terça-feira, 28 de dezembro de 2010

TI MENDES-DO-CACHIMBO

O cachimbo do Ti Mendes-do-Cachimbo, era tão comprido como a sua barba branca a atirar para o amarelo, tal era a quantidade de fumo que pelos seus pêlos passava.

A cana tinha de ser especial. Só aquelas duas, lá no cantinho da horta, davam para fazer, de quando em vez, mais um cachimbo.

O Ti Mendes-do-Cachimbo gostava com aquele diâmetro que na pouca conversa oferecida lhe chamava largura. Aquele fogareiro beiçudo, como ele dizia, era sempre uma obra de arte como nunca se viu na Abrunheira e, como a perfeição muito lhe exigia de perícia, demorava, pelo menos um dia de Verão, a dar por finda mais uma tarefa serviçal da nicotina, em tempo de fartura, e de queimadura saudável, biologicamente falando, porque também o fogareiro beiçudo se ocupava, em época de contenção, de, em cinzas transformar as bigodaças do milho semeado, que ao galo galaréu se destinava.

Metida a mão por dentro do casacão, nunca se sabia a qual dos fogareiros o Ti Mendes-do-Cachimbo ia dar uso. Sempre dois ou três estavam operacionais e era preciso. Tinha a ver com a resistência do material ao calor do lar. De força pulmonar bem servido, o hortelão do Pexincha, sempre sabia quando devia apagar a brasa fumegante e trocar de ferramenta.

O casacão, meio casa andante, com bolsaria bem distribuída, municiava qualquer necessidade do Ti Mendes-do-Cachimbo. Com aquela ausência incompreendida de palavra, do nada, o Ti Mendes-do-cachimbo sacava dum bolso a navalha, do outro um garfo, e de outro ainda, o cachimbo, que a seguir atascava de material tabacoide que – depois de executado aquele gesto dedal cheio de floriados, com o raspanço do fósforo na lixa da caixinha – recebida a ardente chama, se incendiava entranhas adentro.

Com a sincronização das chupadelas no fogareiro beiçudo, a estabilização fumegante não tardava. Mais tosse, menos cuspidela, e a função estava no ponto.

Em tempo contado em anos, andará, mais ou menos a meio dos quarenta e dos cinquenta, que pararam as muitas passadas nas solas das botas cardadas e plainadas do Ti Mendes-do-Cachimbo, entre a horta do Santo António e a Menina Emília ou a sopa da Mariazinha, passando pela garagem do portão azul.

SBF

(Escrito de Silvestre Félix)
(Baseado na realidade mas com alguns nomes e situações ficcionadas)

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