Àquela hora, não era normal o Chico da Beloura estar ali, pensou
e admirou-se o Ti J’aquim Artista que do servicinho à chuva, vinha. O sol ainda
não se via por cima da casa do Silvestre Velho. É certo que ainda era janeiro,
portanto nunca (o sol) subiria muito, mas, ainda assim, cedo marcava o batente
lá de casa.
— Eh! Chico! Bom dia! Então, já mungiste o rebanho todo?
— Bom dia Ti J’aquim! Já! E por isso mesmo é que me encontra
aqui a esta hora. Dei por falta de três ovelhas e, logo se fez dia, “desatei” à
procura delas.
— Então e vieste logo por aqui? Ainda se te lembrasses de
trazeres uns queijinhos frescos, mas assim, a seco?
— Vim direito do Casal da Beloura para aqui, indo o janeiro
tão seco, podiam ter tido sede e vir ao Santo António, mas não! Por aqui não
estão. Agora vou dar a volta pelos “Celões”, “Campo da Colónia” e pelo caminho
até ao Linhô. Onde raio se terão metido.
— Oh! Chico, mas também podiam ter ido pelo caminho da Capa
Rota até à Azenha do Ti Sebastião e Manique ou subindo pelas Maçarocas até ao
Casal da Peça.
O sol de inverno, começava a despontar por cima da casa do
Silvestre Velho. Nos últimos tempos, toda a gente percebia que alguma coisa não
ia bem com o velhote. Não se deixava ver. A idade não perdoa e não demoraria
muito a ir até ao “Alto-da-Bonita”.
À mesma hora, no lugar de cima, encostado à esquina da
taberna do Ramos, lá estava o “observador” de nome Calado, mas que todos
chamavam “Caladinho”, visto, raramente falar. Os seus sentidos mais apurados eram
o ouvido e o olhar e havia quem dissesse que também o olfato, tal era o apuro
com que lhe “cheirava” a fatiotas e gabardines cinzentas. Das poucas vezes que
falava ou sussurrava com os colegas da fábrica, não parava de olhar em volta.
Em jeito de aviso, dizia aos amigos — cuidado com o que dizem porque “as
paredes têm ouvidos”.
Do lado do “Olival”, vindo da pedreira do Ti Miguel, aproximou-se
o Coutinho que era Bernardino, que nunca entendeu a maior parte do discurso do
Caladinho. Ia meter pela goela, um de três, tinto, mas antes, cumprimentou o
amigo e perguntou-lhe pelas novidades.
— Oh, Bernardino que não és Coutinho, novidades a bem dizer,
não tenho. Com tudo censurado com o “lápis-azul”, é muito difícil haver
novidades antes da distribuição da “folha-do-costume”.
— Mas oh, “Caladinho”, o “Rio-das-Sesmarias” disse-me, quando
lá passei, que o Presidente da Junta ia mudar de sítio. Então isso não é uma
novidade?
— Chiu!! (sussurra o “Caladinho”) Fala baixinho!! Tens de ter
cuidado porque a “bufaria” não desarma e Caxias não fica assim tão longe. Sim!
Eu sei dessa mudança, mas isso não é no nosso tempo.
— Não é agora? Então como é que o “Rio-das-Sesmarias” sabe?
— Sabe, porque ele, “O Rio-das-Sesmarias”, é eterno e ainda
não para de “correr” em frente. É certo que vão querer dar cabo dele, vão
querer roubar a água das suas nascentes, mas ele, como sabe o futuro, em cada “tempo”
vai reagindo e contrariando essas maléficas intenções.
— Oh! “Caladinho”, se ele sabe o futuro, porque não diz ao
Chico da Beloura, onde estão as ovelhas tresmalhadas?
— Coutinho que és Bernardino, não podes comparar a gestão do
rebanho de ovelhas do Chico, com a importância do “apagamento” da Freguesia de
S. Pedro de Penaferrim que, ainda assim, só vai acontecer lá muito mais para a
frente. Antes disso, o “Botas” vai cair duma cadeira, vão inventar uma “primavera”
que nunca acontecerá, os “bufos” e a Pide vão mudar de nome, mas continuarão
perseguindo antifascistas, os “reservistas” vão trocar a cor do lápis, mas
continuarão a censurar, e num “abril”, “depois-do-Adeus” e de “Grândola-Vila-Morena”,
os “figurões” irão dentro e o povo sairá à rua em “liberdade”. Logo de seguida,
a “Guerra-das-Áfricas” acabará e os soldados virão para casa.
— Oh! “Caladinho”, com tanta coisa, até fiquei engasgado!
Como é que sabes tudo isso? Eu cá a mim, parece-me que é tudo bom!
— Não és só tu, Bernardino que não és Coutinho, que conversas
com o nosso amigo “Rio-das-Sesmarias”.
— Está bem, pronto! Então, mas com essas coisas todas que
disseste, para onde irá o Presidente da Junta de São Pedro de Penaferrim?
— Bom, depois de tudo aquilo e no caso de não se verificar a
profecia que tantas vezes oiço; “a dois mil chegarás, de dois mil não passarás”,
vai aparecer um novo “figurão” — sim, porque essas sementes de má índole, “rebentam”
de vez em quando — que inventará, contra os interesses das populações e no meio
de um “mandato”, uma fórmula matemática com régua e esquadro, para diminuir a
quantidade de “freguesias”.
— Então, “Caladinho”, queres tu dizer que a nossa freguesia
vai acabar?
— Oficialmente não, mas na prática, sim! O pior é que não vão
perguntar nada a ninguém. Cozinham lá a coisa nas assembleias e nos executivos
e o povo, “népia”! Nada lhes vai ser perguntado. Alguns, vão prometer reverter
a situação logo seja possível, mas acho que depois, quando o povo lhes pedir explicações,
não se vão lembrar dessas promessas e assobiarão para o lado.
— Bom, voltando ao nosso tempo, será que o Chico da Beloura
já achou as ovelhas?
— Não sei, Coutinho que és Bernardino, mas se não as
encontrou, vai encontrar. Por enquanto, ainda se consegue ser “Prior nesta
freguesia”. A estória das ovelhas fui eu que inventei só para dar início ao
escrito porque até agora e por mais algum tempo, “todos os caminhos vêm dar à
Abrunheira”.
Mas que esta “União” não encaixa, lá isso não!
Abrunheira, 24 janeiro de 2021
(Dia de eleições presidenciais)
Silvestre Brandão Félix
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