segunda-feira, 3 de julho de 2017

DAR-DE-FROSQUES, FIM DO IMPÉRIO E AS ELEIÇÕES


Na época em que, a expressão; "a sério", era mesmo sério e não admitia confusões, “O Século” do Ti Álvaro, trazia notícias da Guerra do Vietname e doutras, mas, da Guerra em Angola; nada! Era um caso sério. Havia alguns que, de miudinho e baixinho, falavam da guerra “nas Áfricas”.  O azul do lápis, ia cumprindo a sua missão sensória. Riscava, cortava e, se preciso fosse, convocava o destemido autor do escrito e ameaçava-o com uma visita acompanhada ao “Resort” da António Maria Cardoso. Daí que, de “guerra”, só do Vietname se podia ler no “O Século” do Ti Álvaro.

Associarei sempre a minha aprendizagem de leitura “a sério”, ao jornal “O Século” do Ti Álvaro e às notícias que ele deixava que eu lesse, de joelhos, no banco verde corrido e debruçado sobre o tampo da mesa em mármore. Lia e ganhava o receio da guerra, porque ouvia em surdina; «vai acabar antes de eu ir p’ra tropa».

A Ti Augusta sossegava-me.

— Ainda falta muito tempo! Quando fores p’ra tropa, já não há guerra “nas áfricas”.

Sentia-me melhor pela segurança que a minha Mãe sempre me transmitia.    

A meio da leitura, sempre sentia por perto o Ti Hilário. Com a Ti Natália na labuta, lá se aventurava a um copinho-de-dois. Seria branco, tinto, dois ou de três, ou um bagacito? A minha memória também não vai apurada tão longe. Até posso inventar um bocadinho. Não será pela quantidade ou qualidade da bebida, que me hão de levar a mal. O fato-macaco, tenho a certeza que era azul e sempre borrifado de cimento ou estuque. Restos e sinais da última obra de trabalho afincado.

Pois é! Mas eu sabia que no “O Século” do Ti Álvaro, não vinham todas as notícias. Então e os “aerogramas” que o meu Primo Xico mandava da Guiné? Era eu que os lia à minha Tia Ermelinda e, por isso, sabia muito mais coisas, do que vinha no jornal. O Xico disfarçava no que escrevia, mas eu percebi sempre que a coisa nunca foi fácil; era guerra “a sério”! Depois do “soro” bem espremido e os queijinhos todos dentro dos cinchos, a minha Tia Ermelinda ditava a resposta. Claro, a maior parte do texto era sempre igual e eu adiantava-me. Para o final, “lavada” em lágrimas, lá me ditava o que lhe ia na alma.

A sério, naquele tempo em que lia notícias da Guerra do Vietname no “O Século” do Ti Álvaro, não havia opção ao que configurava, estar “a bem com a nação”. A alternativa era “saltar”. Aqui, o “saltar” não tinha nada a ver com “saltar-à-corda” ou “saltar-ao-eixo”. Era ir embora, “dar-de-frosques”, “ir à vida”, enfim; emigrar clandestinamente.

A sério! Clandestinamente porque para atravessar a fronteira e pôr o pezinho em Espanha, era preciso passaporte e, para se conseguir, era o “cabo dos trabalhos” e a PIDE não brincava em serviço. Ou bem que era ditadura “a sério”, ou então, que acelerassem o “25 de abril”.  

A sério! Se saltássemos cinquenta e muitos de tempo contado em anos p’ra frente, com água sempre a correr na bica do chafariz e no Rio das Sesmarias por debaixo da “Ponte da Colónia”, seria “à séria”! Sim, agora, cá à frente, depois da troika, da deflação, dos cortes nos ordenados, nas pensões, nos subsídios de férias e de Natal, virou moda adjetivar esta expressão no feminino.

Mas porque agora se diz, “à séria” e não, “a sério”?

Procurei em todos os “cantinhos”, mas não tem nada a ver com o acordo ortográfico.

Provavelmente, alguns dos que defendem uma “cruzada”, “à séria”, contra o acordo, ficariam satisfeitos se voltássemos a escrever “pharmácia” em vez de “farmácia”, mas, esta coisa anda para a frente e já não temos “império”, quanto mais propriedade da “língua”. A língua é património dos falantes e não de nenhum país em particular. É curioso saber que, por exemplo, alguns brasileiros também são contra o acordo. Na maioria dos casos, as razões são as mesmas, só que, ao contrário.

Bem, deixemo-nos de acordos e desacordos, e bem guardadinho numa prateleira da memória, “O Século” do Ti Álvaro e, agora, a “sério”, lembremo-nos que estamos a caminhar rapidamente para mais uma ida às “urnas”.

Terão os abrunhenses condições e vontade para avaliar a “seriedade” dos candidatos que se vão propor?

Saberão os abrunhenses quem são, donde vêm e que capacidade têm para fazerem aquilo que prometem?

Estarão os abrunhenses dispostos a dar o voto e uma palmada nas costas a quem nunca lhes deu nada?

Votarão os abrunhenses em “listas” elaboradas, só, segundo critérios partidários, sem que, as suas necessidades e a sua opinião, sejam levadas em conta?

Gostarão os abrunhenses de tornarem a votar numa “união” de freguesias descaracterizada e incapaz de se aproximar do “Freguês”, em vez de escolher o seu Órgão Autárquico de proximidade; a Junta de Freguesia de São Pedro de Penaferrim?

A “sério” que não é difícil responder a todas estas perguntas. A agregação destas três freguesias levada a cabo pelo anterior governo do PSD/CDS e votada em Assembleia Municipal, é uma autêntica aberração. Admito que, em vez de três, com alterações aos limites anteriormente existentes, pudessem passar a ser duas. Agora, assim, como foi, não!

O que mais me “engalinha”, a “sério”, é não ter sido feito nada para corrigir a situação a tempo das próximas eleições.

Silvestre Félix
3 de julho de 2017

Tags: Abrunheira, Ti Álvaro

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

SÃO PEDRO DE PENAFERRIM E A DESAGREGAÇÃO

A agregação de freguesias, levada a cabo pelo anterior governo, e com efeito já nas últimas eleições autárquicas de 2013, terá resolvido e melhorado situações pontuais, mas, por outro lado, complicado e piorado ao extremo, muitas mais.

A minha, onde nasci e resido, São Pedro de Penaferrim, num processo de avanços e recuos, compromissos, descompromissos e algumas traições, acabou por ficar agregada com a de São Martinho e a de Santa Maria-São Miguel, a que chamaram: União das Freguesias de Sintra.

Foi tal a obra, que fizeram uma freguesia maior, que uma parte considerável dos concelhos existentes no país. Mesmo aqui na zona, será maior que o de Oeiras, Amadora ou Odivelas.

Do Barrunchal a Janas, pelo trajeto médio mais direto e mais utilizado, percorremos cerca de 20 quilómetros e, durante um dia de semana, ou seja, excluindo as horas de ponta e os fins-de-semana, demoramos cerca de meia-hora.

Com um órgão, a Junta de Freguesia, assente nos mesmos pressupostos que contava cada uma das três agregadas, era previsível, que muito difícil seria corresponder ao conhecido mérito do “poder de proximidade”, com tudo o que isso implica.    

Os esforços e vontades podem ser inglórios quando o terreno conquistado é pantanoso e não se arranja forma de o secar. A insatisfação das populações não se esbate com promessas impossíveis de cumprir.

Para que os fregueses destas três freguesias de Sintra, voltem a sentir a proximidade do poder com segurança e confiança na democracia, é imperativo que se desagreguem e, a seguir, quanto muito, se corrijam e ajustem limites atualizados.

Estamos todos ansiosos por perceber a atitude de cada uma das forças políticas e partidárias, face à proximidade das eleições autárquicas.

Silvestre Félix
30.11.2016
Tag: Freguesia de São Pedro de Penaferrim

Foto: Google

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

MERCADO DE SÃO PEDRO

Ao mercado de São Pedro, por esses caminhos acima, íamos. Sim! No pretérito. Agora não é possível; porque caminhos já não os há e, mesmo que “por obra e graça do espírito-santo”, algum se descortinasse, de nada serviria porque “mercado” virou “feira” e, mesmo assim, oiço e leio por aí, que está a definhar.

Que tudo evolui, dizem uns; que tudo acaba ou que acabam com tudo, dizem outros. Dizem até, uns inteligentes, que desenterrando a calçada e virando piso lajado, muitos lugares marcados e pilaretes montados, arrumariam a invasão de andantes que ali aparecem e ficava bem a Praça D. Fernando II, a da feira e de outros eventos encomendados.

Do mercado querem saber as gentes da Freguesia de São Pedro, este, de Penaferrim. O mercado para onde, por esses caminhos acima, íamos. Eu e a minha mãe, e outras mães e filhos que primeiro víamos os sapatos, as botas, a correnteza dos fatos, as sementes e hortaliças, os burros, as vacas vitelas e vitelos, as ovelhas, os bácoros… víamos, porque para compras a féria era curta, e, depois, talvez um bolo saloio ou umas queijadas das mais baratas.

Os caminhos por aí acima eclipsaram-se e o mercado, que agora é feira, a continuar assim, virará depósito de carros e, quem sabe, rodeada de “caça-níqueis” nas entradas e saídas.

Não tarda nada, virão as promessas e as juras do seu cumprimento, se os fregueses fizerem muitas cruzinhas à frente dos seus nomes. Mas então? E antes, como foi? Porque não cumpriram e porque é que o mercado, já era?

Abrunheira, 16 setembro de 2016


Silvestre Félix   

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

TEMPO DE (DEPRIMENTE) NOVEMBRO


Neste deprimente novembro, como, aliás, todos os outros que têm vinte e cinco e desde que eu tinha vinte e um em anos contados, que, quase no fim (o novembro) mas ainda andando por aí algumas horas, oiço coisas feitas lamechices completamente deslocadas em dia de cimeira de ambiente e em tempo de carência e necessidades básicas dos refugiados que batem à porta duma Europa que foi assobiando para o lado e, quando acordou e deixou cair o assobio, viu-se tolhida de movimentos e soluções (como é costume)…

Lamechices eu ouvi, perto de mim, em lugar público, usando, alguém, topo de gama auditivo na escuta:

«— Não! Não! Não posso andar de “cavalo p’ra burro”!

(tempo de resposta inaudível, para que está do outro lado)

— Sim! O carro é ótimo, mas a carrinha que ele me atribuiu o ano passado, a que tenho agora, tem sete lugares!

(Resposta inaudível)

— Sim! Eu sei! Mas, neste caso eu valorizo o tamanho. Se fosse anual mas para dois anos… agora tenho dois filhos, mas para o ano posso ter três. E depois, tenho que que arranjar particularmente um carro maior?

(Resposta inaudível)

— Achas que devo aceitar? Sim, ao carro não lhe falta nada do que é a última tecnologia. Se quiser, até posso trabalhar no carro.»

Não ouvi mais porque o elemento teve a acertada ideia de se desviar do local onde eu estava sentendinho…  

Nestes dias de deprimente novembro, que, para mim, sempre é, têm-se falado muito das dúvidas sobre o aumento do ordenado mínimo até 600 euros em 2019. Pois………..

Silvestre Félix

30 de (deprimente) novembro de 2015   

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

BOM SENSO





Uma parte dos que militaram nas fileiras dos vencedores em 25 de novembro de 1975, não conseguiram terminar a missão a que se tinham proposto — fazer recuar o País a 24 de abril de 1974.

O poder, no essencial, ficou com os moderados e, por isso, ficou-lhes atravessado a meia-vitória ou meia-derrota naquele 25 de novembro.

Quarenta anos depois, embora alguns “originais” tenham desaparecido e outros estejam em vias disso, deixaram sementes a germinar por aí e, ainda neste outubro e novembro, de plantinhas nascidas com as primeiras águas, com toque veludo e bem cheirosas, viraram agressivas e pestilentas, tirando todas as garras de fora e arranhando em todas as direções e por tudo quanto lhes “cheirou” a democracia.

Mais uma vez, não conseguiram os seus intentos. Decerto não desistiram e, lá para a frente, outras tentativas farão.

Os portugueses estarão alerta!

Por agora, o bom senso venceu!

Silvestre Félix
25 de novembro de 2015














domingo, 4 de outubro de 2015

O dia já vai por-aí-fora...


O dia já vai “por-aí-fora”. O que se estará a passar dentro das caixinhas pretas onde vão depositando aqueles papelinhos, dobrados em quatro, com figurinhas com cruzinha acrescentada?
Será que se estão emparelhando ou, antes pelo contrário?
Se calhar, enfileirando-se estão, não vá o diabo tecê-las e ficarem para trás.
Em dias como este todos querem ir na frente.
Dentro das caixinhas pretas; se tocam, se roçam, se torcem, se miram, se abraçam, se… qual bacanal em dia cinzento enevoado.
Quando abrirem as caixinhas pretas e começarem a separar os papelinhos, ainda dobrados em quatro mas depois desdobrados e empilhados por figurinhas, a faladura vai continuar!
Silvestre Félix
4 de outubro de 2015
Tags: Eleições

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

BEM-FALANTES!

Neste domingo, mais uma vez, o Largo do Chafariz vai ser caminho para os “Abrunhenses” exercerem o seu direito de voto. Por aqui, pelo "largo" que deveria ser a sala de visitas da "Nossa-Terra", passaremos e, se possível for, porque de tão mal-habituados estamos, nem conta damos do desprezo a que votado está o "Nosso-Monumento".

O Bento o diz e o (Chafariz) tem mostrado pelo tempo em anos contado e, em conclusão dorida, a força do voto parido na madrugada de "Depois-do-Adeus", abençoado pela "Vila-Morena" e sonhando que "O-Povo-Unido-Jamais-Ser(ia)á-Vencido", nada resolverá!

Alguns gostariam que caminho deixasse de ser, e, antes, fosse plateia de bom e sossegado ouvido. Assim, continuariam a "papaguiar" agora, como outros já fizeram noutras "Eras-Bem-Aventuradas". Ter presente a história e lembrarmos as estórias que ouvimos dos mais velhos, é muito bom e aconselha-se.  

"“Gabiru-aperaltado”; dizia dele, a vizinhança. A faladura era de “lorde” e dos bons, muito perto do jeito a doutor. Com os adjetivos e os verbos bem encaixados nas frases bem construídas, lá caminhava o discurso por direções, na maior parte das vezes, já conhecidas. Bem arreado ou aperaltado à moda de Saloio com carteira composta. De jaqueta castanha com corrente dependurada pela direita da abotoadura no colete justinho em fazenda cinzenta, camisa alva e colarinho bem apertado, calça cinzenta de cós bem subido e com bainha larga acompanhando a bota pela frente e o respetivo chapéu de aba larga e preto. A posição de descanso e descontração a preceito implicava os polegares das duas mãos bem firmes na dobra da jaqueta, à frente, nos extremos do peito. A compor a arreadura, aquele bigode, mais para o grosso que para o fino, transbordando o comprimento da beiça de cima, como naquele tempo era uso."

Na época “daquela senhora”, a personagem descrita existia em todas as terras saloias e, também, na Abrunheira. Seria o “bem-falante”, e aquele, a quem, os iletrados tudo perguntavam.

Era um tempo em que, literalmente, se enfiava o barrete saloio ou se armadilhavam grandes chapeladas. Na ignorância mantida e fomentada pelo regime do “botas”, não era difícil enfiar umas “patranhas” na saloiada. O boletim de voto era especialmente enviado para o domicílio e muitas vezes até entregue em mão pelo ocupante do “assento-de-proximidade”. De costas para o balcão, ainda que ligeiramente apoiado, aperaltado como de costume e botando faladura como vinha nos jornais devidamente visados pelos do lápis-azul, o “bem-falante” comentava as contrariedades das condições atmosféricas – naquele tempo em que tudo caía em cima do “cinzento,” porque a claridade e o Sol era só para alguns e todos sabiam disso.

Sabiam, os que reagiram e lutaram com, e, pelo General-Sem-Medo, nas revoltas das colónias indianas e africanas, na revolta do quartel de Beja ou no desvio do “Santa Maria”, protagonizavam o descontentamento militar, a luta dos Partidos clandestinos, etc., etc., – e, porque também sabia, e de que maneira, interroga-se ele, o “bem-falante”, aos presentes; como iria ser a próxima safra do Sabino, do Silvestre Velho, do Veríssimo, do Frouxo ou do João de Leião?

Todas as sessões propagandísticas; fossem no Largo do Chafariz ou numa das tabernas da Abrunheira no terceiro quartel do século XX, ou num qualquer multiusos no XXI, ouvidas pelos tais que sabem e pelos que não sabem, mais do que menos, cheiram a pantominice. Melhor fora que o espetáculo fosse dos saltimbancos. Porque, assim, o pouco que tinham era o que davam e ninguém lhes exigia mais. 

Muitas vezes, os saltimbancos, pelo Largo do Chafariz passearam a sua boa disposição e, os abrunhenses, viram e admiraram a forma como encaravam e levavam a vida que sempre melhor ficava pelos tempos difíceis que corriam, ao contrário de, cá mais para a frente do ano dois mil e poucos, que pior está, para os vivos e até para os mortos.

No “quinze” deste século XXI, muitos vão “parlapiando” para os “assentos-distantes” do povo, mas pelo Largo do Chafariz é que eu nunca os vejo. Para “mal dos nossos pecados”, é cada vez mais difícil que, os que se vão lá sentar, alguma vez venham a passar pelo Largo do Chafariz. Muito longe vão ficar as cadeiras e como entramos no Outono, os dias vão ser mais pequenos, deixando menos “luz” para os que se aventurarem a gastar as solas dos sapatos a caminho, pelo Largo do Chafariz, das mesas de voto.

Muitos burocratas e “bem-falantes”, promotores de detentores, detentores ou candidatos aos “assentos”, gostariam, e muito se esforçam, para voltarem a um certo modelo bafiento. Têm treinado há algum tempo e agora estão mais preparados para levarem a deles avante.

Para os que se sentarão nos “assentos” a partir de 5 de outubro, que, desgraçadamente até lhe tiraram o simbolismo, o “papaguiamento” continuará a ser – a missão! É preciso continuar a usar e abusar de “faladura” para o Zé continuar convencido, mesmo que os euros no bolso sejam poucos.

Silvestre Félix

Abrunheira, 2 de outubro de 2015


Tags: Abrunheira, Largo do Chafariz, Eleições

domingo, 14 de junho de 2015

SANTO ANTÓNIO, Nª SRª DO CABO E A IGREJA

Adorado que sempre foste! Junho dos arraiais e das fogueiras; das sardinhas, das febras, dos chouriços assados, das alcachofras estorricadas ou renascidas, dos namoricos e bailaricos rodopiados na ponta do andante em novo sapato nascido no rol da “Bramonte” ou bota cardada com protetor de última geração.

Salta e salta e volta a saltar a labareda ardente acima do Largo do Chafariz. Os trancos com força acartados das bandas da Colónia e Beloura e os carrascos que, da abundância não se negam, dão altura ao salto para bonito fazer às raparigas.

Adorado sempre foste! Junho dos feriados e dos dias grandes e quentes; do Santo António na Abrunheira ao São Pedro em São Pedro do de Penaferrim.

Sem fogueira ainda acesa e, como por milagre de Santo António e mais depressa que um estalar de dedos, já o Ti Rafael (“Coxo” na terceira pessoa) enchia tintos e, como sempre novidades trazia, abria cervejas para os mais endinheirados. O plano de “marketing” e vendas do Ti Rafael traduzia-se num apelo à “bebedeira” usando o poder dos pulmões de um – não fumador! Em todas as ocasiões levava a dele avante e, uma hora depois, nas vozes arrastadas e nos tropeções no alcatroado mal-amanhado, já se podia ver o resultado.

Adorado sempre foste! Junho dos amores e desamores e das alcachofras na fogueira postas!

O acarinhado Santo António na Abrunheira, for força, vontade e mérito dos seus voluntários amigos, sonhou levantar o templo, a si dedicado, com o fervor e Fé ilimitados.

A Igreja de Santo António da Abrunheira, neste tempo contado em anos, mais de cinquenta lá vão, desde a narrativa protagonizada pelo Ti Rafael, deixou de ser sonho e passou a real.

Por este fim-de-semana (12, 13 e 14 de junho de 2015), a “Comissão Pró-Construção da Igreja da Abrunheira”, mais uma vez, promoveu os habituais “Festejos de Santo António” com a particularidade de, este ano, já existir a Capela de Santo António e ter recebido a imagem de Nª Srª do Cabo de visita à Paróquia de São Pedro de Penaferrim que, assim, fez merecida companhia a Santo António.

Desde sexta-feira à noite que, por toda a Abrunheira, se têm movimentado, nas procissões e nos recintos, centenas de pessoas a este propósito. Muito obrigado a todos os voluntários.

Um agradecimento do tamanho do mundo à Comissão Pró-Construção da Igreja da Abrunheira, e muita força para a difícil tarefa que ainda está pela frente.

Abrunheira, 13 de junho de 2015


Silvestre Félix

(Fotos: Manuela Nascimento)

sábado, 25 de abril de 2015

JÁ NÃO VOU PARA A GUERRA!

Do terceiro andar, daquela janela, eu conseguia ver, mesmo sem “Google Earth”, tudo o que acontecia na “hora”, tinha acontecido, ou, que imaginava viesse a acontecer.

Dali, via, navegando pela “estrada” do Tejo, algumas poucas “faluas” e “fragatas” de velas “à banda” empurradas pelo vento da barra que lhes facilitava a corrida e a faina do pescado e do pequeno transporte.

Pela janela, à altura das “águas-furtadas” do prédio mais perto do “duque”, conseguia perceber, se a grande doca-seca da “Lisnave” estava recebedora, ou não, do grande petroleiro que, impávido e sereno, esperava, fundeado no Mar da Palha, de proa à maré.

Mesmo entre a escuridão do vinte-e-quatro, conseguia espreitar lá de cima, da janela do terceiro andar, os sorrateiros e cínicos bufos dum lado, e, do outro, os reservistas de lápis azul, que, riscando, os gastavam sempre “a bem da nação!”.

No rescaldo das “Caldas”, via-me, de mancebo a magala em fardamento a verde feito, e de “canhota” a jeito, no meio de terra, que minha não era, com lógica de estúpida guerra que pelas colónias fervia.

Antes, lá teria passado pelo cais da “Rocha Conde D’Óbidos” marchando para entremeada formatura antes de subir à amurada do “Príncipe Perfeito”, “Vera Cruz”, Niassa”, “Infante D. Henrique” ou de qualquer outro “paquete” servidor do império. A vinte e quatro, o parapeito daquela janela do terceiro andar, era o interior da murada dum destes e, de lá, via um “mar”, com o tamanho do que iria atravessar, de lenços brancos num adeus de mães, esposas, namoradas e filhos. 

Na entrada dezassete, com o Manel abençoando o “botas” e a fazer figas para que a “primavera-marcelista” ficasse, de vez, outonal ou mesmo invernosa, porque, nos seus atrofiados neurónios, só assim se conseguia ganhar a guerra em Angola.

Atormentava-me, sim! Tinha medo, sim! Mesmo com a segurança que a janela do terceiro andar me dava, vendo de lá o que muito bem queria imaginar, não conseguia desviar a certeza que me desenhavam para o futuro a curto prazo; “Assento-de-Praça”, recruta, especialidade e, ala que se faz tarde, para África. 

De piso era terceiro mas, contando pela entrada da do Alecrim, era segundo sendo que, por ser tão alto, quase adivinhava o que se ia passar na quinta-feira, a vinte-e-cinco; desde o Terreiro do Paço, Ribeira das Naus, Arsenal, Corpo Santo e Bernardino Costa. Cheirava a qualquer coisa…

E, na manhã de quinta-feira, em abril e a vinte-e-cinco, ouvi o Luís Filipe Costa:

 (…) Aqui, Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas (…)

Silvestre Félix

25 de abril de 2015 

terça-feira, 7 de abril de 2015

Largo do Chafariz: DESTE LADO DA SERRA

Largo do Chafariz: DESTE LADO DA SERRA: Deste lado da Serra, perdemos quase tudo! Foi o Centro de Saúde, o Centro Social, a ligação direta à Capa Rota, a Junta de Freguesia, o...

DESTE LADO DA SERRA

Deste lado da Serra, perdemos quase tudo!

Foi o Centro de Saúde, o Centro Social, a ligação direta à Capa Rota, a Junta de Freguesia, o quartel da GNR, a Escola Secundária, os equipamentos desportivos, como o multiusos, a piscina e o campo de futebol, etc., etc.

Perdemos líderes carismáticos e honestos que se “batam” pelos interesses e necessidades das populações deste lado, onde o SOL toca primeiro. Eu cá, desconfio que, mais cedo ou mais tarde, tentarão mudá-lo de sítio (ao SOL) para que, primeiro, apareça do lado de lá…

Há quem já tenha dito e escrito, que até perdemos o direito a “presidências abertas” [abertas]. Parece que são mais p’ró “fechadas”. Eles, não sabem, nem “sonham”, como ir “por esses caminhos acima”. Pudera, se soubessem, não tinham deixado que os perdêssemos. Já era (ou foi), a ligação a Ranholas pela Rua da Abrunheira que, por aí acima, a Ti Augusta me levava pela mão até ao mercado ou, muitas outras vezes, até ao miolo da Serra, à Casa da Tapada que também era e ainda é, “Do Roma”, juntinho ao Palácio dos Milhões que a minha Mãe nunca se esquecia, da “estória” me contar; o caminho, por aí a cima, aos “Celões” até ao Linhó com pedras mil vezes pisadas pelos cascos da Marcina, da Bonita, da Estrela e da burra (salvo-seja) Carocha, ainda antes, desapareceu engolido pelo condomínio que, do Casal da Beloura com caminho também feito e serventia para os rebanhos do Ti Zé da Beloura, só o nome ficou.

É só a perder…

Até o Rio das Sesmarias foi despromovido para “ribeira” e, ainda-por-cima, de Colaride. Na mesma onda perdedora, lá foram “à vida” as cigarras e os grilos e com eles levaram as suas cantorias que, por esta altura, começavam a inundar os nossos campos.

Deste lado da Serra perdemos quase tudo…

Fica a dignidade!

Silvestre Félix
7 de abril de 2015 

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

COMO É QUE SE CHAMA ESTA FRUTA?

A perícia com que escolhia as cebolas e as dispunha por tamanhos, qual calibrador moderno e automático; o cuidado a tirar as “cascas” velhas, cortar “direitinho” os tufos de raízes e folhas inúteis da planta; a arte, precisa, com que entrançava as folhas secas ao centro, e fazia com que as cebolas ficassem agarradas, umas, a seguir às outras e, assim, em pouco tempo, construía a obra perfeita denominada—“réstia”.

Peça única, incluindo a dose certa de “marketing” acoplado, traduzido na beleza que irradiava, aos olhos dos potenciais consumidores ou, eventualmente, compradores – sim, porque, tendo o meu saudoso Pai, partido desta vida, vai para trinta e nove de tempo contado em anos, quando se dedicava com esmero e profissionalismo à arte de hortelão e agricultor, não carecia de emitir fatura eletrónica, para poder trocar o excedente.

Não preciso de “pretextos” para falar do meu Pai, mas, esta descrição da “construção” de uma réstia de cebola é, demonstrativa, de como o “Zé Silvestre” lidava com a sua arte. Eu, muito miúdo, ficava horas a vê-lo, sentado no chão em cima duma sarapilheira, numa qualquer tarde de março (marçagão, de manhã inverno e à tarde verão), dando as voltas todas às cebolas ou alhos, até concluir o produto final que, eu, “puto”, achava do mais prefeito, e era!

Há uns dias, numa “catedral” de consumismo aqui perto, onde eu também vou, perguntava um miúdo para a mãe que, com o desespero da falta de tempo e cuidado, ao escolher umas cebolas numa “piscina” delas, a granel, deixou cair duas pelo chão que, rebolando, pareciam ganhar velocidade em excesso, correndo, até, o risco de serem multadas por algum “polícia” escondido atrás dos outros caixotes que, por ali, estão estacionados.

— Oh mãe, como é que se chama esta “fruta”?
— Chama-se cebola, filho!

A mãe, com vinte e poucos anos de idade, respondeu duma maneira muito crente. Não hesitou, e achou que falou certo. O filho não tinha mais do que cinco anos e, como é normal, voltou à “carga”.

— Oh mãe, como é que se chama a árvore que dá a cebola?

Mais uma vez, a mãe, “certíssima” do que estava a dizer, respondeu:

— Nunca vi nenhuma, mas acho que é “Ceboleira”!

Já não se fazem réstias de cebolas…

E o meu Pai preparava o canteiro, muito direitinho, bem estrumado e deitava-lhe a semente. Alguns dias, e os pontinhos verdes do “cebolo” começavam a despontar e, rapidamente subiam até um palmo. Por essa altura, começava a arrancar as pequenas plantas e separava-as em “centos” (cem unidades), atados com umas folhas muito compridas duma planta do nosso Rio das Sesmarias. As primeiras, quase sempre, eram as que ele precisava para plantar e, mais tarde, colher cebolas. Os restantes “cebolinhos” distribuía por algumas pessoas e, se ainda sobrassem, o próximo mercado de São Pedro tratava de os absorver. 

Já não se fazem réstias de cebolas… e muitas outras coisas. Mudam tudo. “Pelo andar da carruagem”, as tardes soalheiras serão transformadas em permanente “lusco-fusco” de modo a que, nem de uma réstia de sol, a “gente” possa beneficiar. 

Silvestre Félix

14 de janeiro de 2015 
(Foto: Google)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

IGREJA DE SANTO ANTÓNIO DA ABRUNHEIRA

Muitas pessoas assistiram à inauguração da Capela polivalente e Capela da Ressurreição, correspondendo à primeira fase de construção da Igreja de Santo António da Abrunheira, neste domingo, dia 7 de dezembro.

Num maravilhoso dia de sol, os convidados e a população em geral, assistiram ao descerramento da placa que deixa registado o momento, na parede do edifício, para a posterioridade.

Presentes nesta cerimónia: Senhor Bispo Dom Joaquim Mendes; Presidente da Assembleia Municipal de Sintra e, também, em representação do Presidente da Câmara Municipal, Dr. Domingos Quintas; Eduardo Casinhas, Presidente da União das Freguesias de Sintra e a Vogal Paula Bento Santos; Fernando Pereira, Presidente da Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Sintra e, muita gente, que encheu completamente o espaço das duas Capelas, mais as que não conseguiram entrar, para assistir à Eucaristia presidida pelo Senhor Bispo.  

Para finalizar o dia de festa, esteve à disposição de todos, um delicioso lanche composto por tudo o que a população anónima e alguns comerciantes ofereceram. Paralelamente foram rececionados outros donativos no âmbito da angariação de fundos, que tem vindo a ser promovida.

A Abrunheira fica, assim, mais rica. Não só pela vertente religiosa, com a realização de missa semanal e local para desenvolver todas as atividades inerentes ao serviço de paróquia mas, também, por toda a população passar a dispor dum local para velar os seus mortos, independentemente da sua religiosidade, em vez de o ter de fazer longe das suas moradas.

No final, já escuro e muito frio, era bem visível a satisfação nos rostos de todos os membros da “Comissão Pró-Construção da Igreja da Abrunheira” e, principalmente do Pároco Padre Armindo que, em conjunto com a “Comissão” e com o Vigário Padre Jorge, foi decisivo para o arranque, andamento e conclusão desta (1ª fase) obra.



Silvestre Félix

8 de dezembro de 2014    

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

NORTE DA ABRUNHEIRA, HISTÓRIA E GEOGRAFIA AO PÉ DE CASA.

— Desnorteado estou eu, com a ventania que por aí anda! Diz que não, diz que não te tira o sono e depois queixa-te!
— Oh Coutinho, mas então, o que me interessa a mim, o que vai acontecer daqui a cinquenta ou sessenta anos?
— Ai não te interessa, não?
— A mim, não! Nessa altura já sou tijolo bem ressequido.
— Pois a mim interessa-me, e muito. Estão a meter-se com o nosso amigo Rio-das-Sesmarias. Eu cá, já estou habituado às “trocas e baldrocas”; tanto me chamam Bernardino que não sou Coutinho, como Coutinho que sou Bernardino e outros nomes e alcunhas que agora não vem ao caso, mas, com o Rio-das-Sesmarias, “fia mais fino”. Nortadas à parte, não posso “levar à paciência” que lhe troquem o nome.
— Concordo contigo mas …
— Mas o quê??!! Não me digas que não te importas que, passando muito tempo lá para a frente; contado em anos pr’aí uns cinquenta ou sessenta, venham uns gajos de gravata dizer que não eras Artista-Sapateiro, que ignoravas a “geografia-ao-pé-de casa”, que não usavas boné, que te chamavas Manel e que cagavas ao sol em vez de o fazeres à chuva?
— Tens razão, Coutinho! Mesmo já não andando por cá, sabendo duma aldrabice dessas, não ficava nada satisfeito. Estou disposto, contigo e com quem mais tu achares de valia, a lutar pela verdade, eliminando, com quantas cajadadas for preciso, a ignorância e o desnorte que por aí abunda.

E os dois “Abrunhenses” lá foram andando, do “Lugar de Baixo”, a sul, para o “Lugar de Cima”, a norte. Passaram o Santo António, o “Espanhol”, o “Silvestre-Velho” que, como comandante à proa do navio, do alto da varanda, olhava os trabalhos a decorrer nas terras abaixo da Colónia e até ao Linhó, pela esquerda e, à direita, até aos “barros” — sessenta, contados em anos de tempo para a frente, os “inteligentes”, chamar-lhe-ão: Norte da Abrunheira-Norte — mesmo à beirinha da estrada, do lado de cá da “chancuda” que, para além da nascente, ainda recebia muita água da regueira, desde o “penedo”, rentinha ao fundo do “Casal-Novo”. Tão absorvido estava que nem respondeu à saudação dos dois passantes. Aproveitando bem o tempo solarengo, em conluio com o São Martinho, o “Silvestre-Velho” mobilizava as suas duas juntas-de-bois e todo o pessoal disponível, acelerando o amanho para que, antes do Natal, grande parte das sementes estivessem na terra. Da varanda, e como se todos o ouvissem e vissem, bracejava e gritava os impropérios do costume — Ah, “almas do diabo”; “raios-os-partam”; “filhos duma égua”; etc., etc.,.

Caminhavam pela “principal”, com o amigo Rio-das-Sesmarias à esquerda, correndo no sentido inverso ao deles; de norte para sul. Podiam ter metido pela “Azinhaga do Rio”, à esquerda, a seguir ao quintal do Rafael Coxo e junto à escolha da fruta do “Pechincha”, mas não o fizeram. Sob o olhar e cumprimento do Ti Mendes, que muito fumo pelas beiças e ventas deitava, por cada forte puxada no bocal do cachimbo de cana feito, rumaram na direção do Chafariz e o destino era a taberna da “Menina Emília”. O Coutinho que era Bernardino estava com ganas de emborcar uma “charrete” e, o “Artista-Sapateiro”, também.

Ambos sabiam que “o norte” era o caminho daquele dia e daquele tempo. Por aquela que, vinte, mais tarde, contados em anos, seria a “Travessa do Norte”, e a desembocar na “Rua das Sesmarias” filha adotiva do nosso RIO que, pelo menos, lá pelos tempos de D. Fernando “o primeiro”; se passou a chamar, aqui, na Abrunheira; “Rio-das-Sesmarias”. Que não se contem os anos, desde o princípio do último quartel do século XIV, que são muitos e tempo suficiente para que, para lá da profecia; “a dois mil chegarás, de dois mil não passarás”, não se admita tamanha ofensa ao nosso RIO; chamar-lhe “Caparide” e, ainda-por-cima, “ribeira”??!!

Vagarosos, como se queria naquele verão emprestado de novembro, lá foram, com a “charrete” da Menina Emília e mais — porque assim que meteram ao “Cipriano”, viraram no beco para a adega do Pena — duas ou três canecas da melhor água-pé deste planeta e de todos os outros que o universo tenha, em direção à passagem de pé-posto, do nosso querido Rio-das-Sesmarias. Ele estava no seu sítio, corria bem direitinho, de norte para sul e sem solavancos, que o chovido não era assim tanto mas, muito acabrunhado.

Chegou primeiro o Coutinho, pois a perna aleijada do “Artista-Sapateiro” — e mais o que lhe passou pela goela, a caminho dum estômago bem atestado de acidez e ávido de matéria para desfazer, e mandar rapidamente para o “delgado”, ganhando velocidade no trânsito, mesmo sem mesinhas e outras artimanhas, para que não estacione muito tempo no “grosso” — fizeram com que viesse mais atrás. 
 
— Então, amigo Rio-das-Sesmarias? Como vais correndo?
— Vou levando a minha água, dando passagem de ida e volta, com direito a recreio, às enguias do poço da nora, na horta e pomar dos pêssegos-rosa que o “Zé Silvestre”, trás. Levo água para que os “girinos” nasçam, cresçam e, lá para março, despontem lindas e coloridas rãs, que coaxam sem parar; para que os animais dos Abrunhenses se satisfaçam do líquido precioso; para que os agriões que crescem nas minhas margens, completem saborosas saladas verdes, enfim; da encosta de Ouressa, engrossando com o “fio” nascido no Penedo, irmanado com a da Chancuda, que pelos “Barros” vêm a mim: “Rio-das-Sesmarias”, antes e depois da Abrunheira até à “Azenha” do Ti Sebastião, na Capa-Rota. Depois, já não me importo, porque pelos “Bernardos” vou tomando outros nomes que, de mim, só a água levam. E vocês? Como vão encarando as notícias que, do norte, nos trazem?

Cada pé em sua pedra, com a anuência do “acabrunhado” RIO, passaram, como sempre faziam, para o lado da pedreira que, do Ti Miguel, ainda seria, por muito tempo contado em anos. O Bernardino, que Coutinho não era, tomou como assento a, que dizia sua; pedra. Pegou no bornal, que se quedava no ombro esquerdo, e posou-o no chão, com muito cuidado. Num dos alforges, trazia ferramentas de trabalhar a pedra, como se fossem tubos de ensaio do mais moderno laboratório. A “Ciência-da-Pedra”, que era a sua, só podia ser “manobrada” pelos mais delicados instrumentos. No segundo alforge, que balançava à frente, o Coutinho que era Bernardino, trazia o seu farnel que a Ti Mariana Soleta lhe tinha preparado antes de sair de casa, ao mesmo tempo que lhe recomendava — Ai “Be’nardine filhe, nã me vás pa’taberne embo’car vinhe” (aqui não entra a ”história” do Coutinho, por razões óbvias. Se, para quem lê, não for assim tão óbvio, espere por outro escrito ou vá ver os antigos) e que tinha; Uma “cigana” cheínha, um quarto de pão-escuro e um bom naco de toucinho-entremeado que, logo chegado à pedreira, lhes daria o devido tratamento que, mesmo correndo o risco do “Artista” me acusar de desvio do tema ou matéria, como lá muito para a frente, no longínquo século XXI (se, a dois mil passarem) os políticos velhos e os aprendizes, vão gostar de dizer muitas vezes; não resisto a “mostrar”, por antecipação, aquele que, sempre era, um laudo banquete!  

Na principal bancada do seu “laboratório”; a pedra que servia de mesa para comer e poiso para as ferramentas, Bernardino que não era Coutinho, tira do bornal o papel-pardo do costume, estende-o na “mesa”, e coloca-lhe em cima; o pão-escuro, o naco de toucinho e a “ciganita”. Como comer e beber, ritual sempre foi e será, respeitando o cerimonial, saca do bolso a sua indispensável navalha-curva (de enxertar), com jeito e delicadeza que só mãos e dedos habituados a “tocarem” a ciência, mesmo que, de pedra seja, abre-a e, com um gesto certeiro de tantas vezes repetido, passa os dois lados da lâmina da navalha, pela ganga das calças da perna direita, logo acima do joelho, e inicia o corte preciso dum bocado de pão. Findo este, idêntico manuseamento faz ao toucinho e, juntando os dois pedaços, mete-os na boca, iniciando uma função de mastigação que, só viria a ser completa, com um trago de vinho emborcado diretamente da “cigana”.

Noutra, bem ao feitio e tamanho da “padaria” do Artista-Sapateiro, lá se sentou ele, segurando, num repente, a beata presa ao beiço de baixo, que lhe ia caindo. O único dente que despontava da “cavidade” bocal, bem espetado na gengiva de baixo, não era suficiente para lhe prender, bem, o cigarrito. E, como que reagindo ao tropeço, meteu “estopa” e iniciou faladura sapiente sobre viagens há muito empreendidas; Não fosse, ele, Artista-Sapateiro, dos bons, contador de histórias e cenas que ele sabia e repetia. Muito ele calcorreou, perseguindo clientela de meias-solas para patrões das quintas e jornaleiros, desde a(s) Malveira(s) (dos bois e da Serra) até aos “Estoris”, passando pelas Azenhas e Janas, subindo para Almoçageme, Penedo, Eugaria até ao outro lado em Paço-de-Arcos, Quinta da Estribeira, Leião até Belas, pelo outro lado em Odrinhas, São-João-das-Lampas, Linhó ou Parede, Caparide, Murtal, etc., etc.. O Artista-Sapateiro conhece o percurso do nosso Rio-das-Sesmarias, até à foz, na Costa-do-Sol entre São João e São Pedro do Estoril. Por acaso até passa junto a Caparide, a mais-ou-menos três quilómetros da foz e quinze da Abrunheira mas, chamarem ao nosso amigo Rio-das-Sesmarias, “ribeira de Caparide”, não lembra a ninguém que saiba um pouquinho de “geografia”.

— Oh Coutinho, tive agora uma ideia de “estalo”; vamos teletransportar lá para a frente, cinquenta ou sessenta de tempo contado em anos, uma “Petição pública” para reposição da verdade e recuperar os nossos valores históricos, exigindo que, no âmbito dos estudos e planos “nortenhos” para a Abrunheira, se chamem as coisas pelos nomes, como é o caso do Rio-das-Sesmarias.
— Oh Artista-Sapateiro, essa de “teletransportar” não é no gozo comigo, não?
— Não! Estou mesmo a falar a sério, Coutinho! Não tem nada a ver com a tua tentativa de travessia do Oceano Atlântico até ao Brasil com o Sacadura que era Borrego.
  
E o Rio-das-Sesmarias lá corre com toda a lisura, mas acabrunhado.

Só quer a verdade!

Silvestre Félix
4 de Dezembro de 2014


terça-feira, 19 de agosto de 2014

MALDITA CORVINA!

Jardim do Bairro da Colónia - Silvestre - 1973
Em tempo passado, corrido e contado em anos, irão, pelo menos, uns quarenta e um. É verdade, ainda vivíamos no regime do “botas” que já não era, embora, na fase final duma “primavera” que nunca chegou a ser. Mil novecentos e setenta e três, derradeiros anos do terceiro quartel do já longínquo século vinte. No ano anterior – setenta e dois – tinham acontecido os Olímpicos de Munique e, por isso, por esses caminhos acima até ao “novoBairro da Colónia, levei o meu rádio, gravador e leitor de cassetes pirata e sem serem, dentro do saquinho branco com o símbolo olímpico e escrito “Munique “72”.

Quem vai por esses caminhos acima também vem por esses caminhos abaixo. Realmente vim, mas depois de muita “praga” ter atirado à corvina. Sim, corvina! Aquele peixe muito bom que, nos últimos tempos, anda fugido das nossas peixarias. Em setenta e três do século passado – ano do III Congresso da Oposição Democrática em Aveiro que a PIDE-DGS desavergonhadamente invadiu – penso que por volta de Abril, o Caravaca-PaiGuarda prisional dos antigos – desafiou alguns amigos do Caravaca-filho para se fazer a “folha” a uma cabeçorra de corvina cozida. E então lá fui por aí acima com os do costume, estrear a casa nova do Caravaca que, até aí, morava, como muitos outros guardas prisionais da Colónia, na Abrunheira, junto ao Chico Cobeca, no início da Travessa do Norte.

Maldita corvina!” Então, não é que, com o que lhe juntei de bebida, talvez vinho branco ou verde-branco fresco, armou um sarilho alcoólico-intestinal que me ia desfazendo todo em vómito e diarreia como nunca antes nem depois experimentara. “Maldita corvina” foi o que mais repeti cambaleando no bonito jardim e boca d’água do “Novo bairro da Colónia” de mil novecentos e setenta e três quando, ainda, a dois passos do Chiado, a PIDE-DGS torturava o operário, a doméstica ou o intelectual, só porque a linha de pensamento divergia e eu, duma “janela dum terceiro andar” que, com o Tejo como espelho, conseguia ver todo o mundo pelo lado dos dezoito anos que nunca mais voltaram. 

Desde essa época, em anos o tempo conta quarenta e um e, pelo menos, durante metade, quando pelos caminhos acima ou abaixo, vamos ou vimos pela Colónia – sempre com muito cuidado como a minha querida Mãe dizia quando, em tempo contado para trás em anos seriam dez, onze ou doze e me deixava conduzir pela burra Carocha, pela ternurenta vaca Bonita, pela Marcina, pela Estrela e por outras que os nomes voltavam por passarem de mães leiteiras e parideiras para vitelas filhas e criadas com tanto amor pela Ti Augusta, que muita tristeza se abatia lá por casa quando o destino se cumpria e o Fachadas ou outro qualquer comprador se abeirava e carregava o animal – revolve-me o estomago mas não por causa da “corvina” nem do branco maduro ou verde fresco. O “Bairro da Colónia” está velho e abandonado de manutenção e arranjos básicos. As velhas moradias, por exemplo a do “guardaVicente, há muito que “desistiram” e telhados ou paredes se deixaram cair, os prédios – como o do Caravaca – de mil novecentos e setenta e dois e setenta e três, vão pelo mesmo caminho se não lhe puserem “a mão” rapidamente.

O antes “novo” e agora “velhoBairro da Colónia, está como este País, a cair aos bocados no meio duma revolta estomacal só que, agora, a culpa não é da “maldita corvina”, mas sim, da

“Maldita corja!”


Silvestre Félix