alas do pavilhão, do lado virado para o parque, encheu-se de pinturas que alguns artistas abrunhenses generosamente ofereceram às nossas crianças. Tenho sempre receio de mencionar nomes, porque, como é natural, não me lembro de todos e não quero ser injusto. Não resisto no entanto, e até porque ainda num destes dias reparei estarem a aparecer por debaixo da velha cal, nessa mesma parede, alguns dos heróis dos desenhos animados da época que, o nosso João Balagueiras, tão bem lá os desenhou e pintou. Mereciam ser reabilitados, digo eu.

Já depois de haver parque infantil e grande parte das figuras pintadas na parede, tivemos honras de reportagem televisiva. É verdade, a RTP, única televisão do tempo, veio fazer reportagem e transmitiu no telejornal. Os moradores da Abrunheira, mesmo os que inicialmente não concordaram com a ocupação, foram, a pouco e pouco, aderindo às nossas intenções e, uma parte considerável da população, quando chegou a hora, pôs as mãos na massa. As ajudas vinham de todo o lado. Em trabalho, em materiais, homens, mulheres, mais velhos, mais novos, nos almoços, nos lanches, tudo e todos eram importantes para erguer o nosso pavilhão.

No entanto, havia muita coisa que era necessário comprar e dinheiro não havia. Também aí tivemos uma colaboração fundamental para conseguirmos pôr as paredes em pé. Foi o Senhor António Coimbra das Neves, conhecido por “António da estância” de Albarraque. Fomos falar com ele e conseguimos que confiasse nos dirigentes da URCA. Forneceu todo o material de construção necessário para pagar como e quando fosse possível. Confiou, e fez bem, porque tudo lhe foi pago até ao último centavo, depois de muitos bailes e festas de angariação de fundos, no pavilhão, já com telhado. A cobertura foi colocada a tempo de se fazer a pré-inauguração (pré porque ainda não tinha portas nem janelas), no primeiro aniversário da ocupação, a 18 de Abril de 1976.

Com um programa da casa, envolvendo dezenas de Abrunhenses, incluindo a estreia de um rancho folclórico infantil com muitas crianças da Abrunheira, criado e encenado de propósito para a ocasião por animadores e animadoras da secção Cultural da URCA. Também foi neste dia apresentada uma criação colectiva do GITU (Grupo de Intervenção Teatral da URCA) com o título "Até à Libertação", bem como outros pequenos quadros de comédia "séria", porque tinha sempre a ver com o momento político. Foi uma grande festa. Parecia que não havia uma única pessoa da Abrunheira que, duma ou doutra maneira, não estivesse a participar. Estou convencido, passados todos estes anos, ter sido uma das ocasiões em que se viu mais gente junta, num só local, na Abrunheira.

É certo lembrar que, na época, foi reconhecido por muita gente a nível do Concelho de Sintra, ser a URCA, com pouco mais de um ano de existência, um dos bons exemplos de associativismo a seguir.

Foi um ano de intensa atividade. O recinto e as instalações, principalmente aos fins-de-semana, estavam sempre apinhados de gente que invariavelmente encontravam tarefas úteis para fazer. Concluída, no essencial, a construção do pavilhão, outros trabalhos e outras preocupações se seguiram. Disso darei conta no próximo escrito.

Silvestre Félix
8 de Fevereiro de 2011
Tag: URCA

PS:
Como já disse, não tenho a pretensão de ter nenhuma memória de elefante, nem de possuir a única interpretação de muitos acontecimentos, pelo que agradeço todas as contribuições no sentido de melhorar o registo da nossa memória coletiva. A forma de o fazer pode ser através de simples comentário diretamente no blogue, para o meu mail
silvestrefelix@netcabo.pt, ou através de MSG na página do facebook.com/silvestre.felix

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

FUNDAÇÃO DA URCA – CAPÍTULO II – 2ª PARTE - DEPOIS DE 3 DE JANEIRO DE 1975

Sendo despachado para a Figueira da Foz, fico longe do que se iria passar na Abrunheira e na URCA, nos próximos tempos. Ainda por cima, Portugal entraria nestes dias num período muito conturbado que resultou só numa ida a casa, entre 3 de Março e 25 de Abril.

Oito dias depois estamos no célebre 11 de Março de 1975. A mim, maçarico com uma semana de farda, deram-me uma G3 e fui para um cruzamento algures na Figueira da Foz, revistar carros (a G3 estava descarregada). Comigo estavam outros nas mesmas circunstâncias. A minha unidade era afecta ao MFA, de maneira que o lema era "tudo pelo PREC". Os dias foram correndo na Figueira da Foz, até que nos vamos aproximando do primeiro aniversário do 25 de Abril e dia das primeiras eleições democráticas, eleição da Assembleia Constituinte. É claro que naquela época não havia telemóveis e mesmo os outros telefones não existiam em todo o lado, mas mais ou menos eu ia sabendo que as coisas na Abrunheira iam andando.

Salvo erro no dia 19 de Abril, quando no quartel já se faziam as escalas, para ver quem votava para as "Constituintes" no quartel e quem tinha que ir a casa votar, recebo correio da Abrunheira, do Zé Carmo Silva, com uma conversa completamente enigmática. Era um jogo para eu descobrir o que tinha acontecido ou ia acontecer em 18 de Abril (dia anterior). A solução do problema era exactamente a "Quinta do João da Batata". O pessoal tinha "ocupado" a quinta. Consegui telefonar e falar com a minha Mãe, que me disse, mais ou menos o que eu já sabia. Imaginem como eu fiquei. Sem poder participar, sem dar o meu contributo, e tanto que havia para fazer e eu com uma G3 na mão a aturar gente que nos obrigava a brincar aos cowboys.

Sorte a minha, a credencial necessária para votar na Figueira da Foz não tinha chegado e, por isso, tinha que ir a casa para votar no dia 25 de Abril. Ia poder estar com o meu pessoal. Vim ver e finalmente participar no acontecimento da semana; "A ocupação da Quinta". Participei no entusiasmo da quase totalidade da população da Abrunheira. Este dia 18 de Abril passou a ser comemorado como véspera do grande dia 25 de Abril.A partir daqui a história da URCA é outra, será a própria Abrunheira, pois tudo se vai passar aqui. Queríamos muito mais do que veio de fato a acontecer. O nosso grande objetivo era a criação dum Centro Social que incluísse, para além da URCA, pelo menos, infantário, apoio aos idosos, apoio escolar e uma extensão do Centro de Saúde. A este propósito, na altura da atribuição das ruas da Abrunheira, a uma das artérias que contorna a URCA, foi-lhe dado o nome de “Rua do Centro Social”.

Naquele fim-de-semana prolongado (25,26 e 27 de Abril), tive oportunidade de participar em todas essas discussões que perspetivavam um futuro de sucesso e de melhoria na qualidade de vida para a população da Abrunheira.

Ainda durante os dias que estive na Abrunheira, se iniciaram conversações com o proprietário, com a colaboração de algumas pessoas ligadas à comissão de moradores da altura e com o conhecimento da Câmara Municipal de Sintra. Pela parte que me toca, estou eternamente grato a essas pessoas mas, por razões óbvias, nunca usarei aqui os seus nomes.

Em resultado de todas as boas vontades, as coisas viriam a correr muito bem, tendo sido, mais tarde, assinado um protocolo entre o proprietário e a Câmara Municipal de Sintra em que, estabelecia uma fronteira entre a parte de terreno a utilizar pela URCA, e a parte que continuava na posse do anterior dono. A nossa parte passou para a posse da Câmara com o fim de ser utilizado pelo Centro Social da Abrunheira.

(Extraído dos textos “Abrunheira, Terra com História” de Silvestre Brandão Félix, publicados no extinto blogue “Aldeia Viva” durante 2007 e 2008.)
(Correção e atualização do autor em 2011)

Silvestre Félix
1 de Fevereiro de 2011

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

FUNDAÇÃO DA URCA – CAPÍTULO II – 1ª PARTE - DEPOIS DE 3 DE JANEIRO DE 1975

A Assembleia de Fundação em 3 de Janeiro de 1975 foi bastante concorrida. Presentes, vários membros do antigo Grupo Desportivo todos mais velhos do que nós. Eram, digamos, os irmãos mais velhos. Lembro-me, por exemplo, do António Nascimento e do Francisco Cruz. Estavam mais, mas não consigo recordar-me dos nomes.

Este foi um dia importante para a história contemporânea da Abrunheira, e, por isso, devia ser assinalado com alguma dignidade. Durante muitos anos a data foi comemorada como merecia, mas depois, a negligência e o descuido (pelo menos) foram tomando conta de algumas agendas e, com alívio de alguns, perdeu-se o hábito. Para quem não conhece a época e as circunstâncias, é importante que se saiba que o Sócio da URCA, ou melhor, a Sócia registada naquele dia com o número um, foi a Cristina Peniche. Tinha 14 anos, e a seguir era uma escadinha até aos 20, que era eu que os tinha.

Neste início de 1975, o País vivia um trajeto revolucionário, com mudanças todos os dias e que depressa chegaria ao "verão quente" de 75, ponto alto do PREC (Processo Revolucionário Em Curso).Com o aparecimento de muitos partidos políticos, a sua influência crescente na sociedade emergente e, naturalmente, em cada um de nós, começou a não ser fácil aguentar a unidade, “marca d'água” do nosso caminho até aquela altura. Continuo a pensar, que aquele núcleo duro inicial, conseguiu manter a mesma dinâmica, porque se adaptou bem à nova situação e garantiu uma prática democrática muito abrangente do ponto de vista partidário. Conseguimos permanecer unidos, resistindo a todas as tentativas hegemónicas, muito embora as conhecidas e confirmadas ligações partidárias de alguns de nós.

Entretanto aproximava-se o Carnaval, altura de brincadeiras e passeios de mascarados e realização de bailarico na “sociedade”. Naquele ano de 1975, o pessoal da URCA pensou, projetou e apresentou, um programa mais elaborado que, para além de baile num dos dias, incluía, noutro dia, a apresentação em palco, de vários “quadros” de comédia ensaiados e representados pela “prata da casa”. O nosso problema era sempre o mesmo – local para fazermos isto. Já antes, tínhamos tido a colaboração do Sr Saraiva que nos disponibilizou um anexo da serração para fazermos um baile. Para o Carnaval fomos novamente falar com ele e o Senhor, com toda a boa vontade do mundo, ofereceu-nos um armazém ao lado da sua casa. Era o ideal, ficamos todos contentes mas estava cheio de madeira para ser retirada e, depois da festa, para voltar a pôr no mesmo sítio.

O Carnaval de 1975, primeira realização a sério da URCA, foi um grande sucesso. A população da Abrunheira participou em massa e isso deu-nos muita força para continuarmos. No entanto, era cada vez mais sentida a falta de instalações, não só para sede, mas principalmente, para se desenvolver uma actividade cultural e recreativa continuada e devidamente programada.
O País estava a mudar e nós não queríamos ficar para trás. Um pouco por todo o lado, tomava forma uma onda que viria a tornar-se imparável – tantas vezes levada ao exagero - que era, a ocupação de todo o imóvel que se encontrasse comprovadamente ao abandono. Como é natural, o fato de abordarmos a temática e de falarmos de alguns locais que poderiam servir para desenvolvermos os nossos projetos, levou a que a nossa indestrutível unidade até aí, sofresse algum abalo. Claro que era um assunto polémico e muitos de nós achavam que não deveríamos ir por aí. Como se veio a verificar, a unidade resistiu e, nos meses seguintes, iria tornar-se ainda mais forte.

Entretanto, chegamos a 3 de Março daquele ano do PREC. Era Segunda-Feira, apanhei o comboio da linha do Oeste de manhã cedo no Cacém, e lá fui até à Figueira da Foz “assentar-praça” no exército deste País. Tinha o estômago às voltas, não só pela obrigação de ir para a tropa, mas também porque na véspera, a festa da minha despedida na adega do Pai do Zé Carmo Silva, tinha sido de arromba e com muito álcool.

(Continua)
(Extraído dos textos “Abrunheira, Terra com História” de Silvestre Brandão Félix, publicados no extinto blogue “Aldeia Viva” durante 2007 e 2008.)
(Correção e atualização do autor em 2011)

Silvestre Félix

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A MARCA DA NOSSA TERRA

Como tantas vezes se tem dito, a URCA é a marca da nossa Terra!

A fase atual da coletividade, considerando o seu objeto estatutário, não é boa nem má, é assim-assim!

Para além do Bar com ambiente renovado e atendimento agradável do Zé e da Fernanda, a vertente desportiva tem vindo a funcionar com regularidade no que respeita ao futsal, atletismo, várias disciplinas e variantes de dança e movimento do corpo e a escola de futebol. Penso não me estar a esquecer de nada, mas estas atividades têm dado algum movimento ao espaço e vão levando o nome da URCA e da Abrunheira a outras paragens. Só é pena que, nalguns casos, a competição não possa acontecer na nossa Terra, mas é melhor que nada.

Se desportivamente a coisa ainda mexe, do ponto de vista cultural é um vazio completo. No início da URCA, foi exatamente ao contrário. A vertente cultural era o princípio e o fim de toda a movimentação na URCA e na Abrunheira, ao passo que agora, tudo está quieto.

Neste tempo e neste âmbito, as opções são muito amplas, não se resumem à existência de um grupo de teatro. Por outro lado estão ativas na zona e no Concelho, algumas congéneres e outras associações só culturais, que congregam, por sua vez, grupos mais pequenos, que realizam com regularidade todo o tipo de atividades culturais.

Constata-se portanto, que a Abrunheira tem um deficit de atividade cultural a nível associativo que, necessita ser resolvido.

A minha geração não está isenta de culpa. Fizemos a nossa parte e devíamos ter tido capacidade suficiente para passar a mensagem e, está provado, não tivemos.

É importante virar a situação. Acredito que existe força e juventude capaz de, preferencialmente numa secção cultural da URCA, inverter este estado de coisas e, aproveitando o património existente (GITU e GC Alentejano), recuperar e desenvolver este pólo que está na gene da nossa coletividade.

Evidentemente que a URCA tem uma equipa de Órgãos Dirigentes em funções e o seu programa de gestão pode não passar por nada disto que falo. Neste caso, a sua vontade é determinante para o sucesso dum trabalho com estas características.

Silvestre Félix