quarta-feira, 9 de março de 2011

POR ESSES CAMINHOS ACIMA…

Naquela época, “Por esses caminhos acima” chegávamos ao Linhó, aos Celões, a Ranholas e, mais perto e a direito, à Colónia. Hoje, só conseguimos chegar à Colónia ou, como se diz no papel, Estabelecimento Prisional de Sintra. E lá, muito tempo passado com anos contados em quatro paredes muito apertadas pela sociedade madrasta. Os homens feitos neste tempo enviesado e ausente de valores criados pela sua mão. Incapazes de fazer a curva do sucesso socialmente aceite.

Oh filho! Vê lá, tem cuidado, porque eles andam sempre por aí.

É verdade Mãe, eles andam sempre aí, mas não é só “por esses caminhos acima”, eles estão por todo o lado, nos sítios onde menos esperamos, aí estão eles.

Na maior parte das vezes estão ao pé de nós e não os vemos, tem ocasiões que até dizem que são nossos amigos e depois de contarmos dias, meses, anos se for preciso, olhamos duas vezes seguidas, «com olhos de ver…» sim, porque muitas vezes olhamos e não estamos a ver, e assim, «com olhos de ver», conseguimos descortinar que não são eles mas sim os outros, aqueles que a minha Mãe sempre me avisava:

Cuidado filho, não acredites sempre à primeira, tens de esperar o teu tempo, não vás de repente “por esses caminhos acima”.

O tempo vai sendo contado e muita água vai correndo pelo Rio das Sesmarias…. sempre a correr…. até quando não chove, ela, a água, corre…. corre, pelo Rio das Sesmarias, e, já no verão da vida, consigo também ver, «com olhos de ver», o contrário. É como se fosse um espelho ou como se conseguíssemos olhar para dentro de nós. Eu agora quero sempre olhar «com olhos de ver». A verdade dos sentimentos é tão firme e forte, como o leito do Rio das Sesmarias depois de assoreado para se lhe tirar a sujidade e as areias que mantinham a estrada principal da Abrunheira transitável. Ainda que só por lá passassem as carroças, os carros de bois e, uma vez por ano, a máquina debulhadora dos cereais produzidos pelas searas do meu Avô Silvestre (Velho).

O Sapateiro de Manique também tirava areia para marcar a eira que o seu rebanho de ovelhas, à custa de muita pisadela, ia fazer no Serrado da Fonte. E o bacalhau cozido com batatas que a minha Avó Gertrudes se encarregava de dispor para os comensais… e o Sapateiro de Manique, naquele ano e todos os anos antes e todos os anos depois… Oh patroa, o que é que pôs no bacalhau? Está cá um pitéu! Deite lá mais uma postinha… E, no Rio das Sesmarias, na linha de partida “por esses caminhos acima”, os princípios e os sentimentos só valem se forem como o seu leito: Profundo e limpo!

Assim conseguimos ser mais felizes e acreditar que podemos ir “Por esses caminhos acima”, mesmo que tenhamos de contornar os obstáculos da vida.

Silvestre Félix

2 comentários:

  1. Por estes textos acima se conta a historia desta Abruheira sentida nos anos 60 e 70....e outras, que a lembrança espelha-se nos dias de hoje pela diferença que os olhos vêem e sentem.....
    Abraço

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  2. Realmente consegues transmitir-nos aquilo ue foi a Abrunheira já lá vão alguns anos.POR ESSE RIO ACIMA POR ESSE RIO ABAIXO muitas coisas mudaram e continuarão a mudar.
    Neste momento o RIO DAS SESMARIAS,OS PRINCÍPIOS,OS SENTIMENTOS,estão pluídos.
    Têns razão quando dizes que só valem em leito limpo e profundo.

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