quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

O MALTÊS, AS VACINAS E A ESPERANÇA

A Esperança é a última a morrer

Algumas vezes perguntei, mas das respostas não me lembro. “Maltês”, naquela época, para quem não sabia sequer da existência de Malta, que hoje é país independente e da União Europeia, só seria o que ainda se lê no dicionário da “Porto Editora” como sinónimo de; vadio, ocioso ou, trabalhador agrícola que anda de terra em terra prestando os seus serviços.

No caso dos abrunheirenses de há cinquenta ou sessenta de tempo contado em anos, excluindo a primeira hipótese de “Malta-país”, teria de ser uma das outras, mas qual? Não sei, mas um, que conheci, era divertido quando tinha uns copitos a mais, lá isso era.

O Silvestre Velho, contratava muitos “malteses”. Eram-no, porque andavam com a “trouxa-às-costas” e não tinham poiso certo. Ainda assim, rigoroso no trabalho como era, não lhe servia qualquer um e gostava que lhe aparecessem os que já conhecia. Só por muita necessidade ficava com desconhecidos.

A grande massa de mão-de-obra naquela época, devido à sazonalidade da atividade agrícola, baseava-se neste género de trabalhadores. Ainda tenho uma vaga ideia de os ver no pátio da casa. Eram bastantes homens e também havia ou outra mulher. A ideia que ainda vagueia por estes circuitos de neurónios acima e abaixo, inclui o meu avô, no meio, dando-lhes indicações para onde deviam ir trabalhar.

Mas de quem quero falar é do Ti António Maltês, sendo que o segundo nome era mesmo alcunha. Nunca percebi porque tinha aquela alcunha. Ele era pedreiro e acho até, mestre do ofício. Ora, esta realidade profissional não se encaixa no deambular dum “maltês”. Será que noutros tempos o teria feito? Não sei!

O Ti António era uma pessoa discreta e, para a época, até reservada. Ou seja, não passava pelas tabernas todos os dias e muito menos por lá fazia serões de “copos”. Mas, de quando em vez, provavelmente com as sobras do almoço, metia um tintol a mais e, ao final do dia, passava pela taberna e, numa fase posterior, pelo café do Manel e também pelo Cabaço, transformando-se completamente.

De reservado, passava a extremamente extrovertido e divertido. Cantava, assobiava, cantava e até tocava “gaita-de-beiços”. Ainda mais brincava quando pelo Carnaval passava. O Ti António embarcava muitas vezes no “Enterro-do-Bacalhau” com o Rafael Coxo e companhia, mas assim que acabava o desfile, nunca mais ninguém o via. Uma ou outra vez, arrastava o irmão Vandelino, também muito engraçado com um copito a mais. Desta participação, contei   num escrito aqui, a propósito do Carnaval daquele ano de 2013 (https://largodochafarizaosol.blogspot.com/2013/02/ ). Para além de cantar, dançar e tocar a gaita, ele escrevia os versos com que animava o pessoal; era um poeta popular!

Tenho pena de não ter decorado algumas dessas quadras. Algumas eram dedicadas à sua mulher Catalina e, a maior parte, à sua filha, genro e neto que estavam em Moçambique, dobrando-lhe as saudades e a angústia pela falta.

Também neste ano de vinte e um a dobrar, e tão estranho que nem de Carnaval nos lembramos, a angústia tomou conta de nós. Invade-nos o medo e domina-nos o pensamento pela recuperação dos nossos doentes, quando a sinistra, ronda de “gadanha” em punho com o malvado propósito de os ceifar desta vida.

E os dias de folguedo vazio e oco, no meio da pandemia, estariam a chegar, que fazemos?

Esperamos pela extinção dum bicharoco que desafia o mundo e todos os poderes a ele associados. Esperamos que as vacinas, que de grande negócio se enchem, consigam fazer o trabalho para que nos “curvemos” à força do capital.

Ainda assim, que a curvatura seja verde, porque “a esperança, é a última a morrer”.

Silvestre Brandão Félix

10 de fevereiro de 2021

Foto: Esperança (Google-Project Draft)

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

AS TRÊS FREGUESIAS E OS ELEITOS

 

Palácio da Pena (google)

Tenho todo o respeito pelo trabalho dos eleitos nos Órgãos executivo e deliberativo da União das Freguesias de Sintra. Os cidadãos que os compõem, merecem toda a minha consideração pelas funções que desempenham e pelo que representam na estrutura democrática das, SUBLINHO, das, três freguesias.

A propósito do texto publicado aqui no passado domingo, devo esclarecer que reconheço muita coragem e mérito aos responsáveis pela gestão do executivo da União, nestes dois mandatos.

Só que, para se cumprir a necessária política de proximidade duma Junta de Freguesia, têm de existir alguns pressupostos que a situação criada em 2013, anulou completamente.

Faltam poucos meses para as próximas eleições autárquicas. Parece-me que as forças representadas na Assembleia de Freguesia, estão confortáveis com a atual União ou, pelo menos, aos olhos da população, assim parece.

Evidentemente que será difícil esperar que os promotores e apoiantes da agregação em 2013, venham agora trabalhar para o contrário, já os outros, entretanto, deviam ter tudo pronto para concretizar a desagregação, mesmo que depois pudessem propor alterações aos limites de cada uma das três, mas pelo que consigo perceber, não é bem assim.

Insisto! No que vou vendo e ouvindo, até parece ser um problema inexistente e nem como tema de reflexão é abordado. É assim, como se fosse tabu!

Sobre a prometida desagregação, que explicação as forças políticas promitentes com assento nos Órgãos da União, vão dar às populações das três freguesias?

Silvestre Brandão Félix

26 de janeiro de 2021

domingo, 24 de janeiro de 2021

CHICO DA BELOURA, CALADINHO E A UNIÃO

 


Àquela hora, não era normal o Chico da Beloura estar ali, pensou e admirou-se o Ti J’aquim Artista que do servicinho à chuva, vinha. O sol ainda não se via por cima da casa do Silvestre Velho. É certo que ainda era janeiro, portanto nunca (o sol) subiria muito, mas, ainda assim, cedo marcava o batente lá de casa.

— Eh! Chico! Bom dia! Então, já mungiste o rebanho todo?

— Bom dia Ti J’aquim! Já! E por isso mesmo é que me encontra aqui a esta hora. Dei por falta de três ovelhas e, logo se fez dia, “desatei” à procura delas.

— Então e vieste logo por aqui? Ainda se te lembrasses de trazeres uns queijinhos frescos, mas assim, a seco?

— Vim direito do Casal da Beloura para aqui, indo o janeiro tão seco, podiam ter tido sede e vir ao Santo António, mas não! Por aqui não estão. Agora vou dar a volta pelos “Celões”, “Campo da Colónia” e pelo caminho até ao Linhô. Onde raio se terão metido.

— Oh! Chico, mas também podiam ter ido pelo caminho da Capa Rota até à Azenha do Ti Sebastião e Manique ou subindo pelas Maçarocas até ao Casal da Peça.

O sol de inverno, começava a despontar por cima da casa do Silvestre Velho. Nos últimos tempos, toda a gente percebia que alguma coisa não ia bem com o velhote. Não se deixava ver. A idade não perdoa e não demoraria muito a ir até ao “Alto-da-Bonita”.

À mesma hora, no lugar de cima, encostado à esquina da taberna do Ramos, lá estava o “observador” de nome Calado, mas que todos chamavam “Caladinho”, visto, raramente falar. Os seus sentidos mais apurados eram o ouvido e o olhar e havia quem dissesse que também o olfato, tal era o apuro com que lhe “cheirava” a fatiotas e gabardines cinzentas. Das poucas vezes que falava ou sussurrava com os colegas da fábrica, não parava de olhar em volta. Em jeito de aviso, dizia aos amigos — cuidado com o que dizem porque “as paredes têm ouvidos”.

Do lado do “Olival”, vindo da pedreira do Ti Miguel, aproximou-se o Coutinho que era Bernardino, que nunca entendeu a maior parte do discurso do Caladinho. Ia meter pela goela, um de três, tinto, mas antes, cumprimentou o amigo e perguntou-lhe pelas novidades.   

— Oh, Bernardino que não és Coutinho, novidades a bem dizer, não tenho. Com tudo censurado com o “lápis-azul”, é muito difícil haver novidades antes da distribuição da “folha-do-costume”.

— Mas oh, “Caladinho”, o “Rio-das-Sesmarias” disse-me, quando lá passei, que o Presidente da Junta ia mudar de sítio. Então isso não é uma novidade?

— Chiu!! (sussurra o “Caladinho”) Fala baixinho!! Tens de ter cuidado porque a “bufaria” não desarma e Caxias não fica assim tão longe. Sim! Eu sei dessa mudança, mas isso não é no nosso tempo.

— Não é agora? Então como é que o “Rio-das-Sesmarias” sabe?

— Sabe, porque ele, “O Rio-das-Sesmarias”, é eterno e ainda não para de “correr” em frente. É certo que vão querer dar cabo dele, vão querer roubar a água das suas nascentes, mas ele, como sabe o futuro, em cada “tempo” vai reagindo e contrariando essas maléficas intenções.

— Oh! “Caladinho”, se ele sabe o futuro, porque não diz ao Chico da Beloura, onde estão as ovelhas tresmalhadas?

— Coutinho que és Bernardino, não podes comparar a gestão do rebanho de ovelhas do Chico, com a importância do “apagamento” da Freguesia de S. Pedro de Penaferrim que, ainda assim, só vai acontecer lá muito mais para a frente. Antes disso, o “Botas” vai cair duma cadeira, vão inventar uma “primavera” que nunca acontecerá, os “bufos” e a Pide vão mudar de nome, mas continuarão perseguindo antifascistas, os “reservistas” vão trocar a cor do lápis, mas continuarão a censurar, e num “abril”, “depois-do-Adeus” e de “Grândola-Vila-Morena”, os “figurões” irão dentro e o povo sairá à rua em “liberdade”. Logo de seguida, a “Guerra-das-Áfricas” acabará e os soldados virão para casa.

— Oh! “Caladinho”, com tanta coisa, até fiquei engasgado! Como é que sabes tudo isso? Eu cá a mim, parece-me que é tudo bom!

— Não és só tu, Bernardino que não és Coutinho, que conversas com o nosso amigo “Rio-das-Sesmarias”.

— Está bem, pronto! Então, mas com essas coisas todas que disseste, para onde irá o Presidente da Junta de São Pedro de Penaferrim?

— Bom, depois de tudo aquilo e no caso de não se verificar a profecia que tantas vezes oiço; “a dois mil chegarás, de dois mil não passarás”, vai aparecer um novo “figurão” — sim, porque essas sementes de má índole, “rebentam” de vez em quando — que inventará, contra os interesses das populações e no meio de um “mandato”, uma fórmula matemática com régua e esquadro, para diminuir a quantidade de “freguesias”.

— Então, “Caladinho”, queres tu dizer que a nossa freguesia vai acabar?

— Oficialmente não, mas na prática, sim! O pior é que não vão perguntar nada a ninguém. Cozinham lá a coisa nas assembleias e nos executivos e o povo, “népia”! Nada lhes vai ser perguntado. Alguns, vão prometer reverter a situação logo seja possível, mas acho que depois, quando o povo lhes pedir explicações, não se vão lembrar dessas promessas e assobiarão para o lado.

— Bom, voltando ao nosso tempo, será que o Chico da Beloura já achou as ovelhas?

— Não sei, Coutinho que és Bernardino, mas se não as encontrou, vai encontrar. Por enquanto, ainda se consegue ser “Prior nesta freguesia”. A estória das ovelhas fui eu que inventei só para dar início ao escrito porque até agora e por mais algum tempo, “todos os caminhos vêm dar à Abrunheira”.

Mas que esta “União” não encaixa, lá isso não!

 

Abrunheira, 24 janeiro de 2021 (Dia de eleições presidenciais)

Silvestre Brandão Félix

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

AQUELA SOPA DE FEIJÃO E OUTRAS COISAS BOAS

 

Continuando pelas minhas “lembranças de janeiro”, venho dar conta de que aquela sopa de feijão era única e, do pouco que recordo da minha Avó Gertrudes — exatamente, a que fazia aquelas batatas cozidas com bacalhau que o “Sapateiro-de-Manique” comia e chorava por mais ( https://largodochafarizaosol.blogspot.com/2011/03/por-esses-caminhos-acima.html ) — ficou-me aquele sabor que nunca mais voltei a encontrar nas minhas andanças gastronómicas.

Até que, há dias, comendo a sopa por mim feita
, as “papilas” da esquerda alta, comunicaram às “brumas” da minha cansada memória, que tinham descoberto aquele gosto que eu tanto adorava, lá pelos meus 4/5 anos de idade, quando visitava os meus avós paternos.

“lembraduras” que contornam os caminhos naturais dos neurónios guarnecidos pela encefálica massa, depois de se fazerem disparar dos ficheiros arrumadinhos, para a luz dos nossos dias. É muito difícil acreditar que, “por dá cá aquela palha”, me lembre do gosto da sopa da minha avó Gertrudes.

Não há explicação simples, mas é a verdade! Com certeza, um bom (ou boa) especialista na matéria — memória gustativa — saberá e, duma maneira muito técnica, transmitirá sapientemente a sua teoria.

A minha Mãe, quando queria convencer-me a comer a sopa, tentava apelar à fama da sopa da avó Gertrudes, mas nunca tinha êxito porque, na realidade, não tinha nada a ver e agora, sem querer, vem-me à memória — não uma frase batida — aquela sopa tão especial.

Pensarão alguns, que por curiosidade estão a ler o texto: Mas que interesse tem, para a sociedade, o sabor da sopa da avó deste gajo?

Não posso deixar de lhes dar alguma razão. Só que, numa época em que a vertente pessimista, negativa, maldosa e… por aí fora, é valorizada acima de tudo o resto, é reconfortante lembrar-me de coisas boas. Tanto quanto sei, a minha avó Gertrudes era uma boa pessoa e a sua sopa de feijão, espetacular.

Por isso, meus queridos amigos e amigas, como forma de compensar as desgraças que nos estão a cair em cima e a forma como constantemente nos lembram delas (das desgraças), evitem beber “veneno” ao pequeno-almoço, procurem as coisas boas, o lado positivo dos outros e tenham esperança no futuro.

Para que, “tudo-corra-bem”, devemos ficar em casa e, porque não, confecionar uma ótima sopa de feijão.

Silvestre Brandão Félix

22 de janeiro de 2021

Foto: Sopa de feijão (google)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

LEMBRANÇAS DE JANEIRO E A ESPERANÇA

(Barbeiro-Paulo Martinho, Cliente-Tomás, Ajudante-João Sousa, Outro Cliente-Silvestre Félix)
O nosso mês de janeiro é invernoso e, por isso, frio, molhado e com dias pequeninos. Contudo, não tem só coisas desagradáveis, também é o mês em que começam a crescer os dias. Até ao fim, “oferece-nos” uma hora de luz. Muito à conta da “luz” — sempre a aumentar — traz-nos esperança! 

Em janeiro, também muitas coisas boas aconteceram. O calendário do mês ao longo do tempo, está a abarrotar de coisas boas assinaladas, mas, evidentemente, também menos boas ou mesmo más. 

Para mim, com tempo passado e contado em anos, que já vai para além do suficiente para ser reformado, idoso ou com a designação moderna “sénior”, o janeiro é sempre o começo de qualquer coisa. 

Este, mesmo com um inimigo à solta, sempre pronto a atacar o que tiver a jeito ou distraído, não deixa de não ser o começo do ano em que vamos dar cabo dele. 

Num outro janeiro, lá muito atrás, acreditamos num mundo novo. O vento revolucionário varria os nossos corações. As “lembranças”, que tenho bem arrumadas, transportam-me a uma comunhão de “interesses” que uniu esforços para o bem da população da Abrunheira. 

A confirmar esta minha carga de esperança, neste preciso momento, está a acontecer a tomada de posse do novo Presidente dos USA. Também este evento está carregado de esperança. 

“As Lembranças daquele janeiro”, são tónico para acreditar no futuro e afastar, com vigor, as más energias.


Silvestre Brandão Félix 
Abrunheira, 20 de janeiro de 2021 
Foto: Inauguração pavilhão URCA (18.04.1976)

segunda-feira, 6 de julho de 2020

A BOLA, A SOCIEDADE ANTES DA URCA E OS FUNDADORES

Panorâmica da Abrunheira 

Aqui, também se jogava à bola. Pelo vale encaixado entre Santa Eufémia com a Cruz Alta e a colina do Casal da Peça com o Cabeço de Manique, bem vincado no leito do Rio das Sesmarias, quando engrossado era, pelas águas nascidas no “Penedo”, acima de Vale de Porcas; pela “Chancuda”, mesmo atrás do Chafariz da Charneca que a D. Maria, a primeira, abençoou; pela barrenta que nascia nos “Barros”, muito longe de se adivinhar a feitura de jornais e revistas que falam coisas e algumas verdades; pela enchida, até deitar por fora, Mina do Lavadouro que primeiro dava de beber a esse “Lavadouro”, primeira versão de “rede-social” cá no sítio que ainda não era “site” e, em cima, o poço da bica do Santo António, tudo paredes-meias com as Hortas do Ti Mendes dum lado e do Ti Manel da Virgínia, do outro e, lá mais à frente, vinda de cima, corre a nascida junto à Quinta do Anjinho que vem depressa e até teve honra de túnel sob o autoestrada, ao contrário da antiga e “assassinada” — porque os habitantes pouco contam e nem lhes foi perguntado o que queriam — rua da Abrunheira ligando esta, a Ranholas, por onde a minha Mãe me levou tantas vezes, para o Mercado de São Pedro e, outras, até à “Casa-da-Serra” na Tapada do Roma, onde, ao cimo da ladeira, a minha avó Cândida nos esperava enquanto a Ti Franquelina já aprontava o café que cheirava e sabia, como nunca mais, noutro lugar, encontrei.

A seguir, todas as regueiras se juntam ao Das Sesmarias a chegar aos “Quatro-Donos”, rente à “Arroteia” no fundo dos Celões que, seguindo muito tempo em anos contados, havia de ser morada de condóminos bem resguardados com o nome da “Beloura” que já não é do Chico.

Retomando a bola e indo ao ponto que me levou, hoje, a despejar letras, palavras, pontos e vírgulas por aqui afora, recuo a pouco tempo depois de finada a II Guerra Mundial, quando rolava e voava a bola de cabedal que ao ouvido soava “catechum”, autêntico luxo comparado com as bolas de muitas meias enfiadas umas nas outras e, nesse caso, ideais para jogar de pé descalço no largo da Quinta do Olival onde também se festejava a inauguração da luz elétrica na Abrunheira que, por isso, se chama “Beco da Saudade” ou no verde do Carrascal, antes do Caracol, porque lá havia carrascos com fartura. A de “catechum” era bem dura para ser rematada com botas que ainda não eram “chuteiras” com pitons, mas que os abrunheirenses do Clube de Futebol, nas solas, aplicavam umas travessas para eliminar a lisura e travar a escorregadela.

Os, “cinquenta” se foram e os “sessenta” chegaram. Na mesma cadencia que outros portugueses, vindos de outras bandas, se iam instalando nesta terra de abrunheiros e zambujeiros com fartura. O Jorge Farpela estava a deixar de defender os postes da baliza dos futebolistas da Abrunheira que, em boa verdade, se resumia a uns solteiros e casados e pouco mais, sendo, os últimos anos, jogados no campo de futebol da Colónia.

À parte da estória, convém explicar que esta designação de “Colónia”, não é de férias — neste início dos anos vinte do século vinte e um, pós troika e em plena invasão de mais um “corona-vírus” que há cem anos, um antepassado direto, batizado “pneumónica” ou “gripe-espanhola”, limpou o cebo a mais de 50 milhões de indivíduos — como podem pensar, os Abrunheirenses ou Abrunhenses com menos de 40 anos, mas sim, prisão.

Era assim o nome antigo que agora se chama, “Estabelecimento Prisional de Sintra”. Bem sei que, fazendo fé e acreditando no saber do Dicionário da Porto Editora, “estabelecimento”, pode ser uma “instituição”, como é o caso. Para mim, estabelecimento, será sempre uma mercearia, taberna, ou qualquer outra loja com montra e tudo. Aqui, neste “estabelecimento”, a montra até seria uma péssima ideia porque tudo o que o rodeia, está a cair aos bocados. Só visto, porque contado, ninguém acredita. Os prédios do bairro e todas as moradias onde habitam guardas prisionais, estão num estado de quase ruína e outras já há muito, caíram.

Bom, voltando ao Jorge Farpela. Com as botas já a pesarem-lhe, deixou-se ficar, e bem, pela colaboração na direção da “Sociedade”. Organizavam, ele e mais alguns, uns bailaricos com as imperdíveis atuações do Ti João Baleia, do jovem filho Augusto, do Adelino Baleia, do Ti Faneca  (https://largodochafarizaosol.blogspot.com/2011/03/um-corridinho.html) e um dos seus filhos. O Jorge Farpela e o meu tio Rafael, que tantas vezes por aqui tenho escrito a seu propósito, faziam a gestão da “Sociedade” à sua maneira.

Com a chegada da televisão, a “Sociedade” passou a ter trabalho todos os dias e a presença deles os dois e mais alguns que a memória me “roubou”, era assídua. Portanto, da bola, se encarregavam outros abrunheirenses.

Antes de continuar, embora já o tenha dito e escrito muitas vezes, é importante lembrar mais uma vez — Faço o possível por referir factos e pessoas verdadeiras, mas muito tempo contado em anos já por mim passaram, pelo que, o “arquivo” já não está nas melhores condições; ou as letras estão sumidas, ou não entendo bem a caligrafia, ou as pilhas dos neurónios estão gastas, enfim, são muitas as razões que me levam a manter um antigo litígio com a “lembradura” de nomes de pessoas e lugares, levando-me a fazer umas trocas, a esquecer-me e a inventar outras. Espero que me desculpem.

Feito o “relembro”, voltamos ao futebol. À frente da baliza dos abrunheirenses futebolistas, estava, e bem consolidado no lugar, o Zé Maria. Ele, jogador na posição de guarda-redes, mas também diretor, organizador, roupeiro, massagista e treinador. O Zé Maria, nos anos sessenta, foi realmente o grande impulsionador da criação da equipa de futebol da Abrunheira, naquela época, devidamente organizada e integrada no Grupo Desportivo da Abrunheira, como muito bem me lembrou o Zé Nascimento.

O Zé Maria, casado com a Dina, filha da Ti Maria (do Florindo) e, claro, do Ti Florindo. A Ti Maria do Florindo, de quem me recordo com muita saudade, era a “alma” do “Santo António”. Mau grado o desaparecimento precoce de alguns mais próximos, era uma mulher sempre com um sorriso nos lábios. O seu filho mais novo, Zé Manel Dionísio, é muito ativo aqui, nas redes sociais, onde nos cruzamos de vez em quando.

Voltando ao futebol e recuando aos anos cinquenta, é importante referir a chegada à Abrunheira de algumas famílias oriundas de outras regiões do país, designadamente da Beira Alta. É importante porque, mais tarde, os filhos dessas famílias, principalmente e de quem me lembro, os filhos do Alexandre Nascimento; David, António e o mais novo Zé e, do Zé da Cruz, o Francisco e o tio deste, o Martins, que vão ser decisivos para, em conjunto com o Zé Maria, o Carlos Jorge, filho mais velho da Deolinda e do Ti João Tirapicos, o João Balagueiras filho mais velho do Ti Balagueiras, guarda prisional da Colónia, O Baptista, que da mais alta “estrela” também desceu, e outros, desenvolverem e consolidarem o Grupo Desportivo da Abrunheira. A propósito, da mesma região beirã e na mesma altura, chegaria e assentaria morada na Abrunheira, o Zé “Celorico” e a mulher. O Ti Zé, era “artista” sapateiro e, durante muitos anos, exerceu a sua arte correspondendo à grande procura a que o Ti Jo’quim “Cagachuva”, não dava vencimento. O apelido “Celorico” assim seria, devido à sua origem de Celorico da Beira. Este casal não tinha filhos e pela segunda metade dos anos sessenta, fui encontrar o Ti Zé e com ele convivi alguns meses, na Fábrica de Plásticos Atil, onde tive o meu primeiro emprego durante cerca de seis meses.

O nosso campo de “casa” era o “pelado” da Colónia. Naquela época, a Colónia ainda não tinha bairro residencial. Só havia uma ou outra moradia, pelo que a maioria dos guardas morava na Abrunheira, mas também no Linhó e Ranholas. Na Abrunheira moravam muitos e, boa parte, acabaram por cá ficar e mais os seus descendentes. Deste grupo de Abrunheirenses, são alguns dos meus melhores amigos até hoje. Quero com isto dizer, que havia uma forte ligação da população da Abrunheira à Colónia, daí, o ser absolutamente natural a utilização deste campo de futebol.

Já nos anos sessenta e com o desenvolvimento industrial na zona, começaram a chegar cá outros futuros futebolistas vindos do Alentejo e da Madeira.

As fábricas começaram a aparecer em Mem Martins: A Adreta, a Resiquímica, a Comportel, a Messa, etc., etc., a Sincal e a Borracha Leacok, na Abrunheira.

Do Alentejo, devido às condições de vida adversas, muitas famílias inteiras trocaram o trabalho do campo por estas novas oportunidades e aqui se instalaram com os seus filhos. Passaram pela equipa de futebol, pelo menos, vários membros da família Lagarto que seguiram as pisadas do Gilberto, o Chico Cobecas e a entrar os “setenta” o Valentim, o Vicente, o Vítor “Negrete”, o Fernando e o Zé Marques talvez um pouco mais tarde, e outros.

Da Madeira, em virtude da construção da fábrica de borracha dum industrial madeirense — Leacok Rosa, Lda — que, por escassez de mão de obra no continente, de lá, da Madeira, trouxeram alguns especialistas e operários. Vieram com as famílias e com muitos filhos.

Da Madeira, também já pelos “setenta”, lembro-me do Virgílio (Jimmy), do Eleutério (autêntico craque), dos irmãos Sousa com o Bruno na baliza, do Costa e dos Pombos.
Que não se pense que os nascidos e criados na Abrunheira, não chutavam na bola. Todos, uns mais que outros, jogavam à bola. Até eu, o Rui, o Zé Fernando, os Pardais, o Julinho, o Vítor do eletricista e, principalmente o Mário. Ele era bom de bola e foi um grande entusiasta da secção desportiva da URCA, depois acompanhado pelo irmão Paulo.

Pelos últimos dias de 1974 e primeiros de 1975, muitas conversas se desenvolveram entre vários elementos do Grupo Desportivo, lembro-me bem do Chico Cruz e do António Nascimento, e do emergente Grupo Cultural. Muita força se fez para unir os dois grupos, de forma a não dispersar o esforço e a concentrar a capacidade de organização e de trabalho, numa única coletividade.  Foi assim que nasceu a URCA—UNIÃO RECREATIVA E CULTURAL DA ABRUNHEIRA a 3 janeiro de 1975.

Por esta altura já alguns craques jogavam pelos clubes a sério da zona; 1º de Dezembro, Mem Martins Sport Clube e, acho, até no Sintrense que na altura já militava na 2ª Divisão do Campeonato Nacional. Mais tarde, na passagem da década de setenta para oitenta, apareceu outra fornada de bons futebolistas. Por essa altura, a URCA teve uma equipa de futebol nos distritais.

Na verdade, a fundação desta nova coletividade, selou a UNIÃO dos abrunheirenses socialmente mais ativos.

São estes os fundadores da URCA. Onde andarão eles? Alguns, mais ligados ao futebol, conseguem encontrar-se e confraternizar, pelo menos uma vez por ano, mas… e os outros, os que não jogavam futebol, onde estão?

Há uns anos, garantiram-me e eu acreditei, que todo o acervo escrito de, pelo menos, duas décadas, desde a fundação, tinha desaparecido. Dezenas ou centenas de fotos, correspondência, livros de atas e outros documentos importantes da URCA e do projeto do Centro Social, ou seja, a história da coletividade e o legado dos fundadores, tinham sido “apagados”!

Esta época pandémica, completamente anacrónica, faz-nos refletir sobre a pouca valorização que atribuímos a coisas importantes da nossa vida. Só mais para a frente, damos conta disso.

O papel que tivemos naquele tempo, os desportistas e os mais dados à cultura e recreio, fundando e organizando a URCA e projetando e construindo os alicerces do Centro Social que, infelizmente, nunca avançou, foi muito importante, mas hoje, pouco ou nada resta!

Silvestre Brandão Félix
6 julho de 2020




sábado, 13 de junho de 2020

ALCACHOFRAS, CERRADO DA FONTE E O SANTO, O ANTÓNIO

Alcachofras no Cerrado-da-Fonte
Abrunheira - 06jun2020
Fosse eu conservador dum registo predial qualquer, e rebatizaria o “Cerrado da Fonte” para “Cerrado das Alcachofras”. Foi, “…da fonte”, que me ensinaram chamar-lhe ainda antes de roçar os fundilhos das calças, nas “carteiras” da antiga Escola da Abrunheira, mas devia ser “…das alcachofras”, tantas são, pela altura dos “santos” — sem respeitarem o distanciamento social nestes tempos dos “vinte” do “vinte-e-um” — no “Cerrado da fonte” e em tantos outros “cerrados” das bordas do nosso amigo “Rio das Sesmarias”.

Tantas vezes ouvi este nome, “Cerrado da Fonte” que, muito embora o meu eterno litígio com este lado do arquivo que guarda os nomes das coisas, sítios e pessoas, mil anos que viva, nunca o hei de esquecer. Ainda por cima, estava logo a seguir à “horta” por onde tantas vezes passava e passeava, umas vezes sozinho, outras acompanhado. Do lado de lá, estava (e está) o tanque de rega onde morava o meu Cágado “Manel”, pomposo nome para tão “rebaixado” ser, mas que eu adorava e ele a mim (https://largodochafarizaosol.blogspot.com/2018/03/cagado-que-naquela-epoca-se-chamava.html ), como noutros escritos eu tenho deixado bem vincado.   

Todos os dias, pelas mais variadas razões, ouvia alguém falar no “Cerrado da Fonte”. Muitas vezes, tantas quantas um “puto” daqueles anos 50/60 do antigo século vinte, numa boa terra como a abrasileirada — por via das aventuras do Coutinho que era Bernardino e do Borrego que não era Sacadura — Abrunheira, tinha tino e curiosidade para perguntar, porque raio lhe chamavam “fonte”, se não havia por lá nenhuma? Bom, na verdade, ainda hoje o mistério, para mim, se mantém. Sempre que por lá passo, repito, mentalmente, a pergunta; porquê, “…da fonte”? Onde esteve a fonte?

Naquele tempo também havia, com certeza, alcachofras, no Cerrado da Fonte. Só que, aquela área, tinhas outras ocupações por esta altura do ano, antes de se transformar em “eira” para debulha e enfardamento dos cereais do Silvestre-Velho e do “Sapateiro-de-Manique” trazer o rebanho para pisar bem a terra e de comer, que muito bem lhe sabia, as batatas com bacalhau que a minha avó Gertrudes fazia naquela ocasião; “oh patroa, o que pôs nas batatas que elas escorregam que é uma beleza”? Repetia do “Sapateiro-de-Manique”, enquanto metia à boca, garfadas atrás de garfadas de batatas e bacalhau.  

Antes disso, havia seara de trigo, cevada ou aveia, ondulada pelo vento que ali batia e bate e, por isso, as ditas alcachofras não sobressaíam porque serpenteavam por entre os caules que engrossavam e já formavam a espiga que, numa quinta-feira da “Ascensão”, se haviam juntado, num raminho, a lindas  papoilas vermelhas, malmequeres, outras belezas campestres e um triângulo de pão, para casa levado, ficando a fartura de comer garantida até ao ano seguinte.   
  
O forno de cal também estava calado. Nesta altura, este, descansava da sua labuta mais para o tempo frio que de calor, já bastava o braseiro da fornalha a muitos graus de temperatura para transformar pedra em alva cal. 

Neste dia 13 de junho, celebra-se o primeiro dos santos, o “António”, que é também o da Abrunheira. Por todo o lado, a “pandemia” lixou tudo, incluindo as comemorações dos Santos Populares, mas as alcachofras é que não se importam com isso. Com vírus, ou sem ele, elas aí estão para que não nos esqueçamos que é junho, a passagem para o verão.   

Silvestre Brandão Félix
13 junho de 2020