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sexta-feira, 11 de junho de 2021

A RUA DO ALECRIM, O 11 DE JUNHO E A JANELA DO TERCEIRO ANDAR

Antigos comboios da Linha de Sintra

Neste mesmo dia 11 de junho, mas de há cinquenta e dois de tempo em anos contados, ou seja, em 1969, plena época de “primavera” marcelista, mas que afinal não foi, iniciei a minha nova vida, neste caso de trabalho porque de obrigação de escola, me quis livrar.  

Pelo «largodochafarizaosol» muitas vezes escrevi sobre a STAR do 10 da rua do Alecrim, sobre “a janela do terceiro andar”, sobre o Cais do Sodré, sobre o Hotel Bragança do Eça, dos “bitoques” do Califórnia, dos bás-bás do Caneças, dos digestivos do Brithis Bar, dos pastéis de natas da Zarzuela, das sardinhadas no Carvoeiro, das cabeças de peixe na Tasca da Ribeira, das bifanas do Escondidinho, das bicas da Brasília e do Recife, do frango no espeto do Rio Grande, das vieirinhas do Porto de Abrigo, os livros do Eduardo Olímpio, etc., etc.


Todos os momentos de há tanto tempo em anos contados, uma vida toda, justificam-se sempre com meros acasos. O percurso de cada um de nós é feito, de facto, assim, mas complementados com a força do “livre” arbítrio individual.

 

Considero que aquele dia 11 de junho, foi determinante para o meu caminho nesta vida. Por tudo; pelos lugares, pelas pessoas que conheci e pelas decisões que também, em razão das circunstâncias, tive que tomar. Por isso, cruzei a fronteira, sempre pelo ar, e fui parar a sítios tão distantes uns dos outros. Contudo, foi África que me reteve mais tempo e mais vezes, sendo Moçambique durante muito tempo, a casa familiar e até onde a minha filha nasceu.

  


Em julho de 2019, escrevi um texto que retrata bem aquela “minha” época. Se tiverem paciência e pachorra, não deixem de clicar no azul e de o ler até ao fim:  https://largodochafarizaosol.blogspot.com/2019/07/a-distancia-de-meio-seculo.html Todos nós temos datas importantes na vida, no meu caso, o 11 de junho é mais que isso, foi o ponto de partida da minha vida adulta! 



Silvestre Brandão Félix
 

11 de junho de 2021 – Tempo de pandemia

sábado, 27 de julho de 2019

À DISTÂNCIA DE MEIO SÉCULO


Há meio século, tudo tinha outra “cor-embaciada”.

No dia seguinte, a Ti Augusta completava mais um ano de vida. Ia nos cinquenta e cinco. “Essa vida”, cheia de trabalho e sofrimento, mas também de muitas alegrias, como fazia sempre questão de dizer. O incentivo da minha Mãe foi decisivo para aceitar a “proposta” do Chico.

E, querendo, era para o dia seguinte, porque naquele 10 de junho de 1969, como era tradição, estava o Terreiro do Paço cheio com uma gigantesca parada de militares, comemorando o “célebre-dia-da-raça”.

Muitos — a propósito dos quais o Almirante e o “Professor da oportunidade perdida” e da primavera chamada “esperança”, espetaram medalhas no peito dos pais, das mães, das viúvas ou dos filhos e filhas — não puderam responder à chamada, porque os desígnios do império os transformaram em heróis depois de os levarem desta terrena vida. Quase todos os que responderam de viva voz para receberem a medalha, os heróis vivos, foi, porque transportaram no corpo o resultado das balas ou dos estilhaços que os haviam atingido.

Parece-me, agora, que tudo se passou noutra “encarnação”. O “Botas”, demente terminal, ainda vivia. Só se “apagaria”, um ano depois, também num 27 de julho.

A hora da despedida - Ida para a Guerra - Imagem RTP
Aquela Guerra Colonial, que ao tempo se chamava (baixinho porque algum “bufo” podia ouvir) “Guerra do Ultramar”, estava ativa em todas as frentes e, do Cais da Rocha Conde d’Óbidos e de Alcântara, continuavam a zarpar “paquetes” das companhias: Colonial de Navegação e Nacional de Navegação, carregados de tropa para combater os movimentos de libertação nas franjas do império. As despedidas, comportavam o cais cheio de lenços brancos acenando aos seus, até que o mastro mais alto desaparecesse no horizonte. De todos os que partiam, e porque iam para a guerra, nem todos regressariam.    
    
Ainda não tinha feito os quinze, mas lembro-me bem que por aqueles primeiros dias de trabalho na STAR, no 10 da Rua do Alecrim, que por ali ia no seguimento da boleia na lambreta do Chico até Oeiras, o comboio esteve parado alguns minutos à frente do “Cais da Rocha”, e assisti, embasbacado, a um daqueles tristes espetáculos. Naquele momento, impressionado, pareceu-me não faltar muito tempo para eu próprio, poder ser protagonista de cena idêntica.  

O meu primo Chico, depois de se ter safado das cheias do “Cacheu” e dos tiros nas emboscadas dos guerrilheiros do PAIGC, e ter tido a sorte de desembarcar em Alcântara, na volta, voltou para a marcenaria onde já trabalhava antes de “assentar-praça”.

Um dos clientes habituais onde ele se deslocava muitas vezes, era a STAR. Numa dessas idas, o Sá Rodrigues, homem da contabilidade e pessoal (ainda não tinham inventado a expressão-recursos humanos) da STAR na Rua do Alecrim, seu bem conhecido, aceitou que ele, o Chico, levasse lá o primo de catorze anos para preencher a vaga de “paquete” na secção dele. O primo de 14 anos era eu e assim lá fui! Naquele 11 de junho de 1969 e depois das perguntas e respostas, fiquei aprovado e comecei nesse mesmo dia a trabalhar e a ver o mundo pela “janela do terceiro andar”.

Tenho uma relação péssima com datas, mas, “mil anos que viva”, não me esquecerei daquele dia. Fez cinquenta de tempo contado em anos. O mesmo tempo, assim contado, do primeiro salto na Lua.

Como um simples comentário ou recado pode ser tão importante na vida duma pessoa. Se o Sá Rodrigues não se tivesse cruzado com o Chico naquele dia, o meu percurso de vida teria, certamente, sido diferente.

Desde aqueles dias e pelos outros dias, semanas, meses e anos seguintes, com o “trago” da dose de cafeína emborcada no Cyntiaantes bem medida e tirada pelo Ti Rodolfo e mais tarde pelo Ti João — e depois embalado no comboio até ao Rossio, lá ia à procura da experiência e do conhecimento que me transformaram em homem, fosse na carruagem da “sueca” e “bisca-lambida”, das “gordas do Diário de Notícias” ou de leitura em livro censurado  e “forrado” por causa dos “mirones”, ou na de bancos castanhos com os engravatados e “flausinas” com  as bochechas cheirosas e “empoadas”.

Praça Duque da Terceira (Cais do Sodré) - Google
Da “janela do terceiro andar”, via o bem e o mal. Com a “janela” aberta à minha frente, escolhia o caminho. Umas vezes bem, outras nem por isso, mas ouvia sempre um sopro atrás da orelha que me punha no certo. O Cais do Sodré ensinava tudo. Mesmo que não quisesse, aprendia sempre alguma coisa. Dos bitoques e imperiais do “Califórnia”, dos bás-bás do “Caneças”, dos pastéis de nata da “Zarzuela”, das bicas do “Recife” ou da “Brasília”, dos digestivos do “Brithis Bar”, das fresquinhas do “Atlântico, da loiça partida do “Grego”, das vieirinhas do “Porto de Abrigo”, do frango no espeto do “Rio Grande”, das sardinhas do “Carvoeiro”, das cabeças de peixe da “Tasca da Ribeira”, das bifanas do “Escondidinho”, do SG gigante da “Inglesa” e dos livros do Eduardo Olímpio.

Enfim! Sendo o ponto de partida do lado de cá da Serra, nas bordas do “Das Sesmarias” e Abrunheira dita “Brasil” por lembrança do voo escaqueirado protagonizado pelo Coutinho que era Bernardino e pelo Sacadura que era Borrego, mais tinha era de aprender.   

Desde a “janela do terceiro andar” via, ouvia e sentia tudo. Dos amores nados e desfeitos, até às debandadas à frente da Pide/DGS e seu “exército” de “bufos”, passando pelas angústias e ansiedades com a tropa e uma ida certa e obrigada para a Guerra.

Como é que, alguns, ainda podem querer dar “colorido” aquele tempo de há meio século?

Silvestre Brandão Félix
27 julho de 2019



terça-feira, 21 de novembro de 2017

PARA CÁ DE QUELUZ E O SOSSEGO DA ABRUNHEIRA

Depois da Estação de Queluz, as janelas começavam a ser fechadas. O ar entrava fresquinho e sentia-se que, lá fora, o vento soprava. A temperatura e o cheiro de Lisboa, iam ficando para trás. O reboliço do Rossio, do Cais do Sodré, da Duque da Terceira, rua do Arsenal e do Alecrim, ficavam para o dia seguinte.

Fui-me “construindo” nesta dualidade de vivências. A ruralidade da Abrunheira e a urbanidade da grande Capital. Sempre gostei das duas.

Sabia-me bem participar nas movimentações de muitas pessoas; o comboio na hora-de-ponta, a Estação do Rossio, os passeios cheios e a necessidade de me desviar das que vinham de frente, sempre assim, subindo até ao Largo do Carmo, onde, em abril, o Capitão Salgueiro Maia pôs o antigo regime de joelhos, pela Trindade e Chiado e descendo até ao fundo da rua do Alecrim. O trabalho durante o dia, o convívio com os colegas e, ao fim da tarde, o regresso ao sossego de Sintra e da Abrunheira.
  
Das mangas-curtas pelo calor da beira Tejo, passava a manga cumprida ou mais uma peça de roupa para compensar o fresco da chegada a Sintra. Na Abrunheira, pelo Largo Chafariz e pela rua principal, ainda se pisavam muitas caganitas de ovelha e, não poucas vezes, era requerida habilidade, para ziguezaguear por entre “bostas” de vaca. Na Abrunheira, pelo Largo do Chafariz, pelo Santo António ou por outros caminhos, ainda se cheiravam “perfumes” do campo.

Nos terrenos à volta, para lá da ponte e até à colónia e aos celões, ou a seguir ao Ti Alexandre nas pateiras, ou para o caracol até à arroteia e aos quatro-donos, ou para lá do forno nas maçarocas, ainda vi ondulantes searas de cereais. Na altura do crescimento do trigo, cevada ou aveia, e com olhar abrangente, o vermelho das papoilas, o lilás dos lírios, o amarelo dos malmequeres e os azuis das alcachofras, completavam a beleza da nossa ruralidade. Eu não sabia que gostava tanto disto, mais ainda, quando as cigarras e os grilos não paravam de cantar.
 
E depois, beber a bica no Manel num copinho de vidro e, quando os mais velhos deixavam, uma partidinha de damas. Havia autênticos campeões. Lembro-me por exemplo, do Batista, do Caracinha, do Chico Chamiço ou do Durães e mais outros, que não me lembro os nomes. Da nossa classe, o campeão era o Rui.

Mais tarde, passamos a ir bebê-la ao Ramos/Cabaço e as jogatanas de matrecos e de kingue. Muitas horas de paleio. As conversas eram sérias. Até os namoricos eram sérios. Alguns vingaram, outros nem tanto. Tudo isto me confortava no regresso. Lembro-me de todos e todas, de cada um e de cada uma.

Algumas horas de cama e a Ti Augusta não me dava folga. Uma tigela de sopas de café (cevada) com leite e toca a andar, que se faz tarde.

De volta à Capital e, nas olhadelas pela “janela-do-terceiro-andar”, conseguia ver tudo. Já algumas vezes disse que, por lá, via o mundo. É uma maneira de lhe atribuir grandeza, por tantas imaginadas imagens, que me chegavam.

“Daquela-janela”, ainda vi fragatas e faluas no Tejo, provavelmente a pouco tempo de, definitivamente, desaparecerem, mas também vi muitos petroleiros ancorados no mar da palha, esperando pela vez de entrarem nas docas da “Lisnave”. Vi muitos “cacilheiros” trazendo e levando pessoas, entre as duas margens. Vi muitos “amarelos” subindo e descendo a rua do alecrim e outros “verdes” que já muito poluíam o ar, como o 8, o 44 ou o 45.

Lá, “da-janela”, via pessoas boas e más, homens e mulheres, adultos e crianças. Olhando mais para baixo, ligeiramente à direita, conseguia ver quem entrava e saía do “Bragança”, utilizando as escadinhas e a mesma porta do “Eça”, aquele, que era “Queiróz”. Ainda, mais por debaixo, via a “velha” Nova do Carvalho dos bares que, no tempo de agora, virou moderna, a abarrotar de gente bem-bebida e “cor-de-rosa”.

“Da-janela-do-terceiro-andar”, via, ao longe, muito longe, navegando pelo “Atlântico”, centenas de compatriotas a caminho da guerra. Na Rocha Conde de Óbidos, tinham-se despedido das mães, dos pais, das namoradas e, por aí fora, pelo mar, compunham expectativas bem incutidas nas cerebrais, pelos especialistas da matéria, em sessões contínuas.

No sossego da Abrunheira e do alto da nossa varanda, com o sol já atrás da Serra escondido, conseguimos um recorte único. Muitas vezes tive saudades desta visão. Este lado da Serra era e é, lindo e acolhedor.

Silvestre Brandão Félix
21 novembro de 2017
Foto: Minha-2010 Recorte da Serra de Sintra tirada da Abrunheira