A perícia
com que escolhia as cebolas e as dispunha por tamanhos, qual calibrador moderno
e automático; o cuidado a tirar as “cascas”
velhas, cortar “direitinho” os tufos de raízes e folhas inúteis da planta; a arte,
precisa, com que entrançava as folhas secas ao centro, e fazia com que as
cebolas ficassem agarradas, umas, a seguir às outras e, assim, em pouco tempo,
construía a obra perfeita denominada—“réstia”.
Peça única, incluindo a dose certa
de “marketing” acoplado, traduzido na
beleza que irradiava, aos olhos dos potenciais consumidores ou, eventualmente,
compradores – sim, porque, tendo o meu saudoso Pai, partido desta vida, vai
para trinta e nove de tempo contado em anos, quando se dedicava com esmero e
profissionalismo à arte de hortelão e agricultor, não carecia de emitir fatura
eletrónica, para poder trocar o excedente.
Não preciso
de “pretextos” para falar do meu Pai, mas, esta descrição da “construção” de uma réstia
de cebola é,
demonstrativa, de como o “Zé Silvestre”
lidava com a sua arte. Eu, muito miúdo, ficava horas a vê-lo, sentado no chão
em cima duma sarapilheira, numa qualquer tarde de março (marçagão, de manhã inverno e à tarde verão), dando as voltas todas
às cebolas ou alhos, até concluir o produto final que, eu, “puto”, achava do
mais prefeito, e era!
Há uns dias,
numa “catedral” de consumismo aqui
perto, onde eu também vou, perguntava um miúdo para a mãe que, com o desespero
da falta de tempo e cuidado, ao escolher umas cebolas numa “piscina” delas, a granel, deixou cair
duas pelo chão que, rebolando, pareciam ganhar velocidade em excesso, correndo,
até, o risco de serem multadas por algum “polícia” escondido atrás dos outros
caixotes que, por ali, estão estacionados.
— Oh mãe,
como é que se chama esta “fruta”?
— Chama-se
cebola, filho!
A mãe, com
vinte e poucos anos de idade, respondeu duma maneira muito crente. Não hesitou,
e achou que falou certo. O filho não tinha mais do que cinco anos e, como é
normal, voltou à “carga”.
— Oh mãe,
como é que se chama a árvore que dá a cebola?
Mais uma
vez, a mãe, “certíssima” do que
estava a dizer, respondeu:
— Nunca vi
nenhuma, mas acho que é “Ceboleira”!
Já não se
fazem réstias de cebolas…
E o meu Pai
preparava o canteiro, muito direitinho, bem estrumado e deitava-lhe a semente.
Alguns dias, e os pontinhos verdes do “cebolo”
começavam a despontar e, rapidamente subiam até um palmo. Por essa altura, começava
a arrancar as pequenas plantas e separava-as em “centos” (cem unidades),
atados com umas folhas muito compridas duma planta do nosso Rio das Sesmarias. As primeiras, quase
sempre, eram as que ele precisava para plantar e, mais tarde, colher cebolas.
Os restantes “cebolinhos” distribuía
por algumas pessoas e, se ainda sobrassem, o próximo mercado de São Pedro
tratava de os absorver.
Já não se
fazem réstias de cebolas… e muitas outras coisas.
Mudam tudo. “Pelo andar da carruagem”,
as tardes soalheiras serão transformadas em permanente “lusco-fusco” de modo a que, nem de uma réstia de sol, a “gente” possa beneficiar.
Silvestre
Félix
14 de
janeiro de 2015
(Foto: Google)