Nesta fase, com a questão das instalações no bom caminho e com muito trabalho pela frente, era importante definirmos as prioridades e manter a unidade na ação.
Eu, lá continuava a aprender a ser “tropa” na Figueira da Foz. Detestava aquilo, mas gostei de estar na cidade da foz do Mondego. Depois das primeiras sete ou oito semanas de “cativeiro”, todos os fins-de-semana vinha à Abrunheira e participava com gosto nos trabalhos da URCA. A comida no quartel era boa e o ambiente também. Em Maio fui para o RIP no Porto, onde me mantive até pouco antes do final de Junho. Depois, entre uma mobilização para Angola e uma reorganização do Exército, um bocado a reboque das “negas” em embarcar para a Guerra a preceito do PREC, fui, com outros, desmobilizado e mandado para casa até meados de Agosto. Os últimos dias de Junho, o mês de Julho e o meio de Agosto, foram um regresso à minha vida normal. Na terceira semana de Agosto, regressei à tropa e consegui vir para Oeiras onde fiquei até 27 de Novembro do mesmo ano de 1975. Era como se estivesse em casa. Retomei o meu trabalho da URCA, agora, sem interrupções, independentemente das obrigações militares.
As instalações existentes na quinta resumiam-se: À casa de habitação que corresponde hoje ao edifício que dá para a rua Humberto Delgado, excluindo o bar que foi construído à posteriori, e um telheiro de capoeiras e coelheiras ao longo do muro que dá para a rua da Liberdade onde, depois de algumas obras, viriam a instalar-se a Associação de Reformados e o Grupo Coral Alentejano da URCA. A quinta prolongava-se muito para baixo (sentido sul) ocupando toda ou parte do terreno onde estão hoje moradias com as traseiras para a rua do Centro Social e frentes para a rua Natália Correia. Algures no meio, havia um poço com um grande moinho de vento e um tanque de rega.
À perpendicular do edifício principal, do lado direito quando estamos virados para o alpendre, já existia aquela espécie de arco?? (em linha reta) que ligava a uma parede de tijolo a direito que é, nem mais nem menos, a parede norte do pavilhão. Bom, o fato de haver esta parede feita e em bom estado entusiasmou-nos a aproveitar a dita e, a partir dali, construirmos o pavilhão tal e qual é hoje. Naturalmente que ao longo do tempo beneficiou de muitos melhoramentos mas, no essencial, é o que lá está, 35 anos depois. Antes do início das obras do pavilhão, os serralheiros e pedreiros e toda a gente da Abrunheira, meteram mãos à obra e, em menos de nada, nasceu o primeiro parque infantil no mesmo local onde ainda está. Aquela parede que atrás mencionei, e que seria uma das alas do pavilhão, do lado virado para o parque, encheu-se de pinturas que alguns artistas abrunhenses generosamente ofereceram às nossas crianças. Tenho sempre receio de mencionar nomes, porque, como é natural, não me lembro de todos e não quero ser injusto. Não resisto no entanto, e até porque ainda num destes dias reparei estarem a aparecer por debaixo da velha cal, nessa mesma parede, alguns dos heróis dos desenhos animados da época que, o nosso João Balagueiras, tão bem lá os desenhou e pintou. Mereciam ser reabilitados, digo eu.
Já depois de haver parque infantil e grande parte das figuras pintadas na parede, tivemos honras de reportagem televisiva. É verdade, a RTP, única televisão do tempo, veio fazer reportagem e transmitiu no telejornal. Os moradores da Abrunheira, mesmo os que inicialmente não concordaram com a ocupação, foram, a pouco e pouco, aderindo às nossas intenções e, uma parte considerável da população, quando chegou a hora, pôs as mãos na massa. As ajudas vinham de todo o lado. Em trabalho, em materiais, homens, mulheres, mais velhos, mais novos, nos almoços, nos lanches, tudo e todos eram importantes para erguer o nosso pavilhão.
No entanto, havia muita coisa que era necessário comprar e dinheiro não havia. Também aí tivemos uma colaboração fundamental para conseguirmos pôr as paredes em pé. Foi o Senhor António Coimbra das Neves, conhecido por “António da estância” de Albarraque. Fomos falar com ele e conseguimos que confiasse nos dirigentes da URCA. Forneceu todo o material de construção necessário para pagar como e quando fosse possível. Confiou, e fez bem, porque tudo lhe foi pago até ao último centavo, depois de muitos bailes e festas de angariação de fundos, no pavilhão, já com telhado. A cobertura foi colocada a tempo de se fazer a pré-inauguração (pré porque ainda não tinha portas nem janelas), no primeiro aniversário da ocupação, a 18 de Abril de 1976.
Com um programa da casa, envolvendo dezenas de Abrunhenses, incluindo a estreia de um rancho folclórico infantil com muitas crianças da Abrunheira, criado e encenado de propósito para a ocasião por animadores e animadoras da secção Cultural da URCA. Também foi neste dia apresentada uma criação colectiva do GITU (Grupo de Intervenção Teatral da URCA) com o título "Até à Libertação", bem como outros pequenos quadros de comédia "séria", porque tinha sempre a ver com o momento político. Foi uma grande festa. Parecia que não havia uma única pessoa da Abrunheira que, duma ou doutra maneira, não estivesse a participar. Estou convencido, passados todos estes anos, ter sido uma das ocasiões em que se viu mais gente junta, num só local, na Abrunheira.
É certo lembrar que, na época, foi reconhecido por muita gente a nível do Concelho de Sintra, ser a URCA, com pouco mais de um ano de existência, um dos bons exemplos de associativismo a seguir.
Foi um ano de intensa atividade. O recinto e as instalações, principalmente aos fins-de-semana, estavam sempre apinhados de gente que invariavelmente encontravam tarefas úteis para fazer. Concluída, no essencial, a construção do pavilhão, outros trabalhos e outras preocupações se seguiram. Disso darei conta no próximo escrito.
Silvestre Félix
8 de Fevereiro de 2011
Tag: URCA
PS:
Como já disse, não tenho a pretensão de ter nenhuma memória de elefante, nem de possuir a única interpretação de muitos acontecimentos, pelo que agradeço todas as contribuições no sentido de melhorar o registo da nossa memória coletiva. A forma de o fazer pode ser através de simples comentário diretamente no blogue, para o meu mail silvestrefelix@netcabo.pt, ou através de MSG na página do facebook.com/silvestre.felix
Eu, lá continuava a aprender a ser “tropa” na Figueira da Foz. Detestava aquilo, mas gostei de estar na cidade da foz do Mondego. Depois das primeiras sete ou oito semanas de “cativeiro”, todos os fins-de-semana vinha à Abrunheira e participava com gosto nos trabalhos da URCA. A comida no quartel era boa e o ambiente também. Em Maio fui para o RIP no Porto, onde me mantive até pouco antes do final de Junho. Depois, entre uma mobilização para Angola e uma reorganização do Exército, um bocado a reboque das “negas” em embarcar para a Guerra a preceito do PREC, fui, com outros, desmobilizado e mandado para casa até meados de Agosto. Os últimos dias de Junho, o mês de Julho e o meio de Agosto, foram um regresso à minha vida normal. Na terceira semana de Agosto, regressei à tropa e consegui vir para Oeiras onde fiquei até 27 de Novembro do mesmo ano de 1975. Era como se estivesse em casa. Retomei o meu trabalho da URCA, agora, sem interrupções, independentemente das obrigações militares.
As instalações existentes na quinta resumiam-se: À casa de habitação que corresponde hoje ao edifício que dá para a rua Humberto Delgado, excluindo o bar que foi construído à posteriori, e um telheiro de capoeiras e coelheiras ao longo do muro que dá para a rua da Liberdade onde, depois de algumas obras, viriam a instalar-se a Associação de Reformados e o Grupo Coral Alentejano da URCA. A quinta prolongava-se muito para baixo (sentido sul) ocupando toda ou parte do terreno onde estão hoje moradias com as traseiras para a rua do Centro Social e frentes para a rua Natália Correia. Algures no meio, havia um poço com um grande moinho de vento e um tanque de rega.
À perpendicular do edifício principal, do lado direito quando estamos virados para o alpendre, já existia aquela espécie de arco?? (em linha reta) que ligava a uma parede de tijolo a direito que é, nem mais nem menos, a parede norte do pavilhão. Bom, o fato de haver esta parede feita e em bom estado entusiasmou-nos a aproveitar a dita e, a partir dali, construirmos o pavilhão tal e qual é hoje. Naturalmente que ao longo do tempo beneficiou de muitos melhoramentos mas, no essencial, é o que lá está, 35 anos depois. Antes do início das obras do pavilhão, os serralheiros e pedreiros e toda a gente da Abrunheira, meteram mãos à obra e, em menos de nada, nasceu o primeiro parque infantil no mesmo local onde ainda está. Aquela parede que atrás mencionei, e que seria uma das alas do pavilhão, do lado virado para o parque, encheu-se de pinturas que alguns artistas abrunhenses generosamente ofereceram às nossas crianças. Tenho sempre receio de mencionar nomes, porque, como é natural, não me lembro de todos e não quero ser injusto. Não resisto no entanto, e até porque ainda num destes dias reparei estarem a aparecer por debaixo da velha cal, nessa mesma parede, alguns dos heróis dos desenhos animados da época que, o nosso João Balagueiras, tão bem lá os desenhou e pintou. Mereciam ser reabilitados, digo eu.
Já depois de haver parque infantil e grande parte das figuras pintadas na parede, tivemos honras de reportagem televisiva. É verdade, a RTP, única televisão do tempo, veio fazer reportagem e transmitiu no telejornal. Os moradores da Abrunheira, mesmo os que inicialmente não concordaram com a ocupação, foram, a pouco e pouco, aderindo às nossas intenções e, uma parte considerável da população, quando chegou a hora, pôs as mãos na massa. As ajudas vinham de todo o lado. Em trabalho, em materiais, homens, mulheres, mais velhos, mais novos, nos almoços, nos lanches, tudo e todos eram importantes para erguer o nosso pavilhão.
No entanto, havia muita coisa que era necessário comprar e dinheiro não havia. Também aí tivemos uma colaboração fundamental para conseguirmos pôr as paredes em pé. Foi o Senhor António Coimbra das Neves, conhecido por “António da estância” de Albarraque. Fomos falar com ele e conseguimos que confiasse nos dirigentes da URCA. Forneceu todo o material de construção necessário para pagar como e quando fosse possível. Confiou, e fez bem, porque tudo lhe foi pago até ao último centavo, depois de muitos bailes e festas de angariação de fundos, no pavilhão, já com telhado. A cobertura foi colocada a tempo de se fazer a pré-inauguração (pré porque ainda não tinha portas nem janelas), no primeiro aniversário da ocupação, a 18 de Abril de 1976.
Com um programa da casa, envolvendo dezenas de Abrunhenses, incluindo a estreia de um rancho folclórico infantil com muitas crianças da Abrunheira, criado e encenado de propósito para a ocasião por animadores e animadoras da secção Cultural da URCA. Também foi neste dia apresentada uma criação colectiva do GITU (Grupo de Intervenção Teatral da URCA) com o título "Até à Libertação", bem como outros pequenos quadros de comédia "séria", porque tinha sempre a ver com o momento político. Foi uma grande festa. Parecia que não havia uma única pessoa da Abrunheira que, duma ou doutra maneira, não estivesse a participar. Estou convencido, passados todos estes anos, ter sido uma das ocasiões em que se viu mais gente junta, num só local, na Abrunheira.
É certo lembrar que, na época, foi reconhecido por muita gente a nível do Concelho de Sintra, ser a URCA, com pouco mais de um ano de existência, um dos bons exemplos de associativismo a seguir.
Foi um ano de intensa atividade. O recinto e as instalações, principalmente aos fins-de-semana, estavam sempre apinhados de gente que invariavelmente encontravam tarefas úteis para fazer. Concluída, no essencial, a construção do pavilhão, outros trabalhos e outras preocupações se seguiram. Disso darei conta no próximo escrito.
Silvestre Félix
8 de Fevereiro de 2011
Tag: URCA
PS:
Como já disse, não tenho a pretensão de ter nenhuma memória de elefante, nem de possuir a única interpretação de muitos acontecimentos, pelo que agradeço todas as contribuições no sentido de melhorar o registo da nossa memória coletiva. A forma de o fazer pode ser através de simples comentário diretamente no blogue, para o meu mail silvestrefelix@netcabo.pt, ou através de MSG na página do facebook.com/silvestre.felix
E cá vou eu visitando os teus escritos que tanto me dizem a mim...já agora, o Ásterix e Óbelix foram pintados por mim.....estão lá debaixo da cal...tal como as memorias....estão debaixo...mas estão lá...abraço
ResponderEliminarPois é. Agora que dizes...lembro-me sim senhor!
ResponderEliminarAbração
Sil Félix
grandes acontecimentos, que muitos teimam em não querer lembrar.
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