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quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

COMO É QUE SE CHAMA ESTA FRUTA?

A perícia com que escolhia as cebolas e as dispunha por tamanhos, qual calibrador moderno e automático; o cuidado a tirar as “cascas” velhas, cortar “direitinho” os tufos de raízes e folhas inúteis da planta; a arte, precisa, com que entrançava as folhas secas ao centro, e fazia com que as cebolas ficassem agarradas, umas, a seguir às outras e, assim, em pouco tempo, construía a obra perfeita denominada—“réstia”.

Peça única, incluindo a dose certa de “marketing” acoplado, traduzido na beleza que irradiava, aos olhos dos potenciais consumidores ou, eventualmente, compradores – sim, porque, tendo o meu saudoso Pai, partido desta vida, vai para trinta e nove de tempo contado em anos, quando se dedicava com esmero e profissionalismo à arte de hortelão e agricultor, não carecia de emitir fatura eletrónica, para poder trocar o excedente.

Não preciso de “pretextos” para falar do meu Pai, mas, esta descrição da “construção” de uma réstia de cebola é, demonstrativa, de como o “Zé Silvestre” lidava com a sua arte. Eu, muito miúdo, ficava horas a vê-lo, sentado no chão em cima duma sarapilheira, numa qualquer tarde de março (marçagão, de manhã inverno e à tarde verão), dando as voltas todas às cebolas ou alhos, até concluir o produto final que, eu, “puto”, achava do mais prefeito, e era!

Há uns dias, numa “catedral” de consumismo aqui perto, onde eu também vou, perguntava um miúdo para a mãe que, com o desespero da falta de tempo e cuidado, ao escolher umas cebolas numa “piscina” delas, a granel, deixou cair duas pelo chão que, rebolando, pareciam ganhar velocidade em excesso, correndo, até, o risco de serem multadas por algum “polícia” escondido atrás dos outros caixotes que, por ali, estão estacionados.

— Oh mãe, como é que se chama esta “fruta”?
— Chama-se cebola, filho!

A mãe, com vinte e poucos anos de idade, respondeu duma maneira muito crente. Não hesitou, e achou que falou certo. O filho não tinha mais do que cinco anos e, como é normal, voltou à “carga”.

— Oh mãe, como é que se chama a árvore que dá a cebola?

Mais uma vez, a mãe, “certíssima” do que estava a dizer, respondeu:

— Nunca vi nenhuma, mas acho que é “Ceboleira”!

Já não se fazem réstias de cebolas…

E o meu Pai preparava o canteiro, muito direitinho, bem estrumado e deitava-lhe a semente. Alguns dias, e os pontinhos verdes do “cebolo” começavam a despontar e, rapidamente subiam até um palmo. Por essa altura, começava a arrancar as pequenas plantas e separava-as em “centos” (cem unidades), atados com umas folhas muito compridas duma planta do nosso Rio das Sesmarias. As primeiras, quase sempre, eram as que ele precisava para plantar e, mais tarde, colher cebolas. Os restantes “cebolinhos” distribuía por algumas pessoas e, se ainda sobrassem, o próximo mercado de São Pedro tratava de os absorver. 

Já não se fazem réstias de cebolas… e muitas outras coisas. Mudam tudo. “Pelo andar da carruagem”, as tardes soalheiras serão transformadas em permanente “lusco-fusco” de modo a que, nem de uma réstia de sol, a “gente” possa beneficiar. 

Silvestre Félix

14 de janeiro de 2015 
(Foto: Google)