A propósito do 36º aniversário da fundação da URCA, inicio hoje a publicação de um texto, em dois capítulos (antes e depois de 3 de Janeiro de 1975) e, por sua vez, dividido em duas ou três partes cada.
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O café do Cabaço, hoje fechado e com uma placa com o nome de “Almada”, era o nosso ponto de encontro. Era lá que se conversava, via televisão, lia as notícias, conspirava, namorava e também se comia, bebia, jogava matraquilhos e king, enfim, era a nossa segunda casa e, para alguns, quase a primeira.
Quando o Cabaço fechava, ainda subíamos o "curronquinho" (não sei a origem do nome nem se a palavra está bem escrita, mas era assim que chamávamos à rua que, mais tarde, seria batizada de “Ferreira de Castro”) e ficávamos à conversa, muitas vezes “subversiva”, na esquina da Ferreira de Castro com a MFA madrugada dentro, e sempre atentos a qualquer movimentação suspeita, a PIDE andava aí e não brincava em serviço.
O emprego frequente do pronome na primeira pessoa do plural (nós) é consciente. A intenção é passar uma ideia verdadeira de grupo que, de fato, existia. Éramos todos muito novos mas bastante responsáveis. Eu, era dos mais velhos e em 1974 tinha 20 anos. Não vou referir uma lista de nomes, porque posso ser injusto com alguém mas, não fugirei à verdade, se disser que os participantes nestas tertúlias, com mais ou menos assiduidade, constam nos fundadores da URCA.
No entanto, não posso deixar de destacar algumas pessoas da geração dos nossos pais que nos ajudavam a concretizar as nossas festas e realizações recreativas e culturais. O Saraiva da serração, que várias vezes nos emprestou as suas instalações para aí fazermos bailes ou programas de "variedades". O Cabaço e a sua esposa Silvina, que nos aturavam todos os dias, e, visto à distância, tinham muita paciência, o Joaquim Santos e a esposa Julieta que acompanhavam a filha Odete em reuniões do núcleo duro que, algumas vezes, foram feitas em casa deles.
O final de 1973 e o início do ano de 1974, já muito perto do 25 de Abril, foi um período bastante turbulento. Ainda em 1973 tiveram lugar as últimas pseudo-eleições promovidas pelo regime da ditadura, em que, muito embora tenham sido apresentadas listas de oposição, acabaram por desistir porque não conseguiam fazer campanha. Qualquer comício ou simples reunião promovida pela oposição, era invadida pela polícia com orientação da PIDE (nessa altura DGS). Um desses acontecimentos que conseguiu chegar ao conhecimento da generalidade dos Portugueses, foi a Convenção Democrática em Aveiro, em que os participantes eram em tal número, que a polícia+pide não conseguiu esconder, como sempre fazia.
O regresso de Spínola da Guiné e a publicação do seu livro “Portugal e o Futuro” em Fevereiro de 1974, o 16 de Março (levantamento militar do quartel das Caldas da Rainha) a ida da "Brigada do reumático" a S. Bento, discursos e contra-discursos, fazia com que andássemos um bocado agitados. Para temperar ainda mais o ambiente, chegava-nos todos os dias às mãos, propaganda contra a guerra colonial, contra o regime e a Pide, enfim, tudo o que o Governo da ditadura proibia e considerava propaganda comunista, anti-patriótica e subversiva.
Naquele final de 73 e princípio de 74, assisti várias vezes em Lisboa a investidas da polícia de choque. Ninguém queria ir para uma guerra, ainda por cima, para a Guerra Colonial que considerávamos injusta, não só para nós, como para os povos das antigas colónias. A Guerra Colonial era o motor mais visível da contestação ao regime, na população duma forma geral e dentro do regime, mas era uma realidade e eu, “assentaria praça” a partir de Janeiro de 1975, pelo que, não havia um dia, uma hora, que não me lembrasse disso.
No entanto, no meio de todas estas preocupações, a ideia de criarmos uma Associação de cariz cultural e recreativo na nossa Terra não esmorecia, pelo contrário, à medida que o tempo passava, mais se cimentava essa certeza.
(Continua)
(Texto corrigido e atualizado. Extraído da postagem de Silvestre Félix publicada no extinto blogue “Aldeia Viva” em 11 de Novembro de 2007)
Silvestre Félix
3 de Janeiro de 2011
Tags: URCA
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