Na época em que, a expressão; "a sério",
era mesmo sério e não admitia confusões, “O Século” do Ti Álvaro, trazia
notícias da Guerra do Vietname e doutras, mas, da Guerra em Angola; nada! Era
um caso sério. Havia alguns que, de miudinho e baixinho, falavam da guerra “nas
Áfricas”. O azul do lápis, ia cumprindo
a sua missão sensória. Riscava, cortava e, se preciso fosse, convocava o
destemido autor do escrito e ameaçava-o com uma visita acompanhada ao “Resort”
da António Maria Cardoso. Daí que, de “guerra”, só do Vietname se podia ler no
“O Século” do Ti Álvaro.
Associarei sempre a minha aprendizagem de leitura
“a sério”, ao jornal “O Século” do Ti Álvaro e às notícias que ele deixava que
eu lesse, de joelhos, no banco verde corrido e debruçado sobre o tampo da mesa
em mármore. Lia e ganhava o receio da guerra, porque ouvia em surdina; «vai
acabar antes de eu ir p’ra tropa».
A Ti Augusta sossegava-me.
— Ainda falta muito tempo! Quando fores p’ra tropa,
já não há guerra “nas áfricas”.
Sentia-me melhor pela segurança que a minha Mãe
sempre me transmitia.
A meio da leitura, sempre sentia por perto o Ti
Hilário. Com a Ti Natália na labuta, lá se aventurava a um copinho-de-dois.
Seria branco, tinto, dois ou de três, ou um bagacito? A minha memória também
não vai apurada tão longe. Até posso inventar um bocadinho. Não será pela
quantidade ou qualidade da bebida, que me hão de levar a mal. O fato-macaco,
tenho a certeza que era azul e sempre borrifado de cimento ou estuque. Restos e
sinais da última obra de trabalho afincado.
Pois é! Mas eu sabia que no “O Século” do Ti
Álvaro, não vinham todas as notícias. Então e os “aerogramas” que o meu Primo
Xico mandava da Guiné? Era eu que os lia à minha Tia Ermelinda e, por isso,
sabia muito mais coisas, do que vinha no jornal. O Xico disfarçava no que
escrevia, mas eu percebi sempre que a coisa nunca foi fácil; era guerra “a sério”!
Depois do “soro” bem espremido e os queijinhos todos dentro dos cinchos, a
minha Tia Ermelinda ditava a resposta. Claro, a maior parte do texto era sempre
igual e eu adiantava-me. Para o final, “lavada” em lágrimas, lá me ditava o que
lhe ia na alma.
A sério, naquele tempo em que lia notícias da
Guerra do Vietname no “O Século” do Ti Álvaro, não havia opção ao que
configurava, estar “a bem com a nação”. A alternativa era “saltar”. Aqui, o
“saltar” não tinha nada a ver com “saltar-à-corda” ou “saltar-ao-eixo”. Era ir
embora, “dar-de-frosques”, “ir à vida”, enfim; emigrar clandestinamente.
A sério! Clandestinamente porque para atravessar
a fronteira e pôr o pezinho em Espanha, era preciso passaporte e, para se
conseguir, era o “cabo dos trabalhos” e a PIDE não brincava em serviço. Ou bem
que era ditadura “a sério”, ou então, que acelerassem o “25 de abril”.
A sério! Se saltássemos cinquenta e muitos de
tempo contado em anos p’ra frente, com água sempre a correr na bica do chafariz
e no Rio das Sesmarias por debaixo da “Ponte da Colónia”, seria “à séria”! Sim,
agora, cá à frente, depois da troika, da deflação, dos cortes nos ordenados,
nas pensões, nos subsídios de férias e de Natal, virou moda adjetivar esta
expressão no feminino.
Mas porque agora se diz, “à séria” e não, “a
sério”?
Procurei em todos os “cantinhos”, mas não tem
nada a ver com o acordo ortográfico.
Provavelmente, alguns dos que defendem uma
“cruzada”, “à séria”, contra o acordo, ficariam satisfeitos se voltássemos a
escrever “pharmácia” em vez de “farmácia”, mas, esta coisa anda para a frente e
já não temos “império”, quanto mais propriedade da “língua”. A língua é património
dos falantes e não de nenhum país em particular. É curioso saber que, por
exemplo, alguns brasileiros também são contra o acordo. Na maioria dos casos,
as razões são as mesmas, só que, ao contrário.
Bem, deixemo-nos de acordos e desacordos, e bem
guardadinho numa prateleira da memória, “O Século” do Ti Álvaro e, agora, a
“sério”, lembremo-nos que estamos a caminhar rapidamente para mais uma ida às
“urnas”.
Terão os
abrunhenses condições e vontade para avaliar a “seriedade” dos candidatos que
se vão propor?
Saberão os
abrunhenses quem são, donde vêm e que capacidade têm para fazerem aquilo que
prometem?
Estarão os
abrunhenses dispostos a dar o voto e uma palmada nas costas a quem nunca lhes
deu nada?
Votarão os
abrunhenses em “listas” elaboradas, só, segundo critérios partidários, sem que,
as suas necessidades e a sua opinião, sejam levadas em conta?
Gostarão os
abrunhenses de tornarem a votar numa “união” de freguesias descaracterizada e
incapaz de se aproximar do “Freguês”, em vez de escolher o seu Órgão Autárquico
de proximidade; a Junta de Freguesia de São Pedro de Penaferrim?
A “sério” que não é difícil responder a todas
estas perguntas. A agregação destas três freguesias levada a cabo pelo anterior
governo do PSD/CDS e votada em Assembleia Municipal, é uma autêntica aberração.
Admito que, em vez de três, com alterações aos limites anteriormente
existentes, pudessem passar a ser duas. Agora, assim, como foi, não!
O que mais me “engalinha”, a “sério”, é não ter
sido feito nada para corrigir a situação a tempo das próximas eleições.
Silvestre
Félix
3 de julho
de 2017
Tags:
Abrunheira, Ti Álvaro