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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

FUNDAÇÃO DA URCA - CAPÍTULO I - 2ª PARTE - ANTES DE 3 DE JANEIRO DE 1975

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Não estávamos a inventar a “pólvora” e o facto de na Abrunheira não haver nenhuma forma de coletividade ativa, levou alguns de nós a participar em iniciativas culturais ligadas à Igreja Católica na paróquia do Algueirão. Nesta fase da vida do nosso País, as organizações juvenis católicas, eram muito dinâmicas e, duma forma geral, com uma prática anti-ditadura e progressista.
Durante dois ou três anos, seis, sete ou oito, rapazes e raparigas da Abrunheira, integraram esse grupo de Algueirão que promovia uma grande festa anual de homenagem aos Avós, com mobilização, acima de tudo ao fim de semana, de pelo menos uns seis meses. Para a época era uma coisa com peso a nível de Concelho.
A participação neste grupo deu-nos experiência de organização, de contornar a censura, iludir a pide e os seus informadores e muita vontade de fazermos coisas na Abrunheira.

Entretanto o primeiro trimestre de 1974 corria turbulento e, depois do 16 de Março, pairava a sensação que alguma coisa ia mudar. Chegamos ao glorioso dia 25 de Abril. Pelas sete da manhã, a minha Mãe chamou-me como de costume e diz-me: “que….enfim, era melhor não ir para Lisboa, porque estavam a dizer no rádio que havia por lá uma revolução.” Tal como se desprende uma mola, sentei-me na cama, liguei o rádio que tinha à cabeceira sintonizado no Rádio Clube Português (o antigo. Não tem nada a ver com o atual), mas só ouvia marchas militares. Perguntei à minha Mãe o que tinha ouvido, mas ela coitada estava mais baralhada que eu. A minha grande dúvida naqueles minutos, era se se tratava de um golpe de esquerda ou de direita, ou melhor, se contra ou a favor da guerra. As marchas militares não me agradavam, passavam-me uma ideia muito militarista, contrária, como se sabe, à minha filosofia de vida já naquela altura.
De repente, pararam as marchas e ouvi a voz inconfundível de Luís Filipe Costa lendo o célebre comunicado do MFA: "Aqui, posto de comando do Movimento das Forças Armadas…..etc, etc", que, dizia o que eu queria ouvir, os principais objectivos do movimento eram: Derrubar a ditadura, instaurar a democracia e acabar com a guerra colonial (na altura, habitualmente designada guerra do ultramar).


Levantei-me muito mais depressa que o costume, e, passando pela preocupação da minha Mãe a que se juntava também o meu Pai, lá fui apanhar a camioneta para Sintra. Bebi a bica no Cintya como o fazia diariamente e, antes de entrar no comboio que acabava de chegar à estação de Sintra, reparei que desembarcavam muitas pessoas que vinham com certeza de Lisboa como se fossem 7 horas da tarde. Então, fui atrás dum funcionário da CP, perguntei-lhe se ia haver comboios para o Rossio e ele disse-me que sim, só não sabia se depois havia de Lisboa para Sintra.
A curiosidade era muita e, além do mais, tinha o trabalho à minha espera pelo que, só tinha razões para fazer o mesmo dos outros dias e ir até à Capital.

Como todos sabemos, de normal o dia não teve nada, mas isso é outra história. Lá pelas sete da tarde de 25 de Abril de 1974 já estava na Abrunheira com os meus companheiros a trocarmos as histórias do Dia, e eu, com a edição actualizada do jornal "República" (Que guardo comigo até hoje), e a delinearmos a estratégia para o nosso grupo, agora em total e completa liberdade.
Passamos a noite de 25 para 26 a conversar, jogar king e a ouvir as notícias pela rádio na adega do Pai do Zé Carmo Silva. Tenho receio de ser injusto e não referir alguém, mas não errarei muito se disser que nessa noite, estivemos juntos, pelo menos, eu, o Zé Carmo Silva, Zé Marques, Fernando Marques, Mário Martinho e Rui Simplício. Tenho quase a certeza que havia mais gente mas, sinceramente, não consigo lembrar-me quem.

O ano de 1974 foi correndo com todos os acontecimentos que nós conhecemos, e, as nossas actividades foram evoluindo, agora, em democracia e com horizontes mais largos. O conceito de Associação foi crescendo, até que, depois do Verão de 1974, o que viria a ser a URCA estava feito. Fomos falando com o pessoal do futebol e, antes do Natal, estava tudo acordado. Faríamos a união do grupo de futebol existente com a componente cultural e o nome ficou logo acordado.

Fomos fazendo o trabalho de casa, passou o Natal, o Ano Novo e, no dia 2 de Janeiro de 1975, reunimos na casa dos Pais da Odete Santos. Estiveram presentes, creio, Silvestre Félix, Carmo Silva, Zé Marques, Fernando Marques, Mário Martinho, Zé Barros, Cristina Peniche, Fernanda Barros, Joaquim António (Quitó) e Odete Santos. É provável que estivesse mais alguém. Peço desculpa por qualquer omissão mas já passou muito tempo. Assistiram, porque estavam em sua casa, o Joaquim e a Julieta Santos. Nessa reunião combinamos todos os pormenores e ficamos prontos para o grande momento.

No dia 3 de Janeiro de 1975, reunimos uma grande Assembleia no local onde funcionava a sede do Grupo Desportivo e que se chamava "A Sociedade".

Foi declarada a criação da URCA-UNIÃO RECREATIVA E CULTURAL DA ABRUNHEIRA, e foram logo eleitos os Órgãos Dirigentes da nova Associação. Direção, Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal. Assinaram o livro de presenças, e, por consequência, passaram a ser Sócios fundadores, mais de 30 pessoas.

(Continua)
(Extraído dos textos “Abrunheira, Terra com História” de Silvestre Brandão Félix, publicados no extinto blogue “Aldeia Viva” durante 2007 e 2008.)
(Correção e atualização do autor em 2011)

Silvestre Félix
11.01.2011

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

FUNDAÇÃO DA URCA - CAPÍTULO I - 1º PARTE - ANTES DE 3 DE JANEIRO DE 1975

A propósito do 36º aniversário da fundação da URCA, inicio hoje a publicação de um texto, em dois capítulos (antes e depois de 3 de Janeiro de 1975) e, por sua vez, dividido em duas ou três partes cada.
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O café do Cabaço, hoje fechado e com uma placa com o nome de “Almada”, era o nosso ponto de encontro. Era lá que se conversava, via televisão, lia as notícias, conspirava, namorava e também se comia, bebia, jogava matraquilhos e king, enfim, era a nossa segunda casa e, para alguns, quase a primeira.

Quando o Cabaço fechava, ainda subíamos o "curronquinho" (não sei a origem do nome nem se a palavra está bem escrita, mas era assim que chamávamos à rua que, mais tarde, seria batizada de “Ferreira de Castro”) e ficávamos à conversa, muitas vezes “subversiva”, na esquina da Ferreira de Castro com a MFA madrugada dentro, e sempre atentos a qualquer movimentação suspeita, a PIDE andava aí e não brincava em serviço.

O emprego frequente do pronome na primeira pessoa do plural (nós) é consciente. A intenção é passar uma ideia verdadeira de grupo que, de fato, existia. Éramos todos muito novos mas bastante responsáveis. Eu, era dos mais velhos e em 1974 tinha 20 anos. Não vou referir uma lista de nomes, porque posso ser injusto com alguém mas, não fugirei à verdade, se disser que os participantes nestas tertúlias, com mais ou menos assiduidade, constam nos fundadores da URCA.

No entanto, não posso deixar de destacar algumas pessoas da geração dos nossos pais que nos ajudavam a concretizar as nossas festas e realizações recreativas e culturais. O Saraiva da serração, que várias vezes nos emprestou as suas instalações para aí fazermos bailes ou programas de "variedades". O Cabaço e a sua esposa Silvina, que nos aturavam todos os dias, e, visto à distância, tinham muita paciência, o Joaquim Santos e a esposa Julieta que acompanhavam a filha Odete em reuniões do núcleo duro que, algumas vezes, foram feitas em casa deles.

O final de 1973 e o início do ano de 1974, já muito perto do 25 de Abril, foi um período bastante turbulento. Ainda em 1973 tiveram lugar as últimas pseudo-eleições promovidas pelo regime da ditadura, em que, muito embora tenham sido apresentadas listas de oposição, acabaram por desistir porque não conseguiam fazer campanha. Qualquer comício ou simples reunião promovida pela oposição, era invadida pela polícia com orientação da PIDE (nessa altura DGS). Um desses acontecimentos que conseguiu chegar ao conhecimento da generalidade dos Portugueses, foi a Convenção Democrática em Aveiro, em que os participantes eram em tal número, que a polícia+pide não conseguiu esconder, como sempre fazia.

O regresso de Spínola da Guiné e a publicação do seu livro “Portugal e o Futuro” em Fevereiro de 1974, o 16 de Março (levantamento militar do quartel das Caldas da Rainha) a ida da "Brigada do reumático" a S. Bento, discursos e contra-discursos, fazia com que andássemos um bocado agitados. Para temperar ainda mais o ambiente, chegava-nos todos os dias às mãos, propaganda contra a guerra colonial, contra o regime e a Pide, enfim, tudo o que o Governo da ditadura proibia e considerava propaganda comunista, anti-patriótica e subversiva.

Naquele final de 73 e princípio de 74, assisti várias vezes em Lisboa a investidas da polícia de choque. Ninguém queria ir para uma guerra, ainda por cima, para a Guerra Colonial que considerávamos injusta, não só para nós, como para os povos das antigas colónias. A Guerra Colonial era o motor mais visível da contestação ao regime, na população duma forma geral e dentro do regime, mas era uma realidade e eu, “assentaria praça” a partir de Janeiro de 1975, pelo que, não havia um dia, uma hora, que não me lembrasse disso.

No entanto, no meio de todas estas preocupações, a ideia de criarmos uma Associação de cariz cultural e recreativo na nossa Terra não esmorecia, pelo contrário, à medida que o tempo passava, mais se cimentava essa certeza.

(Continua)
(Texto corrigido e atualizado. Extraído da postagem de Silvestre Félix publicada no extinto blogue “Aldeia Viva” em 11 de Novembro de 2007)

Silvestre Félix
3 de Janeiro de 2011
Tags: URCA