terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

FUNDAÇÃO DA URCA – CAPÍTULO II – 2ª PARTE - DEPOIS DE 3 DE JANEIRO DE 1975

Sendo despachado para a Figueira da Foz, fico longe do que se iria passar na Abrunheira e na URCA, nos próximos tempos. Ainda por cima, Portugal entraria nestes dias num período muito conturbado que resultou só numa ida a casa, entre 3 de Março e 25 de Abril.

Oito dias depois estamos no célebre 11 de Março de 1975. A mim, maçarico com uma semana de farda, deram-me uma G3 e fui para um cruzamento algures na Figueira da Foz, revistar carros (a G3 estava descarregada). Comigo estavam outros nas mesmas circunstâncias. A minha unidade era afecta ao MFA, de maneira que o lema era "tudo pelo PREC". Os dias foram correndo na Figueira da Foz, até que nos vamos aproximando do primeiro aniversário do 25 de Abril e dia das primeiras eleições democráticas, eleição da Assembleia Constituinte. É claro que naquela época não havia telemóveis e mesmo os outros telefones não existiam em todo o lado, mas mais ou menos eu ia sabendo que as coisas na Abrunheira iam andando.

Salvo erro no dia 19 de Abril, quando no quartel já se faziam as escalas, para ver quem votava para as "Constituintes" no quartel e quem tinha que ir a casa votar, recebo correio da Abrunheira, do Zé Carmo Silva, com uma conversa completamente enigmática. Era um jogo para eu descobrir o que tinha acontecido ou ia acontecer em 18 de Abril (dia anterior). A solução do problema era exactamente a "Quinta do João da Batata". O pessoal tinha "ocupado" a quinta. Consegui telefonar e falar com a minha Mãe, que me disse, mais ou menos o que eu já sabia. Imaginem como eu fiquei. Sem poder participar, sem dar o meu contributo, e tanto que havia para fazer e eu com uma G3 na mão a aturar gente que nos obrigava a brincar aos cowboys.

Sorte a minha, a credencial necessária para votar na Figueira da Foz não tinha chegado e, por isso, tinha que ir a casa para votar no dia 25 de Abril. Ia poder estar com o meu pessoal. Vim ver e finalmente participar no acontecimento da semana; "A ocupação da Quinta". Participei no entusiasmo da quase totalidade da população da Abrunheira. Este dia 18 de Abril passou a ser comemorado como véspera do grande dia 25 de Abril.A partir daqui a história da URCA é outra, será a própria Abrunheira, pois tudo se vai passar aqui. Queríamos muito mais do que veio de fato a acontecer. O nosso grande objetivo era a criação dum Centro Social que incluísse, para além da URCA, pelo menos, infantário, apoio aos idosos, apoio escolar e uma extensão do Centro de Saúde. A este propósito, na altura da atribuição das ruas da Abrunheira, a uma das artérias que contorna a URCA, foi-lhe dado o nome de “Rua do Centro Social”.

Naquele fim-de-semana prolongado (25,26 e 27 de Abril), tive oportunidade de participar em todas essas discussões que perspetivavam um futuro de sucesso e de melhoria na qualidade de vida para a população da Abrunheira.

Ainda durante os dias que estive na Abrunheira, se iniciaram conversações com o proprietário, com a colaboração de algumas pessoas ligadas à comissão de moradores da altura e com o conhecimento da Câmara Municipal de Sintra. Pela parte que me toca, estou eternamente grato a essas pessoas mas, por razões óbvias, nunca usarei aqui os seus nomes.

Em resultado de todas as boas vontades, as coisas viriam a correr muito bem, tendo sido, mais tarde, assinado um protocolo entre o proprietário e a Câmara Municipal de Sintra em que, estabelecia uma fronteira entre a parte de terreno a utilizar pela URCA, e a parte que continuava na posse do anterior dono. A nossa parte passou para a posse da Câmara com o fim de ser utilizado pelo Centro Social da Abrunheira.

(Extraído dos textos “Abrunheira, Terra com História” de Silvestre Brandão Félix, publicados no extinto blogue “Aldeia Viva” durante 2007 e 2008.)
(Correção e atualização do autor em 2011)

Silvestre Félix
1 de Fevereiro de 2011

4 comentários:

  1. Se todo o processo da ocupação da Quinta do João da Batata, esteve sempre mais ou menos suportado na rectaguarda e com algum controlo, havia, na Abrunheira algumas pessoas que não partilhavam da iniciativa, o que era perfeitamente compreensível.
    Lembro-me de, no Sábado dia 19 de Abril de 1975, fazer o anúncio da ocupação da Quinta com megafone na mão. Não me recordo quem me acompanhava, e a essas pessaos peço desculpa, mas tive a "feliz" ideia de o ir fazer num carro descapotável. Um Triumph Spitfire amarelo torrado.
    Um pouco acima do Largo do Chafariz, no principio da Rua do Olival, sai ao meu encontro um dos moradores que não apadrinhava esta ocupação, considerando-a selvagem e, ao ver-me num descapotável, potencial símbolo de um qualquer bem estar, queria atira-se a mim com toda a sua furia.
    As coisas acalmaram com algum diálogo, e posteriormente veio a colabirar com a URCA.

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  2. Tinha eu uns modestos 14 aninhos,e foi uma grande discussão em minha casa: os meus pais, na dúvida e no medo das represalias que adviessem da ocupação, proibiram-me de sair de casa nessa noite de 18 de Abril.Logo na manhã de dia 19, corri para a quinta, e por lá passei o dia, sem autorização dos meus pais, claro.Á noite, estava de novo interditada a minha participação, mas a minha insistência junto dos meus pais foi tanta, que lá consentiram que eu passasse a noite de vigilia, e já depois do meu pai se ter inteirado que em principio não haveria problema algum.
    e nessa 2ª noite foi a minha festa da participação ( atenção; festa, mas levando muito a sério a minha missão).
    Cobertor pelas costas e durante a noite muitos acordados e outros a dormir, lá iamos fazendo a "vigilia possivel"....A ideia era alertar todos caso chegasse a policia...não chegou, felizmente....pelo menos nestes primeiros dias de vigilia....Muitos dos meus amigos estiveram todas as noites. o que me causava uma inveja dificil de gerir....

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  3. Obrigado pelos vossos comentários.

    Como diz o Zé Carmo Silva, havia pessoas na Abrunheira que não concordavam com esta ação de ocupação, como se percebe. Eu próprio, antes de ir para a Figueira da Foz, e das vezes em que o assunto foi abordado, não estava muito na “onda”.

    No entanto, mesmo as pessoas que não apoiaram à partida, com poucas exceções que confirmam a regra, depois de perceberem os objetivos e da disposição colaborante do proprietário, tornaram-se sócios e amigos da causa.

    Importa referir que, naquele período do PREC, tudo se ocupava. Se alguns casos eram justos, vingavam e beneficiavam a sociedade, já outros havia, que correspondiam a interesses meramente pessoais, de simples oportunismo que, com justiça, deviam ser reprimidos.

    Se na altura tivesse a mesma idade do Zé Barros, decerto os meus Pais teriam a mesma atitude.

    Abração
    Silvestre Félix

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  4. Apesar de um pouco mais nova que os anteriores intervenientes, bem me lembro de toda esta movimentação. Valeu a pena.
    Como o J. Carmo Silva diz havia pessoas contra, mas isso é a noemalidade na nossa terra, muitos são contra determinadas coisas, criticam, etc. No entanto se chamados a fazer melhor......ai, ai, faz tu porque eu não quero que me falem pelas costas ou nãO tenho tempo. Se cada um de nós desse um pouco do seu tempo e conhecimento em prol da comunidade certamente teríamos uma aldeia com muito melhor qualidade de vida. Mas infelizmente aindaexiste muito egoismo e as pessoas estão mais interessadas em olhar para o seu umbigo.

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