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domingo, 24 de janeiro de 2021

CHICO DA BELOURA, CALADINHO E A UNIÃO

 


Àquela hora, não era normal o Chico da Beloura estar ali, pensou e admirou-se o Ti J’aquim Artista que do servicinho à chuva, vinha. O sol ainda não se via por cima da casa do Silvestre Velho. É certo que ainda era janeiro, portanto nunca (o sol) subiria muito, mas, ainda assim, cedo marcava o batente lá de casa.

— Eh! Chico! Bom dia! Então, já mungiste o rebanho todo?

— Bom dia Ti J’aquim! Já! E por isso mesmo é que me encontra aqui a esta hora. Dei por falta de três ovelhas e, logo se fez dia, “desatei” à procura delas.

— Então e vieste logo por aqui? Ainda se te lembrasses de trazeres uns queijinhos frescos, mas assim, a seco?

— Vim direito do Casal da Beloura para aqui, indo o janeiro tão seco, podiam ter tido sede e vir ao Santo António, mas não! Por aqui não estão. Agora vou dar a volta pelos “Celões”, “Campo da Colónia” e pelo caminho até ao Linhô. Onde raio se terão metido.

— Oh! Chico, mas também podiam ter ido pelo caminho da Capa Rota até à Azenha do Ti Sebastião e Manique ou subindo pelas Maçarocas até ao Casal da Peça.

O sol de inverno, começava a despontar por cima da casa do Silvestre Velho. Nos últimos tempos, toda a gente percebia que alguma coisa não ia bem com o velhote. Não se deixava ver. A idade não perdoa e não demoraria muito a ir até ao “Alto-da-Bonita”.

À mesma hora, no lugar de cima, encostado à esquina da taberna do Ramos, lá estava o “observador” de nome Calado, mas que todos chamavam “Caladinho”, visto, raramente falar. Os seus sentidos mais apurados eram o ouvido e o olhar e havia quem dissesse que também o olfato, tal era o apuro com que lhe “cheirava” a fatiotas e gabardines cinzentas. Das poucas vezes que falava ou sussurrava com os colegas da fábrica, não parava de olhar em volta. Em jeito de aviso, dizia aos amigos — cuidado com o que dizem porque “as paredes têm ouvidos”.

Do lado do “Olival”, vindo da pedreira do Ti Miguel, aproximou-se o Coutinho que era Bernardino, que nunca entendeu a maior parte do discurso do Caladinho. Ia meter pela goela, um de três, tinto, mas antes, cumprimentou o amigo e perguntou-lhe pelas novidades.   

— Oh, Bernardino que não és Coutinho, novidades a bem dizer, não tenho. Com tudo censurado com o “lápis-azul”, é muito difícil haver novidades antes da distribuição da “folha-do-costume”.

— Mas oh, “Caladinho”, o “Rio-das-Sesmarias” disse-me, quando lá passei, que o Presidente da Junta ia mudar de sítio. Então isso não é uma novidade?

— Chiu!! (sussurra o “Caladinho”) Fala baixinho!! Tens de ter cuidado porque a “bufaria” não desarma e Caxias não fica assim tão longe. Sim! Eu sei dessa mudança, mas isso não é no nosso tempo.

— Não é agora? Então como é que o “Rio-das-Sesmarias” sabe?

— Sabe, porque ele, “O Rio-das-Sesmarias”, é eterno e ainda não para de “correr” em frente. É certo que vão querer dar cabo dele, vão querer roubar a água das suas nascentes, mas ele, como sabe o futuro, em cada “tempo” vai reagindo e contrariando essas maléficas intenções.

— Oh! “Caladinho”, se ele sabe o futuro, porque não diz ao Chico da Beloura, onde estão as ovelhas tresmalhadas?

— Coutinho que és Bernardino, não podes comparar a gestão do rebanho de ovelhas do Chico, com a importância do “apagamento” da Freguesia de S. Pedro de Penaferrim que, ainda assim, só vai acontecer lá muito mais para a frente. Antes disso, o “Botas” vai cair duma cadeira, vão inventar uma “primavera” que nunca acontecerá, os “bufos” e a Pide vão mudar de nome, mas continuarão perseguindo antifascistas, os “reservistas” vão trocar a cor do lápis, mas continuarão a censurar, e num “abril”, “depois-do-Adeus” e de “Grândola-Vila-Morena”, os “figurões” irão dentro e o povo sairá à rua em “liberdade”. Logo de seguida, a “Guerra-das-Áfricas” acabará e os soldados virão para casa.

— Oh! “Caladinho”, com tanta coisa, até fiquei engasgado! Como é que sabes tudo isso? Eu cá a mim, parece-me que é tudo bom!

— Não és só tu, Bernardino que não és Coutinho, que conversas com o nosso amigo “Rio-das-Sesmarias”.

— Está bem, pronto! Então, mas com essas coisas todas que disseste, para onde irá o Presidente da Junta de São Pedro de Penaferrim?

— Bom, depois de tudo aquilo e no caso de não se verificar a profecia que tantas vezes oiço; “a dois mil chegarás, de dois mil não passarás”, vai aparecer um novo “figurão” — sim, porque essas sementes de má índole, “rebentam” de vez em quando — que inventará, contra os interesses das populações e no meio de um “mandato”, uma fórmula matemática com régua e esquadro, para diminuir a quantidade de “freguesias”.

— Então, “Caladinho”, queres tu dizer que a nossa freguesia vai acabar?

— Oficialmente não, mas na prática, sim! O pior é que não vão perguntar nada a ninguém. Cozinham lá a coisa nas assembleias e nos executivos e o povo, “népia”! Nada lhes vai ser perguntado. Alguns, vão prometer reverter a situação logo seja possível, mas acho que depois, quando o povo lhes pedir explicações, não se vão lembrar dessas promessas e assobiarão para o lado.

— Bom, voltando ao nosso tempo, será que o Chico da Beloura já achou as ovelhas?

— Não sei, Coutinho que és Bernardino, mas se não as encontrou, vai encontrar. Por enquanto, ainda se consegue ser “Prior nesta freguesia”. A estória das ovelhas fui eu que inventei só para dar início ao escrito porque até agora e por mais algum tempo, “todos os caminhos vêm dar à Abrunheira”.

Mas que esta “União” não encaixa, lá isso não!

 

Abrunheira, 24 janeiro de 2021 (Dia de eleições presidenciais)

Silvestre Brandão Félix

domingo, 24 de junho de 2018

ENTRE AS BRUMAS DA MEMÓRIA


“Entre as brumas da memória”;

as boas sardinhas nas Festas de São Pedro, o caos no estacionamento à entrada, a bela “Juveniana”, agora, transformada num monte de entulho, a “Boa Viagem” a abarrotar até à Estação de Sintra e, agora, a scotturb 446 sempre vazia quando vai da Abrunheira, só para Chão de Meninos, as estórias do “Caga-à-Chuva” pelas manhãs de domingo à hora da missa, água corrente no Rio das Sesmarias e os pêssegos rosa da horta, as saborosas amoras no caminho para os “Celões”, as fogueiras dos “Santos” com as alcachofras a arder, o Sporting cativo de BdC, já era e a Junta de Freguesia do lado de cá, da Serra.

Mesmo agora, neste ano dezoito, cem depois do armistício da primeira, alguns dos campos sobrantes à roda da Terra onde o Coutinho que era Bernardino, levava os dias entre a Judite e a pedreira, seu laboratório exclusivo, onde desenvolvia as investigações, a coberto do único tratado alguma vez elaborado e compilado para a “Ciência da Pedra”, mesmo agora… dizia, ou melhor, escrevia; deparamos com ondas de lindo lilás que brota das dezenas ou centenas de alcachofras em flor. 
  
Se a flor da alcachofra, qual fénix reflorida, depois de queimada na fogueira do Santo devoto, o amor era verdadeiro com certeza.

Costumes que a memória guarda, com todas as incertezas do mundo.

Certo! Certo! Só outra coisa: O Bernardino que não era Coutinho era Cabouqueiro e tinha a “Ciência da Pedra”.

O resto, são palavras e leva-as o vento que, por cá, até sopra com fartura!

Silvestre Brandão Félix
24 de junho de 2018 (Dia de São João do lado de cá, da Serra)
Foto: Google