Pelas "Estradas" de Sintra, fui,
como outras tantas vezes. "Mistérios", que procuro, nada!
Mas, muitas evidências!
As gruas e guindastes na paisagem de Sintra (Foto minha) |
Nas “Escadinhas”, descendo, não muito longe
do princípio, à direita, nunca se esquecia de me dizer; “foi ali, naquela
casa, que a Mãe nasceu”. Agora… olho, olho e não sei qual delas, é!
Elas, as “Escadinhas”, eram do hospital, mas
agora… porque virou “monstro sagrado” (a capela) ao abandono ou, pelo menos,
vazio de tudo o que foi e deu… sim, deu vidas pela cura e pelo nascimento, porque
muitos também viram a primeira luz deste mundo, dentro daquelas paredes.
A descê-las e quando se chega cá abaixo, se
virarmos à esquerda e continuarmos a subir a ladeira, temos logo ali “à mão de
semear”, o que foi mercado de muitas vendas. Com a minha Mãe, lá fui duas ou
três vezes. Uma ou outra vendedeira, das mais velhas, ainda conheciam a Augusta
dos “Ferras”. Fechando os olhos e com a mão em concha por detrás da orelha, ainda
se podiam imaginar os pregões. E a minha Mãe sabia o das Camélias e das Hortênsias.
Agora, o mercado, em boa hora aproveitado
porque de abandono sofreu, passou a ser, “Museu de História Natural” com o decisivo
contributo do escritor Miguel Barbosa que, valorizando a sua tendência paleontológica,
lá colocou a sua valiosa coleção. Soube ontem que faleceu nestes dias. Que descanse
em paz. Do Miguel Barbosa conheço bem a “vagabundagem” do “Palheiro”, escrito por
ele. No GITU-Grupo de Intervenção Teatral da URCA (Abrunheira), pelos
idos de 1979/80, dei voz ao descrente e revolucionário, “Segundo Vagabundo”. O “Grande”
Gil Matias nos ensinou e encenou para estrearmos no, ainda novíssimo, pavilhão
da URCA, e, depois do sucesso, por aí andamos Concelho de Sintra afora.
Nesses anos, a Abrunheira e os abrunhenses ou
abrunheirenses, tinham sede de cultura, e agora têm sede de quê?
Voltando aos “mistérios”, aliás, evidências
de Sintra e indo pela direita, no “Rio”, que também já era “do-Porto”, na ponta
de água que a minha Mãe também usou, cruza-se a entrada para o “paradeiro-caça-níqueis”
dos motorizados que, muito pertinho ficam do nosso “Palácio”.
Começando a subir à direita em direção à
Câmara, está um pequeno edifício de arquitetura atraente, mas muito mal-amado;
era o “Dispensário”. Agora, porque os “tempos” estão “avariados”, o “Dispensário”
da assistência aos tuberculosos, foi dispensado das tarefas que lhe
estavam destinadas e permanece de janelas e portas entijoladas.
A meio da rampa, também do lado direito, se
calçavam as “parelhas”. Era o ferreiro que ainda “bem-me-lembro”, de, por lá, o
ver e ouvir aquele timmm! timmm! do martelo dando na bigorna moldando a
ferradura que, em brasa ficava, depois de acamada na forja bem quente pelo “ventoso”
fole. Por lá, sempre estavam parelhas aguardando “sapatolas” novas.
Os Toc! Toc! dos mesmos cavalos “ferrados” no
“Rio-do-Porto”, puxando as charretes que pelo tempo do Eça andavam e passavam,
viraram Tuck! Tuck’s! de barulheira infernal e cheirete a petróleo.
Os passeantes, bem vestidinhos e cheirosos a
perfumes carotes, viraram turistas dos quatro, cinco ou seis cantos do mundo, de
pouca vestimenta e simples, despejados aos milhares dos comboios da CP, ou dos
autocarros que enchem todas as ruas e passeios do lado de cá da Serra, ou seja,
do lado contrário de onde foram promovidos e feitos, grandes parques de estacionamento.
Muitas vezes entrei, com a minha Mãe, na
mercearia que havia na Alfredo da Costa, a chegar à Câmara, praticamente em frente
à escola Conde Ferreira, agora Espaço do Cidadão que, salvo erro e eventual esquecimento,
se chamava “Barata”. Na ida para a Serra, a minha Mãe comprava lá, para levar,
um cartucho de café. Não sei a quantidade, mas era um cartucho, daqueles
cinzentos às riscas encarnadas e que se fechavam em cima fazendo uma ou duas dobras
e, depois, puxando e dobrando dos dois lados para o meio as duas pontas, como
se fossem duas orelhas. Agora, são esplanadas até quase aos frangos.
Na mesma rua, no sentido da Estefânia, a
sapataria Teixeira, mais ou menos a meio. Eram caros os sapatos. Para nós,
quando os houve, só na Bramonte de São Pedro apontado no livrinho das cobranças
a prestações. Veio-me à lembrança, por causa da Bramonte, o falecido Zé
Carvalho com quem convivi bastante, com gosto, na Junta de Freguesia de São
Pedro de Penaferrim que, também já era, e que muito pouca vontade política existe,
para que volte a ser. Foi nos mandatos do Conde de Saborosa e do João Alberto
Peniche.
Lá mais para a frente, na Alameda dos Heróis
da Grande Guerra que para os sintrenses sempre será “a correnteza”, conseguimos
vislumbrar dos mais bonitos panoramas da “Vila de Sintra”. Como em outras circunstâncias,
também aqui borraram o bonito “quadro” com salpicos de grandes gruas e
guindastes que desfeiam, e de que maneira, toda a paisagem.
A bica, há mais de 50 anos (do Google) |
Guardando para outras caçadas aos “mistérios”
das estradas de Sintra, resta-me lembrar que a ida a Sintra não fica completa
sem a indispensável passagem pelo Cyntia. Já não está lá o Ti Rodolfo que, por
uma bica, muitos serões, me aturou, até que a “Boa Viagem” da “Meia-Noite”
viesse, para me levar e a outros de volta à Abrunheira, depois das lições na
Escola do Cacém. O Ti João, que com um sócio lhe sucedeu, manteve a bondade e a
paciência a que estávamos habituados. Hoje, está lá o filho Ricardo que herdou
do pai tudo de bom, acompanhado pelo Artur mais conhecido de Sintra e arredores.
Agora, quando lá entro, até parece que estou num qualquer outro sítio, no
estrangeiro. Raramente se fala a língua de Camões como, aliás, acontece em
todos os lugares de Sintra.
Silvestre Brandão Félix
11 outubro de 2019