segunda-feira, 21 de junho de 2021

DOS PISÕES, DOS MILHÕES E OUTRAS QUINTAS QUE TAIS

Casa da Serra (Tapada do Roma)
Na “Serra”, o tempo estava ameno, era por esta altura do ano. Lembro-me do meu Tio Joaquim sentado na soleira da porta, com os cães à volta disputando-lhe as melhores “festas”, mas ao aperceberem-se da nossa chegada logo correram e ladraram, cumprindo a sua obrigação de guardadores. 

Para além do ladrar incessante dos cães, já de contentamento, o som que sempre me fascinava... lá estava; o barulho “metálico” da fresquinha água passando no bebedouro e, lá mais à frente caindo no riacho que pela encosta descia indo encontrar-se adiante com outros fios e nascentes. 

Por aquela rampa acima, entrando na “Tapada”, lindas camélias e hortências, ladeavam o caminho até ao pátio fronteiro à casa. Lá estava, a chaminé, brotando os fumos que o grande fogão - no meu ver de puto, impressionavam-me os dourados brilhantes das pegas do fogão - a lenha transformava em deliciosos almoços. Aquela hora, ainda não cheirava a bacalhau, mas cheirava e bem, aquele inesquecível café que sempre se bebia naquela casa. A meio da manhã, era o que íamos fazer logo de seguida. Eram sempre dias muito bem passados. 

A Ti Franquelina estava a preparar o célebre “Bacalhau à Gomes de Sá”. Para puto de seis ou sete anos, naquele tempo, a ementa do almoço não mobilizava os neurónios para trabalho extra, mesmo tratando-se dum “BGS” como nunca comi em lado nenhum, sendo feito pela minha Tia ou, depois dela partir do mundo dos vivos, pelo seu filho e meu primo Quim. Ele herdou, e bem, o jeito para fazer aquele “Bacalhau à Gomes de Sá”

Mas naquele dia, há volta de sessenta de tempo contado em anos, lá me puxou a Ti Augusta por esses caminhos acima até à Serra, a “Casa da Serra”. Foi lá que viveu desde os sete anos até casar com o meu Pai. Voltava sempre como se tivesse saído na véspera. Para ela, era a sua casa e quando chegou a hora de nascerem o meu irmão Vítor e a minha irmã Felicidade, a maternidade foi lá, na sua “Casa da Serra”. 

A saída daqui, da Abrunheira, era sempre em direção a Ranholas, por aquela que viria a ser a Rua da Abrunheira e que umas décadas mais tarde cortariam ao meio, acabando com a vizinhança entre as duas terras. 

De Ranholas, saíamos com muito cuidado para a velha estrada de Sintra, junto ao portão da “Quinta do Ramalhete” onde, uns anos antes, cheguei a receber um brinquedo pelo Natal. Não era uma playstation, não! Era uma mota-triciclo de lata que quase me cabia numa mão. Delirei com aquilo e, pequenina que era, a mota, acompanhou-me durante muito tempo. 

Na estrada, seguíamos bem junto à parede da Quinta do Ramalhão até ao cruzamento e, passávamos pelos “dois-irmãos” no túmulo, naquele tempo ainda do lado esquerdo, até ao Fetal onde numa primeira paragem a minha Mãe cumprimentava com muitos abraços e beijinhos, salvo erro uma prima, num lugar de fruta e hortaliça. Depois, passando o alto de São Pedro, começando a descer, havia outra paragem para se desfazer em abraços com outra tia ou prima. No Arrabalde também cumprimentava alguém. Talvez familiares do Amadeu. Depois, na “Gandarinha”, onde aprendeu a ler e a escrever, nunca deixava de me contar algumas peripécias no “convívio” com as freiras. 

A maior parte das vezes, descíamos pelo “Valenças” e, na Vila, falava a montes de gente. Muitas vezes ouvi tratarem-na carinhosamente pela Augustinha dos “Oliveiras”. Explicava-me sempre onde tinha nascido, numa casa das Escadinhas do Hospital e nunca deixávamos de ir visitar a minha Tia Branca e o meu Tio Narciso que trabalhavam no Palácio Nacional, por onde sempre andavam também, os meus queridos primos Luís e Casimiro. 

Depois, pela Quinta dos Pisões e logo a seguir, a Quinta do Milhões, hoje Regaleira. Aliás, quando ouvi pela primeira vez o nome de Regaleira, não sabia onde era. Nos Pisões, ficava sempre embasbacado com a cascata. Via, revia, e a Tia Augusta chamava, chamava. Na Quinta do Milhões, a minha Mãe explicava-me que tinha sido um homem com muito dinheiro que a tinha comprado, daí o nome... 

Para muitos vizinhos da Vila, a morada da Serra, era a “Casa dos Oliveiras”. Os meus avós e tios, com o apelido Brandão, eram conhecidos por “Oliveiras”. Assim eram, desde antes da “república”. Até 10 de outubro de 1910, não podiam usar o apelido “Brandão” porque a condenação do bem conhecido “João Brandão” João Brandão – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org) Incluía a erradicação do apelido de família, até à 5ª geração. Daí, o apelido Brandão, quando existia, era trocado por qualquer outro. No caso do avô da minha Mãe, meu bisavô, embora tivesse sido registado no Porto com Brandão, em Sintra, para onde veio na década de setenta do século XIX, trocou este apelido por “Oliveira”, daí, os seus descendentes, que foram muitos (entre 24 e 27), serem conhecidos por “Oliveiras”. Após a implantação da república, devagarinho, a maioria regressou ao apelido original, ou seja, ao Brandão. Ainda assim, alguns, não o fizeram e continuaram com os outros apelidos, entretanto adquiridos. 

A minha Avó Cândida ainda lá estava. Não viveria muito mais tempo. Vi-a a última vez no Hospital de Santa Maria onde a visitei com a minha Mãe. Foi de lá que os diabetes a levaram e, trinta e poucos anos depois, também havia de ser daquele hospital que a minha Mãe partiu para a derradeira caminhada. 

A meio da tarde, o meu Tio Joaquim, tirava o “dona-elvira” do telheiro (não sei que marca era, mas ainda era daqueles que tinha o pneu suplente em cima do guarda-lama da frente), e vinha trazer-nos a casa. A minha Mãe, Augustinha dos “Oliveiras da Serra” (que não eram), fazia anos neste mês de junho, na véspera do Santo António. 

Silvestre Brandão Félix 

20 de junho de 2021 

Foto: Casa da Serra – Tapada do Roma (Salvo erro, foto do Casimiro)

sexta-feira, 11 de junho de 2021

A RUA DO ALECRIM, O 11 DE JUNHO E A JANELA DO TERCEIRO ANDAR

Antigos comboios da Linha de Sintra

Neste mesmo dia 11 de junho, mas de há cinquenta e dois de tempo em anos contados, ou seja, em 1969, plena época de “primavera” marcelista, mas que afinal não foi, iniciei a minha nova vida, neste caso de trabalho porque de obrigação de escola, me quis livrar.  

Pelo «largodochafarizaosol» muitas vezes escrevi sobre a STAR do 10 da rua do Alecrim, sobre “a janela do terceiro andar”, sobre o Cais do Sodré, sobre o Hotel Bragança do Eça, dos “bitoques” do Califórnia, dos bás-bás do Caneças, dos digestivos do Brithis Bar, dos pastéis de natas da Zarzuela, das sardinhadas no Carvoeiro, das cabeças de peixe na Tasca da Ribeira, das bifanas do Escondidinho, das bicas da Brasília e do Recife, do frango no espeto do Rio Grande, das vieirinhas do Porto de Abrigo, os livros do Eduardo Olímpio, etc., etc.


Todos os momentos de há tanto tempo em anos contados, uma vida toda, justificam-se sempre com meros acasos. O percurso de cada um de nós é feito, de facto, assim, mas complementados com a força do “livre” arbítrio individual.

 

Considero que aquele dia 11 de junho, foi determinante para o meu caminho nesta vida. Por tudo; pelos lugares, pelas pessoas que conheci e pelas decisões que também, em razão das circunstâncias, tive que tomar. Por isso, cruzei a fronteira, sempre pelo ar, e fui parar a sítios tão distantes uns dos outros. Contudo, foi África que me reteve mais tempo e mais vezes, sendo Moçambique durante muito tempo, a casa familiar e até onde a minha filha nasceu.

  


Em julho de 2019, escrevi um texto que retrata bem aquela “minha” época. Se tiverem paciência e pachorra, não deixem de clicar no azul e de o ler até ao fim:  https://largodochafarizaosol.blogspot.com/2019/07/a-distancia-de-meio-seculo.html Todos nós temos datas importantes na vida, no meu caso, o 11 de junho é mais que isso, foi o ponto de partida da minha vida adulta! 



Silvestre Brandão Félix
 

11 de junho de 2021 – Tempo de pandemia