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segunda-feira, 1 de março de 2021

DE NOITE TODOS OS GATOS SÃO PARDOS

 

Quando, dando corda aos calcantes e acompanhando o canídeo pela área de abrangência de alguns candeeiros públicos das ruas ou ruelas da Abrunheira, eles, os candeeiros, como se de praga rogada se tratasse, castigo divino ou destino marcado, apagam-se!  

Sempre que me acontecem estes “apagões”, não deixo de me lembrar daquele monólogo do Vasco Santana no famoso filme, “O Pátio das Cantigas”. Será que é essa a intenção? Que eu me vergue e chegue ao ponto de pedir, por favor, aos que lá do alto do seu tamanho que se julgam tão importantes, me deem um bocadinho da sua luz?

É que, ainda por cima, como se gozassem, à medida que nos afastamos, os “caga-lume” lá do alto, voltam a botar luz!

Mas então, em que ficamos? A mesma coisa acontece com vários. Isto é coisa “armada”, será um “prémio” para os do lado de cá da Serra, ou do lado de lá, também é assim? E se for, é porquê?

Eu, que sou daqueles que sai de casa com um saco para apanhar o servicinho do cão, fico pulha quando o tipo resolve aliviar-se no exato momento em que vamos a passar por um daqueles que se apagam. Lá fico mirando, mirando, — e “de noite todos gatos são pardos” e os cagalhotos também — até acertar no objetivo.

Será que este fenómeno tem explicação ou sou eu que tenho uma energia tão, mas tão negativa, que até consigo apagar candeeiros públicos quando deles me aproximo?

Silvestre Brandão Félix

01 de março de 2021

Video: Youtube

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

PELAS ESTRADAS DE SINTRA, FUI


Pelas "Estradas" de Sintra, fui, como outras tantas vezes. "Mistérios", que procuro, nada!  

Mas, muitas evidências! 

As gruas e guindastes na paisagem de Sintra (Foto minha)
As "Escadinhas", viraram "escadonas". Muito mais me custam a subir, do que quando as subia com a minha Mãe. Pareciam muito compridas, embora de subida fácil, mas agora… mesmo assim, já voltei a conseguir subi-las, ultrapassada que está, aquela longa travessia do… dilatado perímetro abdominal.   

Nas “Escadinhas”, descendo, não muito longe do princípio, à direita, nunca se esquecia de me dizer; “foi ali, naquela casa, que a Mãe nasceu”. Agora… olho, olho e não sei qual delas, é!

Elas, as “Escadinhas”, eram do hospital, mas agora… porque virou “monstro sagrado” (a capela) ao abandono ou, pelo menos, vazio de tudo o que foi e deu… sim, deu vidas pela cura e pelo nascimento, porque muitos também viram a primeira luz deste mundo, dentro daquelas paredes.

A descê-las e quando se chega cá abaixo, se virarmos à esquerda e continuarmos a subir a ladeira, temos logo ali “à mão de semear”, o que foi mercado de muitas vendas. Com a minha Mãe, lá fui duas ou três vezes. Uma ou outra vendedeira, das mais velhas, ainda conheciam a Augusta dos “Ferras”. Fechando os olhos e com a mão em concha por detrás da orelha, ainda se podiam imaginar os pregões. E a minha Mãe sabia o das Camélias e das Hortênsias.

Agora, o mercado, em boa hora aproveitado porque de abandono sofreu, passou a ser, “Museu de História Natural” com o decisivo contributo do escritor Miguel Barbosa que, valorizando a sua tendência paleontológica, lá colocou a sua valiosa coleção. Soube ontem que faleceu nestes dias. Que descanse em paz. Do Miguel Barbosa conheço bem a “vagabundagem” do “Palheiro”, escrito por ele. No GITU-Grupo de Intervenção Teatral da URCA (Abrunheira), pelos idos de 1979/80, dei voz ao descrente e revolucionário, “Segundo Vagabundo”. O “Grande” Gil Matias nos ensinou e encenou para estrearmos no, ainda novíssimo, pavilhão da URCA, e, depois do sucesso, por aí andamos Concelho de Sintra afora.   

Nesses anos, a Abrunheira e os abrunhenses ou abrunheirenses, tinham sede de cultura, e agora têm sede de quê?

Voltando aos “mistérios”, aliás, evidências de Sintra e indo pela direita, no “Rio”, que também já era “do-Porto”, na ponta de água que a minha Mãe também usou, cruza-se a entrada para o “paradeiro-caça-níqueis” dos motorizados que, muito pertinho ficam do nosso “Palácio”.    

Começando a subir à direita em direção à Câmara, está um pequeno edifício de arquitetura atraente, mas muito mal-amado; era o “Dispensário”. Agora, porque os “tempos” estão “avariados”, o “Dispensário” da assistência aos tuberculosos, foi dispensado das tarefas que lhe estavam destinadas e permanece de janelas e portas entijoladas.

A meio da rampa, também do lado direito, se calçavam as “parelhas”. Era o ferreiro que ainda “bem-me-lembro”, de, por lá, o ver e ouvir aquele timmm! timmm! do martelo dando na bigorna moldando a ferradura que, em brasa ficava, depois de acamada na forja bem quente pelo “ventoso” fole. Por lá, sempre estavam parelhas aguardando “sapatolas” novas.

Os Toc! Toc! dos mesmos cavalos “ferrados” no “Rio-do-Porto”, puxando as charretes que pelo tempo do Eça andavam e passavam, viraram Tuck! Tuck’s! de barulheira infernal e cheirete a petróleo.

Os passeantes, bem vestidinhos e cheirosos a perfumes carotes, viraram turistas dos quatro, cinco ou seis cantos do mundo, de pouca vestimenta e simples, despejados aos milhares dos comboios da CP, ou dos autocarros que enchem todas as ruas e passeios do lado de cá da Serra, ou seja, do lado contrário de onde foram promovidos e feitos, grandes parques de estacionamento.   

Muitas vezes entrei, com a minha Mãe, na mercearia que havia na Alfredo da Costa, a chegar à Câmara, praticamente em frente à escola Conde Ferreira, agora Espaço do Cidadão que, salvo erro e eventual esquecimento, se chamava “Barata”. Na ida para a Serra, a minha Mãe comprava lá, para levar, um cartucho de café. Não sei a quantidade, mas era um cartucho, daqueles cinzentos às riscas encarnadas e que se fechavam em cima fazendo uma ou duas dobras e, depois, puxando e dobrando dos dois lados para o meio as duas pontas, como se fossem duas orelhas. Agora, são esplanadas até quase aos frangos.

Na mesma rua, no sentido da Estefânia, a sapataria Teixeira, mais ou menos a meio. Eram caros os sapatos. Para nós, quando os houve, só na Bramonte de São Pedro apontado no livrinho das cobranças a prestações. Veio-me à lembrança, por causa da Bramonte, o falecido Zé Carvalho com quem convivi bastante, com gosto, na Junta de Freguesia de São Pedro de Penaferrim que, também já era, e que muito pouca vontade política existe, para que volte a ser. Foi nos mandatos do Conde de Saborosa e do João Alberto Peniche.

Lá mais para a frente, na Alameda dos Heróis da Grande Guerra que para os sintrenses sempre será “a correnteza”, conseguimos vislumbrar dos mais bonitos panoramas da “Vila de Sintra”. Como em outras circunstâncias, também aqui borraram o bonito “quadro” com salpicos de grandes gruas e guindastes que desfeiam, e de que maneira, toda a paisagem.

A bica, há mais de 50 anos (do Google)
Guardando para outras caçadas aos “mistérios” das estradas de Sintra, resta-me lembrar que a ida a Sintra não fica completa sem a indispensável passagem pelo Cyntia. Já não está lá o Ti Rodolfo que, por uma bica, muitos serões, me aturou, até que a “Boa Viagem” da “Meia-Noite” viesse, para me levar e a outros de volta à Abrunheira, depois das lições na Escola do Cacém. O Ti João, que com um sócio lhe sucedeu, manteve a bondade e a paciência a que estávamos habituados. Hoje, está lá o filho Ricardo que herdou do pai tudo de bom, acompanhado pelo Artur mais conhecido de Sintra e arredores. Agora, quando lá entro, até parece que estou num qualquer outro sítio, no estrangeiro. Raramente se fala a língua de Camões como, aliás, acontece em todos os lugares de Sintra.

Silvestre Brandão Félix
11 outubro de 2019



terça-feira, 21 de novembro de 2017

PARA CÁ DE QUELUZ E O SOSSEGO DA ABRUNHEIRA

Depois da Estação de Queluz, as janelas começavam a ser fechadas. O ar entrava fresquinho e sentia-se que, lá fora, o vento soprava. A temperatura e o cheiro de Lisboa, iam ficando para trás. O reboliço do Rossio, do Cais do Sodré, da Duque da Terceira, rua do Arsenal e do Alecrim, ficavam para o dia seguinte.

Fui-me “construindo” nesta dualidade de vivências. A ruralidade da Abrunheira e a urbanidade da grande Capital. Sempre gostei das duas.

Sabia-me bem participar nas movimentações de muitas pessoas; o comboio na hora-de-ponta, a Estação do Rossio, os passeios cheios e a necessidade de me desviar das que vinham de frente, sempre assim, subindo até ao Largo do Carmo, onde, em abril, o Capitão Salgueiro Maia pôs o antigo regime de joelhos, pela Trindade e Chiado e descendo até ao fundo da rua do Alecrim. O trabalho durante o dia, o convívio com os colegas e, ao fim da tarde, o regresso ao sossego de Sintra e da Abrunheira.
  
Das mangas-curtas pelo calor da beira Tejo, passava a manga cumprida ou mais uma peça de roupa para compensar o fresco da chegada a Sintra. Na Abrunheira, pelo Largo Chafariz e pela rua principal, ainda se pisavam muitas caganitas de ovelha e, não poucas vezes, era requerida habilidade, para ziguezaguear por entre “bostas” de vaca. Na Abrunheira, pelo Largo do Chafariz, pelo Santo António ou por outros caminhos, ainda se cheiravam “perfumes” do campo.

Nos terrenos à volta, para lá da ponte e até à colónia e aos celões, ou a seguir ao Ti Alexandre nas pateiras, ou para o caracol até à arroteia e aos quatro-donos, ou para lá do forno nas maçarocas, ainda vi ondulantes searas de cereais. Na altura do crescimento do trigo, cevada ou aveia, e com olhar abrangente, o vermelho das papoilas, o lilás dos lírios, o amarelo dos malmequeres e os azuis das alcachofras, completavam a beleza da nossa ruralidade. Eu não sabia que gostava tanto disto, mais ainda, quando as cigarras e os grilos não paravam de cantar.
 
E depois, beber a bica no Manel num copinho de vidro e, quando os mais velhos deixavam, uma partidinha de damas. Havia autênticos campeões. Lembro-me por exemplo, do Batista, do Caracinha, do Chico Chamiço ou do Durães e mais outros, que não me lembro os nomes. Da nossa classe, o campeão era o Rui.

Mais tarde, passamos a ir bebê-la ao Ramos/Cabaço e as jogatanas de matrecos e de kingue. Muitas horas de paleio. As conversas eram sérias. Até os namoricos eram sérios. Alguns vingaram, outros nem tanto. Tudo isto me confortava no regresso. Lembro-me de todos e todas, de cada um e de cada uma.

Algumas horas de cama e a Ti Augusta não me dava folga. Uma tigela de sopas de café (cevada) com leite e toca a andar, que se faz tarde.

De volta à Capital e, nas olhadelas pela “janela-do-terceiro-andar”, conseguia ver tudo. Já algumas vezes disse que, por lá, via o mundo. É uma maneira de lhe atribuir grandeza, por tantas imaginadas imagens, que me chegavam.

“Daquela-janela”, ainda vi fragatas e faluas no Tejo, provavelmente a pouco tempo de, definitivamente, desaparecerem, mas também vi muitos petroleiros ancorados no mar da palha, esperando pela vez de entrarem nas docas da “Lisnave”. Vi muitos “cacilheiros” trazendo e levando pessoas, entre as duas margens. Vi muitos “amarelos” subindo e descendo a rua do alecrim e outros “verdes” que já muito poluíam o ar, como o 8, o 44 ou o 45.

Lá, “da-janela”, via pessoas boas e más, homens e mulheres, adultos e crianças. Olhando mais para baixo, ligeiramente à direita, conseguia ver quem entrava e saía do “Bragança”, utilizando as escadinhas e a mesma porta do “Eça”, aquele, que era “Queiróz”. Ainda, mais por debaixo, via a “velha” Nova do Carvalho dos bares que, no tempo de agora, virou moderna, a abarrotar de gente bem-bebida e “cor-de-rosa”.

“Da-janela-do-terceiro-andar”, via, ao longe, muito longe, navegando pelo “Atlântico”, centenas de compatriotas a caminho da guerra. Na Rocha Conde de Óbidos, tinham-se despedido das mães, dos pais, das namoradas e, por aí fora, pelo mar, compunham expectativas bem incutidas nas cerebrais, pelos especialistas da matéria, em sessões contínuas.

No sossego da Abrunheira e do alto da nossa varanda, com o sol já atrás da Serra escondido, conseguimos um recorte único. Muitas vezes tive saudades desta visão. Este lado da Serra era e é, lindo e acolhedor.

Silvestre Brandão Félix
21 novembro de 2017
Foto: Minha-2010 Recorte da Serra de Sintra tirada da Abrunheira