Jardim do Bairro da Colónia - Silvestre - 1973 |
Em tempo
passado, corrido e contado em anos, irão, pelo menos, uns quarenta e um. É
verdade, ainda vivíamos no regime do “botas”
que já não era, embora, na fase final duma “primavera”
que nunca chegou a ser. Mil novecentos e setenta e três, derradeiros anos do
terceiro quartel do já longínquo século vinte. No ano anterior – setenta e dois – tinham acontecido os Olímpicos de Munique e, por isso, por
esses caminhos acima até ao “novo” Bairro da Colónia, levei o meu rádio,
gravador e leitor de cassetes pirata e sem serem, dentro do saquinho branco com
o símbolo olímpico e escrito “Munique “72”.
Quem vai por
esses caminhos acima também vem por esses caminhos abaixo. Realmente vim, mas
depois de muita “praga” ter atirado à
corvina. Sim, corvina! Aquele peixe muito bom que, nos últimos tempos, anda
fugido das nossas peixarias. Em setenta e três do século passado – ano do III Congresso da Oposição Democrática
em Aveiro que a PIDE-DGS desavergonhadamente invadiu – penso que por volta
de Abril, o Caravaca-Pai – Guarda prisional dos antigos – desafiou alguns
amigos do Caravaca-filho para se fazer
a “folha” a uma cabeçorra de corvina
cozida. E então lá fui por aí acima com os do costume, estrear a casa nova do Caravaca que, até aí, morava, como
muitos outros guardas prisionais da Colónia,
na Abrunheira, junto ao Chico Cobeca,
no início da Travessa do Norte.
“Maldita corvina!” Então, não é que, com
o que lhe juntei de bebida, talvez vinho branco ou verde-branco fresco, armou
um sarilho alcoólico-intestinal que me ia desfazendo todo em vómito e diarreia
como nunca antes nem depois experimentara. “Maldita
corvina” foi o que mais repeti cambaleando no bonito jardim e boca d’água
do “Novo bairro da Colónia” de mil
novecentos e setenta e três quando, ainda, a dois passos do Chiado, a PIDE-DGS torturava o operário, a doméstica ou o intelectual, só
porque a linha de pensamento divergia e eu, duma “janela dum terceiro andar” que, com o Tejo como espelho, conseguia
ver todo o mundo pelo lado dos dezoito anos que nunca mais voltaram.
Desde essa
época, em anos o tempo conta quarenta e um e, pelo menos, durante metade,
quando pelos caminhos acima ou abaixo, vamos ou vimos pela Colónia – sempre com muito cuidado como a minha
querida Mãe dizia quando, em tempo contado para trás em anos seriam dez, onze
ou doze e me deixava conduzir pela burra Carocha, pela ternurenta vaca Bonita, pela
Marcina, pela Estrela e por outras que os nomes voltavam por passarem de mães
leiteiras e parideiras para vitelas filhas e criadas com tanto amor pela Ti
Augusta, que muita tristeza se abatia lá por casa quando o destino se cumpria e
o Fachadas ou outro qualquer comprador se abeirava e carregava o animal – revolve-me
o estomago mas não por causa da “corvina”
nem do branco maduro ou verde fresco. O “Bairro
da Colónia” está velho e abandonado de manutenção e arranjos básicos. As
velhas moradias, por exemplo a do “guarda”
Vicente, há muito que “desistiram” e telhados ou paredes se
deixaram cair, os prédios – como o do
Caravaca – de mil novecentos e setenta e dois e setenta e três, vão pelo
mesmo caminho se não lhe puserem “a mão”
rapidamente.
O antes “novo” e agora “velho” Bairro da Colónia,
está como este País, a cair aos bocados no meio duma revolta estomacal só que,
agora, a culpa não é da “maldita corvina”,
mas sim, da
“Maldita corja!”
Silvestre Félix
Meu caro, é sempre com muito entusiasmo que leio as suas histórias, porque também conduzem às minhas. Também tive uma vaca chamada Estrela, o pombo fidalgo e a pomba cachucha. Os caminhos e as casa novas que se tornaram velhas. Hoje, quando passar no Bairro da Colónia, reviverei o seu texto e as casas quase em ruínas que, sendo do Estado, não são reparadas para melhor usufruto de quem lá mora. Um abraço e saudação pelo texto.
ResponderEliminarObrigado, Amigo Castelo.
EliminarEles bem querem que nos habituemos a esta política ruinosa... "tem dias" que dúvidas se acomodam. Resistir é o mote!
Abração!