sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

EM CAMIONETAS VINHAM E EM CAMIONETAS IAM!

Todos os sítios ditos hoje, nossos sítios foram ontem. Alguns até as paredes ainda conservam, outros estão guardados na memória do rígido e em ficheiro no externo. Em tempo contado em algumas dezenas de anos, sempre abaixo dos que eu tenho nesta vida, todos estes lugares já passaram à história industrial da Abrunheira.

Os mesmos tijolos e reboco que resguardam empresa nova, que o seu nome já deu à rotunda facilitadora do escoamento de trânsito, que naquele tempo demorava que passasse qualquer viatura, nem que fosse carroça, poderá ter corrido tempo, em número de anos contados, cerca de 50. Com muita pompa e direito a notícia de jornal, pouco importante pela escassez de trocos para o comprar e pela fartura de iletrados morados à época na nossa Terra, contando como muito mais importante na propaganda do evento, o “passa-a-palavra” na companhia de “ciganas”, de “charretes” ou simples de “três” tintol, pelos balcões do Ramos, do Álvaro ou da Menina Emília, em que se lubrificavam as goelas secas de tanto palrar. Na porta ao lado, as mulheres-mães, irmãs, tias, filhas, avós, cumpriam a mesma missão antes de acrescentar à “conta”. O objeto do grande acontecimento, de “batismo” tinha garantido o nome de “Sincal” e fabricava lixas, abrasivos e colas.

De primeira na Abrunheira se gabava, pois durou algum tempo contado até se construir a segunda no mesmo sítio e paredes onde hoje tem entreposto de Japoneses carros. Esta segunda, tal como a Sincal, muito labor deu aos Abrunhenses, que de semeadura e ceifa se foi esquecendo em troco da féria certa e contada, chovesse ou sol fizesse, com dia do senhor liberto e sexto encurtado com novidade de semana-inglesa. Fábrica da Borracha, abreviatura da “Fábrica de Borracha Leackok Rosa Lda”, viajante como se “Jangada de Pedra” ao contrário fosse, pois rumou a nordeste. Foi a pérola que a pariu e a criou, oferendo-a já adulta à Abrunheira que muito bem dela tomou conta e adotou como sua. A “Jangada” ao contrário carregou de boleia os seus operários sabedores e as suas famílias. Curto contado em tempo, os amores e desamores dos filhos e filhas dos da “Pérola-Madeira” e dos Abrunhenses, e os filhos dos filhos, netos e bisnetos deram ao pulsar da nossa Terra.


Depois vem a de plásticos no mesmo sítio e paredes construídas pelo patrão Gomes dita “Fábrica de Plásticos Atil, Lda”, onde hoje se produzem ou armazenam produtos químicos ali a seguir à Puratos no sentido da do “atleta”. Também esta trouxe operários doutras bandas, mas sempre os Abrunhenses ganharam em presença e labuta. Porque também aquelas mesmas paredes que estão de pé me protegeram dos primeiros passos no mundo do trabalho, e lembro um a um dos meus antigos parceiros nos 14 contados em anos de idade. Alguns subiram um patamar e estão numa dimensão diferente, deixando cá, na Terra, a saudade da vivência.

A Abrunheira tem sítios e lugares que são já da sua história industrial e dos Operários que por lá passaram. Em camionetas vinham e em camionetas iam. Primeiro, andantes em brancas d’alva de marca “palhinha”, que de caminho faziam do Estoril até Mem Martins e volta, três vezes no dia entravam e saiam da Abrunheira. Depois, de “Boa Viagem” se marcavam, na Abrunheira se cruzavam muitas vezes por empreitada, riscadas de marinho azul e entre Oeiras e Sintra se escalavam. Na ponta de antes das oito, desovavam e em pirilau, passando pelo Ramos e depois António José e Café do Manuel “Brasil”, lá certinhos, passo-a-passo, tomavam seu rumo da labuta: Sincal, Borracha ou Atil. Na outra ponta das seis, o inverso: Camioneta chegava, camioneta partia e roncava e fumava e ia e voltava.

Dos da Terra, iam e vinham pela – Um, dois e três, lá vai alho, o bilas das três covas, o olho-de-boi, o pião que roda sem parar, lá vai eixo, às escondidas, à apanhada… de régua ao alto até à palma da mão em mordedura escaldante, dentes cerrados e lágrimas contidas na raiva fervida de injustiça…e lá estava, por detrás da secretária, ao lado do quadro de ardósia, o retrato do botas e do Craveiro ainda desactualizado – que chamavam escola que ainda nome não tinha, a rua, mas lá me cruzei com muitos Abrunhenses nessa passagem da vida. Bem gravado e guardado, de todos me lembro em corpo e alma feitos, de nomes nem tanto, que hei-de eu fazer?

(Extraído dos textos “Abrunheira, Terra com História” de Silvestre Brandão Félix, publicados no extinto blogue “Aldeia Viva” durante 2007 e 2008.)
(Correção e atualização do autor em 2011)

Silvestre Félix

2 comentários:

  1. Sempre bem...já podes (re)escrever a historia da industria na Abrunheira na 2ª metade do seculo XX. Abraço

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  2. Com esta discrição tão perfeita,consegui posicionar-me lá muito atrás e recordar na perfeição estes tempos.De facto,nada tem a ver com estas modernices todas que temos agora,embora não as desvalorize,acho no entanto que as pessoas eram mais simples ,mais felizes,mais amigas.Havia tranquilidade.É bom deixar um registo para os mais novos fizes-te um bom trabalho.Bj da Jesus.

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