segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

OS CAMINHOS

Vai um cigarrito Ti “Joquim” ?
Vai vai, e já agora, dá lá um bocadinho do teu lume.
Diz-me cá, será que ele caiu da cadeira sozinho, ou alguém deu uma ajudinha? É que “um’ocasião” ….
Oh “Ti Joquim”, eu não sei, mas duma maneira ou doutra, o certo é que caiu, já passou um mês e o homem não voltou à outra cadeira de S. Bento e, pelo que parece, nunca mais lá vai voltar. No próximo dia 27 deste mês de Setembro de1968, três meses de tempo depois do Maio de 68 de França, e seis anos e quatro meses antes da revolução dos cravos, o Salazar vai ser substituído pelo Professor Marcelo Caetano, e começará aquilo que se vai chamar “a primavera marcelista”.

“Om’essa”?! Bem sei que estamos a falar do que vai acontecer no futuro, mas como é que tu sabes desses pormenores todos?
Se é o “botas” que manda, como é que vai substituir-se a ele próprio?
Vai daí, ainda me vais dizer que a Abrunheira vai ficar cercada de estradas novas, grandes prédios com lojas lá dentro, automóveis por tudo quanto é sítio e que têm que dar a volta aqueles jardins redondos que vão plantar por todo o lado, que o João de Leião vai casar outra vez, que o rio das sesmarias vai deixar de ser limpo, que as enguias vão desaparecer, que o pomar que o teu Pai leva, vai ser arrancado pela raiz e “era uma vez” aqueles saborosos pêssegos-rosa, que os fornos de cal vão ser deitados abaixo, que o carrascal vai ficar cheio de casas, que as pedreiras do Ti Miguel vão ser tapadas, que o Chico da Beloura vai ter que ir à vida com o rebanho, que da Beloura só irão falar os mânfios da “massa”, que na Lavi, nos eucaliptos e na Charneca vão ficar grandes lojas e armazéns para toda a gente comprar tudo e mais alguma coisa, que nunca mais vai vir a debulhadora à Abrunheira, que vai deixar de se ouvir os grilos e as cigarras a cantar… e por aí fora!

Oh Ti “Joquim”, é isso mesmo, tudo o que está a dizer vai acontecer e muito mais coisas, e os pormenores sei-os todos.

É verdade Ti “Joquim”, o tempo vai correr muito depressa e, falando em estradas, a preta para Lisboa vai passar a chamar-se IC 19 e vai afunilar-se de carros todos os dias, da frente da Adreta dos Plásticos, vai sair outra que lhe vão chamar variante a passar por cima do campo da bola de Albarraque, rasgando a quinta da Boa Esperança e por cima do chafariz e das hortas, sempre a correr, a correr até à entrada da Tabaqueira na esguelha do Casal de Varge Mondar que depois já não é Casal porque no sentido das costas de Albarraque vão aparecer muitas moradias e muitos prédios altos. Ao cimo da “Charneca” e do chafariz da D. Maria II e antes de Ranholas do Pocinhas, para o lado de Mafra por Pero Pinheiro, seguirá o IC 30 e, virando á direita, ao lado da reta da Granja do Marquês em direção a Belas o A16, e para o outro lado em direção a Alcabideche, será também o A16 com casinhas para cobrar bilhetes e, sempre a direito sem cruzamentos, abaixo da Quinta do “Anjinho”, da Colónia, pelos “Celões”, que nessa altura será a Beloura, e até ao pé do Quartel de Alcabideche que já era e que depois é o Hospital de Cascais.

Eu sei que aquele tempo que tu contas em anos, vai correr depressa e muito mais que eu com esta perna mais curta, mas diz-me lá outra coisa;
Com essas “pretas” todas, como é que se vai andar por esses caminhos acima?
Como é que eu vou até ao Linhó?
Como vou por Ranholas para seguir a Sintra à “ajuntadeira”?
Vão cortar os caminhos ou vão passar por cima?

Pois é Ti “Joquim”, por essa altura, os “passarões” que estão no poder, vão ligar muito pouco ou nada a esses caminhos por aí acima, e pelo que já descobri, o caminho de Ranholas, que se vai chamar rua da Abrunheira por aí acima, vai ficar cortado pelo tal A16.

O quê? Não pode ser! Então como é os Abrunhenses vão para Ranholas e para o mercado? “um’ocasião”…

Ti “Joquim”, não há dúvida, que mesmo daqui a quarenta e tal anos contados em tempo duro de roer, os caminhos públicos por aí acima utilizados pelas populações, devem ser mantidos ou, se em consequência de novas urbanizações for necessário alguma mudança, os acessos e serventias devem ser garantidos, por isso, os do poder, devem preocupar-se em salvaguardar os interesses de quem os elege.

Quarenta e tal anos depois, no final deste 2010, se por maldade, o Ti Joaquim (Cagachuva), viesse cá, decerto ficaria indignado com muita coisa. O Ti Joaquim era um dos sapateiros da Abrunheira e um contador de histórias dos melhores. Passava muitas horas a ouvi-lo!

Silvestre Félix

(Texto corrigido do inicial publicado no desaparecido Blogue “Aldeia Viva” em 8 de Setembro de 2008)

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