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quinta-feira, 8 de março de 2018

BOA VIAGEM, SINTRA E OUTRAS PARAGENS


Naquele tempo a “Boa Viagem” levava-nos diretamente até Sintra em 10 minutos e, a “Palhinha”, demorando mais ou menos o mesmo, até à estação de Algueirão-Mem Martins.

Nem nos apercebíamos a que distância estava o comboio, mas era muito perto.

Estávamos no rescaldo da revolução, muito atrasados em relação a tudo o que, finalmente, descobríamos existir por esse mundo fora.

A muitos anos de distância dos computadores, telemóveis e outras modernices, mas, em dez minutos, várias vezes por dia, podíamos utilizar os transportes públicos para rapidamente chegarmos a Sintra ou, simplesmente, ao comboio que nos levava a outras paragens.

Silvestre Brandão Félix
8 março de 2018

terça-feira, 21 de novembro de 2017

PARA CÁ DE QUELUZ E O SOSSEGO DA ABRUNHEIRA

Depois da Estação de Queluz, as janelas começavam a ser fechadas. O ar entrava fresquinho e sentia-se que, lá fora, o vento soprava. A temperatura e o cheiro de Lisboa, iam ficando para trás. O reboliço do Rossio, do Cais do Sodré, da Duque da Terceira, rua do Arsenal e do Alecrim, ficavam para o dia seguinte.

Fui-me “construindo” nesta dualidade de vivências. A ruralidade da Abrunheira e a urbanidade da grande Capital. Sempre gostei das duas.

Sabia-me bem participar nas movimentações de muitas pessoas; o comboio na hora-de-ponta, a Estação do Rossio, os passeios cheios e a necessidade de me desviar das que vinham de frente, sempre assim, subindo até ao Largo do Carmo, onde, em abril, o Capitão Salgueiro Maia pôs o antigo regime de joelhos, pela Trindade e Chiado e descendo até ao fundo da rua do Alecrim. O trabalho durante o dia, o convívio com os colegas e, ao fim da tarde, o regresso ao sossego de Sintra e da Abrunheira.
  
Das mangas-curtas pelo calor da beira Tejo, passava a manga cumprida ou mais uma peça de roupa para compensar o fresco da chegada a Sintra. Na Abrunheira, pelo Largo Chafariz e pela rua principal, ainda se pisavam muitas caganitas de ovelha e, não poucas vezes, era requerida habilidade, para ziguezaguear por entre “bostas” de vaca. Na Abrunheira, pelo Largo do Chafariz, pelo Santo António ou por outros caminhos, ainda se cheiravam “perfumes” do campo.

Nos terrenos à volta, para lá da ponte e até à colónia e aos celões, ou a seguir ao Ti Alexandre nas pateiras, ou para o caracol até à arroteia e aos quatro-donos, ou para lá do forno nas maçarocas, ainda vi ondulantes searas de cereais. Na altura do crescimento do trigo, cevada ou aveia, e com olhar abrangente, o vermelho das papoilas, o lilás dos lírios, o amarelo dos malmequeres e os azuis das alcachofras, completavam a beleza da nossa ruralidade. Eu não sabia que gostava tanto disto, mais ainda, quando as cigarras e os grilos não paravam de cantar.
 
E depois, beber a bica no Manel num copinho de vidro e, quando os mais velhos deixavam, uma partidinha de damas. Havia autênticos campeões. Lembro-me por exemplo, do Batista, do Caracinha, do Chico Chamiço ou do Durães e mais outros, que não me lembro os nomes. Da nossa classe, o campeão era o Rui.

Mais tarde, passamos a ir bebê-la ao Ramos/Cabaço e as jogatanas de matrecos e de kingue. Muitas horas de paleio. As conversas eram sérias. Até os namoricos eram sérios. Alguns vingaram, outros nem tanto. Tudo isto me confortava no regresso. Lembro-me de todos e todas, de cada um e de cada uma.

Algumas horas de cama e a Ti Augusta não me dava folga. Uma tigela de sopas de café (cevada) com leite e toca a andar, que se faz tarde.

De volta à Capital e, nas olhadelas pela “janela-do-terceiro-andar”, conseguia ver tudo. Já algumas vezes disse que, por lá, via o mundo. É uma maneira de lhe atribuir grandeza, por tantas imaginadas imagens, que me chegavam.

“Daquela-janela”, ainda vi fragatas e faluas no Tejo, provavelmente a pouco tempo de, definitivamente, desaparecerem, mas também vi muitos petroleiros ancorados no mar da palha, esperando pela vez de entrarem nas docas da “Lisnave”. Vi muitos “cacilheiros” trazendo e levando pessoas, entre as duas margens. Vi muitos “amarelos” subindo e descendo a rua do alecrim e outros “verdes” que já muito poluíam o ar, como o 8, o 44 ou o 45.

Lá, “da-janela”, via pessoas boas e más, homens e mulheres, adultos e crianças. Olhando mais para baixo, ligeiramente à direita, conseguia ver quem entrava e saía do “Bragança”, utilizando as escadinhas e a mesma porta do “Eça”, aquele, que era “Queiróz”. Ainda, mais por debaixo, via a “velha” Nova do Carvalho dos bares que, no tempo de agora, virou moderna, a abarrotar de gente bem-bebida e “cor-de-rosa”.

“Da-janela-do-terceiro-andar”, via, ao longe, muito longe, navegando pelo “Atlântico”, centenas de compatriotas a caminho da guerra. Na Rocha Conde de Óbidos, tinham-se despedido das mães, dos pais, das namoradas e, por aí fora, pelo mar, compunham expectativas bem incutidas nas cerebrais, pelos especialistas da matéria, em sessões contínuas.

No sossego da Abrunheira e do alto da nossa varanda, com o sol já atrás da Serra escondido, conseguimos um recorte único. Muitas vezes tive saudades desta visão. Este lado da Serra era e é, lindo e acolhedor.

Silvestre Brandão Félix
21 novembro de 2017
Foto: Minha-2010 Recorte da Serra de Sintra tirada da Abrunheira