domingo, 30 de setembro de 2018

LIVRA-NOS OS "INTELIGENTES"... LAGARTO! LAGARTO!


Devia ser por esta altura do ano porque, poucos dias depois, sempre a 7 de outubro, comecei a escola na 3ª ou 4ª classe, lá, na velhinha, naquela que deu o nome à atual Rua da Escola.  
 
Tudo como costume, saia para o “monte” com a Marcina, a Branquinha, a Estrela e a filha que ainda não tinha nome, e a nossa espertalhona, Burra Carocha. Aguentei-as um bocado do lado de dentro do portão porque o Ti João estava a sair com o seu rebanho de ovelhas.

A Belinha, porque me sentiu, saiu do meio do rebanho a balir, toda contente, e veio ter comigo pedir uma festa. Não lhe dei uma, dei-lhe várias. Na forma de comunicação dela, balindo, lá me disse alguma coisa, carinhosa decerto, e voltou para junto das suas companheiras de rebanho. A Belinha ficou sem mãe quando nasceu e eu comprometi-me com o Ti João a criá-la.

A Ti Augusta ao princípio não ficou muito contente, mas depois… não queria ela outra coisa e fartou-se de chorar quando a “borreguinha” voltou para o rebanho. Ela e eu! Andava em casa como se fosse um gato ou um cão, lá bebia o biberon e, muitas vezes, ia ter comigo à cama. Claro, cresceu rapidamente e não podia lá continuar. Mas todas as vezes que nos via ou sentia, não se calava e só, se não podia, é que não vinha ter connosco.

Bem, entretanto, o rebanho lá foi e, a seguir, mandei o meu “pessoal” sair, devagar. Elas já sabiam que, antes de mais nada, iam beber água ao Santo António. A Carocha era sempre a primeira e quando lá chegava com as vacas, ela já tinha meio bandulho cheio de água.

Como acontecia todos os dias, o tanque estava cheio de vizinhas a lavar a roupa, com aquele som característico de “tagarelisse”. Lembro-me de muitas caras, mas os nomes, é que é, pior; como é “público”, tenho uma relação muito conflituosa com a lembrança de nomes de pessoas e de coisas. Que hei de fazer? É com certeza a PDI. Mas consigo sempre lembrar-me da Ti Maria do Florindo, da Ti Ilda do Zé N’olas, da Ti Maximina e é melhor não arriscar mais.

Bom, bandulhos cheios, respostas educadas para as “lavadeiras” e, ala que se faz tarde, até aos Celões, mesmo nas "bochechas" do Linhó. Naquela altura, a erva já tinha rebentado o suficiente para o saboroso pasto das “minhas-ruminantes”, e elas, mais ou menos, já sabiam o caminho, era só preciso dar um toque na altura certa porque havia mais do que um destino possível.


Naquele caso, o destino era o mais longe, mas também o preferido porque tinha muita escolha. Do Santo António virávamos à direita, mais à direita ao Ti Alexandre, depois de passar as “Pateiras” outra vez à direita passando ao Chamiço e, mais à frente, atravessando o nosso Rio das Sesmarias e, um pouco acima, a regueira dos barros que lá à frente, antes dos “Quatro-Donos”, desaguava no Rio das Sesmarias. 

Quando estávamos a chegar à esquina dos “Celões”, a Carocha, que já ia lá à frente, parou e recuou dois passos, ficando assim a olhar para as silvas com as orelhas bem esticadas e, arreganhando os dentes, zurrou! O caminho não era muito largo, mas consegui que as vacas a contornassem e passassem à frente, continuando até à entrada dos “Celões”. Ela, a Burra espertalhona, tinha “pegado ali de estaca” e continuava com os dentes arreganhados e, de vez em quando, batia com a pata direita.

Depois das “outras” estarem em segurança da parte de dentro dos “Celões” e a iniciarem a função do pasto, olhei para o mesmo sítio da Carocha e o que vi: Um lagartão bem verde, especado e feito parvo a olhar para ela. Desde a ponta do rabo, até à cabeçorra, tinha aí meio metro. Antes que ela lhe pusesse a pata em cima, fiz barulho com o pau e o nosso amigo acordou daquela letargia hipnótica, e arrastou-se para dentro das silvas e carrascos.     

Teve muita sorte, o lagartão, de não estar por perto o meu primo Fernando ou, até, o Zé Augusto, porque senão, não se safava assim.  

Tempo bem controlado pelo relógio de sol antes construído no cantinho onde costumava passar o tempo, e, vamos lá embora de regresso. Chamado o “pessoal”, lá vieram e, como sempre, a “dona” Carocha à frente toda lampeira. Quando passamos pelo sítio onde antes estava o “lagartão”, todas passaram, mas a burra-espertalhona parou. Ela sabia que, há duas horas, tinha estado ali a namorar o “rastejante”. Eu quis entender o que ia naquela cabeça que eles diziam ser de burra e, quando a vi arreganhar a dentuça e zurrar na direção que o lagarto tinha tomado e bater duas ou três vezes com a pata direita no chão, percebi que de “burra”, como nós entendemos, não tinha nada. Fiz-lhe uma festa no pescoço e dei-lhe uma carinhosa palmadita no quadril, e lá arrancou, genuinamente contente, com o “tempo de glória” que lhe tinha dado.

Esta lição, ainda a trago hoje comigo.

Até os “burros” gostam de ter o seu tempo de glória e de antena, quanto mais os “inteligentes”!

Ao longo da vida, infelizmente, muitos “inteligentes” por mim passaram… e ainda conheço alguns!

Silvestre Brandão Félix
30 setembro de 2018
Gravura e Foto: Google   

domingo, 23 de setembro de 2018

CHUVA EM AGOSTO, AS FESTAS E O TI RAFAEL


No meio de mais um braçado de erva cortada rentinha pela serrilha da foice movida pela sua força em jeito, deito-lhe mais uma pergunta:

— Oh, mãe, porque chamam ao Ti Rafael — Rafael “coxo”? Ele não é coxo, nem nada!

Naquele ano, as primeiras águas vieram ainda em agosto e não foram poucas. Não tínhamos chegado ao final de setembro e, em resultado dessa chuva, dada a invulgaridade do tempo, a minha mãe já podia fazer um mimo à Marcina, à Estrela, à Bonita e também à burra Carocha que, atrelada à carroça, na espera, já ia provando aquela delícia verde e fresquinha.

— Oh, filho, agora que perguntas, deixa-me cá pensar…

Ao contrário do que era habitual, a minha mãe fica um bocado engasgada, não responde logo e volto à carga.

— Não sabe porquê, mãe?

— Não é isso, é que … se calhar …

Observando aquela indecisão da minha mãe, fiquei preocupado e até um pouco inseguro, porque não havia nada que lhe perguntasse, que não tivesse resposta imediata. De repente, posando a erva que tinha na mão:

— Se calhar foi alguma altura em que o Ti Rafael torceu algum pé ou se aleijou na perna e, coxeando, começaram a chamar-lhe “Coxo”.

— Ah, bem, estava a ver que não sabia…

Satisfeito com a resposta, decerto improvisada, a minha mãe voltou à erva que, à medida que ficava solta pelo corte da foice, a mão esquerda segurava e ia deixando num “monte” para, depois, juntar e fazer molhos atados pelo meio, com uma corda que, numa das pontas, tinha um gancho em madeira por onde a corda corria e, bem apertada, se fazia um nó.

Este acessório de madeira era descoberto preferencialmente nos zambujeiros e, habilidosamente, cortado e acabado à mão pelo meu pai. Havia muitas destas cordas com o dito gancho, lá em casa.

A propósito dos festejos que a URCA este ano realizou, e sempre que tal acontece, lembro-me do meu tio Rafael. Este homem popular e amigo de toda a gente, tinha um espírito empreendedor, como poucos.

Qualquer evento que se realizasse na Abrunheira, lá estava o Ti Rafael com três tábuas armadas, fazendo de balcão, com os copos e as cervejas logo a sair.

No fundo das minhas lembranças, permanecem as festas da chegada da luz elétrica à Abrunheira, no antigo largo em frente à Quinta do Olival e à Quinta de Santo António, no limite do atual Beco da Saudade. Lá estava o Ti Rafael com a sua “tasca” alindada com folhas de palmeira, tal como o palco e, para além de taberneiro, também assumia o papel de animador; metia conversa com toda a gente, sempre com um grande sorriso e com uma deixa que a manteve até ao fim:

“Tá, por’i, tá!  Lembram-se?

Silvestre Brandão Félix
23 setembro de 2018
Gravura: Arraial (Lisbonne Idee - Google)

terça-feira, 18 de setembro de 2018

A ASA DA XÍCARA E A CARREIRA 446


Durante boa parte da minha vida, nunca me pareceu, que alguém tivesse dúvidas da serventia daquela parte saliente em argola, como se orelha fosse, das chávenas, canecas ou xícaras, como ainda se diz no Brasil.

Há, algum tempo, comecei a reparar, que algumas das personagens que nos entram todos os dias pela casa dentro — sim, porque eu também vejo telenovelas — pegam nas chávenas pelo lado contrário da asa; ou seja, ignoram de propósito a “orelha” da dita e bebem assim.

As teorias são muitas, como, aliás, costuma acontecer em relação a tudo o que não tem explicação.

Já ouvi dizer — à laia de desculpa pela distração — de outro(a)s que não aparecem pela TV, que é para não pôr os lábios do mesmo lado da generalidade das pessoas que, naturalmente, pegam pela asa. Até podia ir nessa, mas a cena é que já tenho visto esses mesmos, pegarem na chávena e levarem aos lábios com a mão esquerda. Ou seja; o efeito (dito) pretendido, é anulado pela base.

Mas então, porque será? É moda? Fica bem? Para ser diferente? Ou, simplesmente, porque o, ou a, (atenção ao género) elemento está meio a dormir? Ou então, numa dedução mais lógica, se acontecesse só nas telenovelas; o recipiente pegado, nem líquido tem dentro, porque se tivesse e quente, da boca lhe saia palavrão na certa!

Quantas vezes, no nosso dia-a-dia, nos deparamos com o que “parece”, e, não é? Se repararmos bem, muitas!

É como a carreira 446!

O que é que a carreira 446 tem a ver com a serventia da “orelha” da chávena? Estarão vocês a perguntar.

Tem a ver, sim! Também é uma coisa que parece, e, não é!

Parece uma carreira, ou transporte público, para servir (embora paga) a população, mas não é! Pelo menos, entre a Abrunheira e Chão de Meninos, não serve para nada.

Para os abrunheneses, que serventia tem uma carreira que num pulinho está em Chão de Meninos e não vai mais para baixo. Em dois ou três minutos estava na Estefânia e muita gente se podia servir dela.

Realmente, diminuíram o tamanho da camioneta, agora é quase sempre mini. Pudera, ninguém a usa!  

Ponham lá a 446 até à Estefânia, dando a volta na rotunda/fonte ou Estação de Sintra, de qualquer maneira, é preciso é que não fique a meio caminho, em Chão de Meninos. Ah, e já agora, reponham o trajeto Abrunheira/Ranholas/Chão de Meninos/Sintra e a preços razoáveis, da que vem de Oeiras 467 e que — com certeza que não foi para servir a “povinho” — há uns tempos a desviaram para Mem Martins/Ouressa/Portela.

Conclusão: No que diz respeito a transportes públicos, a Abrunheira tem várias soluções para Mem Martins e Rio de Mouro, mas para Sintra, sede do concelho e com todos os serviços de que os abrunhenses necessitam, incluindo Centro de Saúde, não tem uma única ligação direta dos seus 6/7 kms e 10/12 minutos e, as alternativas até à Estação da Portela via Ouressa, estão a mais do dobro em distância, e, em tempo, com trânsito normal, 30/40 minutos, quando faz circular, a tal (446) que parece e não é, até Chão de Meninos e que não serve a ninguém. 

Silvestre Brandão Félix
18 setembro de 2018
Fotos: Google



domingo, 16 de setembro de 2018

NUM DESTES DIAS


Num destes dias, um “camarada de armas” (escrita), desafiou-me para não estar tão ausente, na colocação de “postagens” nos blogues e no FB.

Desculpei-me, com o argumento de que são poucas as ocasiões para festejar, comemorar ou felicitar, acontecimentos abrunhenses ou que tenham a ver com a melhoria da qualidade de vida da nossa população.

É claro que o meu padrão de escrita (perdoem-me a presunção, “escrita” é demasiado para quem rabisca uns textos soltos) não se limita à Abrunheira, seja no lugar de baixo ou sul, do meio, de cima ou norte ou até, simplesmente aldeia, como alguns ainda lhe chamam. Só que, considerando a abrangência de “zona” (superior à freguesia e inferior ao concelho), tornou-se cada vez mais difícil para mim, opinar sobre o que quer que seja.

Considerando algumas exceções que não irão além de dez por cento, o que aparece sobre a zona/região ou mesmo sobre Sintra, nos formatos crónicas, postagens, comentários, respostas ou simples textos, nas RS e principalmente no FB, é tudo colorido, ou seja; a primeira motivação é partidária ou preconceituosa.

Não quer dizer que, mesmo carimbados como acabei de referir, os escritos não correspondam à verdade e ao que está certo. De maneira nenhuma, senão era o preconceito ao contrário. Não! Essas opiniões ou críticas são muitas vezes oportunas e corretas, mesmo levando o selo partidário.

O que me chateia solenemente, é que não é essa a regra, antes pelo contrário. A “clubite” e a “partidarite”, manipulam a “verdade” conforme o lado e o “mandato” em questão. O que hoje está errado, poderá estar certo amanhã, se a cor mudar.

Bom, mas voltando à Abrunheira, quem não sabe pode pensar que estou a ser irónico, mas não estou; as carências são tantas e com o poder tão longe, damos por nós a rejubilar de contentamento com a substituição dum, já célebre, poste de madeira por outro de cimento, na Rua do Forno. O serviço ainda não está concluído, mas o de cimento já está colocado, meio caminho andado. O velho, coitado, carregado de cabos elétricos, teve vida longa e vai morrer sem paliativos, mas, para nosso contentamento, já não nos cairá em cima.

Outro motivo de satisfação, foram os Festejos da URCA. Mesmo com os tímpanos avariados, pois o quarto é mesmo aqui ao lado, tenho que reconhecer e capacidade de trabalho dos promotores e diretores da URCA. Obrigado e muitos parabéns!    
   
Silvestre Brandão Félix
16 de setembro 2018