quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

LEI DA VIDA QUE FAZ DELA MORTE…


Desde o primeiro ar que respiramos nesta vida nascida, o caminho não tem limites mas sempre tem muitas dificuldades. Quando a caminhada é longa, o normal é que a última parte seja sofrida e penosa até ao fim. Aí, empunhando a gadanha, ferramenta sempre à mão quando sai das trevas, a morte cumpre o seu desígnio.

Muitas passadas pelo Largo do Chafariz, muitas ceifas do Silvestre Velho, muitos dias gastos na labuta dos “plásticos”, muitas vigílias pela utilização da, do João da batata, e a URCA que espreitava nos tempos críticos do quente verão do PREC. A Ti Lurdes caminhou, caminhou… e rendeu-se à lei da vida que faz dela morte. Ti Lurdes do Artur da Maria ferreira. Maria Ferreira, figura de físico pequeno e dobrado sobre si que muitos ajudou a nascer, como eu, no quartinho ao cimo das escadas e o Rio das Sesmarias do outro lado da rua e a Serra, Santa Eufémia e a Pena lá mais acima.

E lá vamos, hoje em São Pedro e amanhã para o Alto da Bonita depositando a matéria solta da Alma que esteja em paz e sossego.

Silvestre Félix

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

ANIVERSÁRIO DA URCA

Quero manifestar a minha satisfação pela programada comemoração do 38º aniversário da fundação da URCA. É uma data que deve ser devidamente valorizada e, pelos vistos, a atual Direção assim o entende, e bem.

Clicando, podemos recordar o dia 3 de Janeiro de 1975, dia primeiro da nossa coletividade.

Como sócio fundador fico contente e agradecido.

Silvestre Félix – Sócio número 12.

3 de Janeiro de 2013

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O CIPRIANO E O FORNO!


Pelo Largo do Chafariz, menina Emília, Cipriano, atravessando o das Sesmarias e ao lado da pedreira do Ti Miguel, lá agarrávamos os “caminhos por aí acima” até ao Mercado passando antes pelo Fetal no caloroso abraço de saudades de primas rodeadas das flores descidas da Tapada do Roma onde, por aí acima, ainda na mesma manhã chegaríamos. A olhadela pelo Mercado era rápida que de compradora a minha Mãe raramente estava. Gostava de ver o gado, dos viveiros, o cebolo, couve – galega e portuguesa. O destino era mesmo a Serra e, descendo até à Vila e voltando a subir, lá vinha o cheirinho do café da Ti Franquelina. A Serra dos Brandões marcou a minha geração e sugere ainda hoje, viajar sem descanso pelos tempos.

Antes dos “caminhos por aí acima”, fiquemos do lado de cá da Serra e olhemos para os “caminhos por aí abaixo”. Às vezes lembro-me do Cipriano. Era mais ou menos pedreiro ou mestre de obras e também trabalhava a pedra e negociava cal que cozia no forno. Lá, no tempo de trás, o Cipriano ainda sente o braseiro das pedras recebendo o fogo da lenha atirada para o forno. As pedras irão caldear para ajudar a subir as paredes das moradias e até do caminho que levará a placa “Rua do Forno”. Era do Cipriano, o forno e, vendo agora para o futuro, embasbacado ficará, como se já não chegasse a rua, dar de caras com um “Jardim do Forno”.
  – Jardim? E do forno? Será o meu ou o outro ao pé da “rigueira” do sogro do João de Leião?

 (eu sei que “rigueira”, mesmo sem acordo ortográfico é “regueira” mas, se sempre disse e sempre ouvi dizer “ri”, porque hei de escrever “re”? Para mim é “Rigueira”, pronto!)

  – A quarenta e tal anos em tempo contado para o futuro, não vou conseguir descobrir, de certeza. Bom, vou dar como certo que se referem ao meu “Forno”. Assim, como assim, eles só têm lá escrito “Jardim do Forno”! Não têm “Jardim do Forno do Cipriano” ou “Jardim do João de Leião”. Mesmo assim, tive que virar o desenho ao contrário porque a placa do jardim está do lado do “Corronquinho”.

Saltando para o outro lado da Abrunheira e antes dos “caminhos por aí acima”, na pedreira do Ti Miguel, labuta o Homem que tinha a “Ciência da Pedra”. Tanto nas pedreiras como no forno do Cipriano ou, de outros, que lhe pagassem o suficiente de comida e, principalmente, bebida. Já algumas vezes tinha prometido à Mãe, Ti Mariana Soleta, que “queria acabar com o vinho mas, que não conseguia porque era sozinho a trabalhar para isso”. A rotina habitual do Coutinho que era Bernardino incluía uma conversa com o Rio das Sesmarias quando por lá passava e, se o das Sesmarias não o retivesse muito tempo ou não o desafiasse para meter uma “charreta” na menina Emília, enfiava-se na pedreira e demorava tempo até de lá sair.

    – Oh Coutinho que és Bernardino, ouvi dizer que ontem à noitinha na taberna do Osvaldo quiseste levantar um barril de 50 litros de tinto só com os dentes, é verdade? (perguntou o martelo de corte)

    – E então? Pensas que não sou capaz? Ontem é que já tinha muitas “charretes” bebidas e a coisa não correu lá muito bem mas, um destes dias, levo-te comigo e vais ver se levanto ou não! (respondeu o Coutinho que era Bernardino)

O homem que tinha a “Ciência da Pedra” não era de muita conversa e, como toda a gente, também olhava, pensava e sonhava no tempo lá para a frente. E, mesmo nas profundezas da pedreira do Ti Miguel, tinha dificuldade em ver que o Largo do Chafariz já não era o sítio onde todos os abrunhenses iam.

  – Mas como é que pode ser?

A antiga casa do Caracol Velho onde, daqui a uns anos contados em tempo e depois da Ti Mariana Solena e do Ti Vitro se finarem, iria morar e dormir na mesma cama com a Judite Caracola, já lá não está!

  – Homessa? Olha, olha…um prédio dos grandes? Então e as galinhas e os coelhos? E o caminho do caracol agora tem alcatrão, não tem silvas e estão a soprar-me ao ouvido que é uma rua e se chama Humberto Delgado. É o tal que vai dizer aos jornais que «não tem medo» e, ao “botas”, que «se ganhar, o demite».

O escopro, ouvindo a faladura sozinha do Coutinho que era Bernardino, estava danadinho para entrar naquele exercício do futuro e, antes que se iniciasse outro monólogo, desferiu, com a mesma subtileza com que torneava a cantaria:

  – Deixa lá o “botas” e o que “não tem medo” e ouve o que eu consigo ver com a lâmina voltada para cima, muito mais para a frente em tempo contado em anos: A rua principal desde o Osvaldo até ao caminho do Caracol, passando pelo Largo do Chafariz, com o nome de avenida do “Movimento das Forças Armadas”. Pelo reflexo, consigo ver que foram milhares, “os que não tiveram medo”. 
  
O Coutinho que era Bernardino, entretanto calado, fechou os olhos e, com “futuro” à sua frente, só queria saber mais e mais. Com esforço de concentração, lá começaram a correr mais imagens da nossa Terra:

O tempo saltou, pulou e deixou-se ficar uns instantes naqueles anos redondos e de classe operária feita. Com muita pintura e cartazes nas paredes já nem o Largo do Chafariz se livrava. Abrunhenses mobilizados pelos partidos e movimentos cívicos, já muitos havia e nas listas à Junta de Freguesia de São Pedro, eram incluídos. Ah, mas lutavam pela eleição e transpiravam a camisola pelo que acreditavam. Nesses tempos, que, vistos do futuro para o passado até parecem meio estranhos, porque, toda a pirâmide democrática a nível local era graciosa para quem a praticava. Muitos cadernos eleitorais se descarregavam e muitos votos se contavam com “mata – bicho”, almoço e lanche dos votantes. Voluntários sempre sobravam e a alegria não tinha nada a ver com vitória ou derrota eleitoral.

O caminho do tempo não para. Continua sempre “por aí acima”. Até o Alto da Bonita é “por aí acima” e, quando à frente do Coutinho que era Bernardino passou Ranholas com a padaria do Ti Américo e o Pocinhas, a barbearia do Ti Guilherme e, uns contados em anos mais adiante, mesmo na curva em frente à Quinta do Ramalhete, no Lanterna Vermelha, o fio da história passou a ser mais concreto e pormenorizado:

Imperador era o bacalhau, bom de gosto e farto em quantidade. Simpático e amigo era o Conde com responsabilidade republicana e o dia, melhora fora o de 1º de Dezembro, mas não, logo tinha de ser o 5 de Outubro que, no salto dos setenta para os oitenta do século XX, não nos passava pela cabeça que lá mais para a frente no tempo contado em trinta e tal anos, acontecesse roubo à cidadania republicana com a supressão do feriado popular e nacional. Era vida complicada mas de muita esperança e o Conde que de Saborosa tinha o nome e com a guitarra portuguesa seguia na fadistagem a voz única da esposa Maria Teresa de Noronha. No Lanterna Vermelha, eu, o Peniche e o Conde – Presidente de Penaferrim. Naquele dia de comemorar a implantação da República, degustamos e trabalhamos sem senha de presença ou aposentação garantida.

Não sei se alguma vez o Conde que de Saborosa tinha o nome, provou o néctar único que na Abrunheira se fazia e consumia bem perto do Cipriano. O Coutinho que era Bernardino bem lhe tinha o gosto e o proveito porque, na altura certa do ano, na ida, passando pelo Largo do Chafariz, Menina Emília, Abílio e, antes do Cipriano, engatilhava para o Pena na onda do São Martinho e até ao Natal. Era a melhor água-pé da Abrunheira e arredores. Não era para putos mas, rapaz que se prezasse, tinha de saber que o Pena era o maior (em altura) em água-pé! Petisco se organizava e de lá só saiam a cambalear ou mesmo de gatas. O Coutinho que era Bernardino não! O bandulho era a preceito e não havia bebida que o deitasse abaixo. Quando pesado já estava, metia a espinhela a três quartos e lá comandava os andantes a direito até ao fundo do alcatrão.  

Pelo Largo do Chafariz e por “alguns desses tempos”, vivíamos o azedo do medo e ansiedade que apertava os nossos peitos.

Pior nunca podia, e melhor sempre seria!

Muitos anos em tempo contado lá para frente, esta máxima mudou! O Largo do Chafariz continua no sítio, a Abrunheira já tem um Jardim do Forno que era o do Cipriano e que se chama só – Forno, mas os abrunhenses e todos os portugueses estão a ficar mais pobres, passam muito mal e estão tristes.

Melhor nunca será, pior sempre estará!

Silvestre Félix
25.10.2012
Editado em 26 outubro de 2017 com a colocação da gravura de um forno de cal

terça-feira, 27 de março de 2012

O CARNEIRO BALTAZAR!


Baltazar se chamava, o macho ovino com grandes cornaduras reviradas em caracol nas laterais cranianas que, considerando a lógica linguística e regra gramatical que atribui o género do nome, terminando com a vogal a ou o, e por isso devia ser “ovelho” (masculino de ovelha), mas que, talvez, para realçar a valentia do animal, se conhece por “carneiro”. Este, era constantemente desafiado a investir para quem à frente lhe aparecesse. A designação, aparentemente derivada de “carne”, também se escolheu para signo do Zodíaco e para identificar as pequenas ondas espumosas no alto mar. Também se diz “carneirada” para muitos carneiros juntos ou, aplicado à “raça” humana, de muitos obedientes seguidores de um líder ou de determinada ideia.

Vem esta conversa de “cornos”, “marradas” e “carneiradas”, a propósito (de muita coisa, o que não falta para aí são exemplos) do “carneiro” “marrão” do Tavinho. Antes que o meu irmão venha dizer que não era bem assim, “assado e aquel’outro”, previno já, que me apetece contar as investidas deste vigoroso macho ovino, à minha maneira, impreciso no calendário e com personagens que podem ou não ter a ver com a parte verdadeira da carneirada.
       
Baltazar bem “inteiro” vivia e, por isso, na maior parte dos dias logo pelo nascer o Sol à chegada do Tavinho para a tarefa de mungir as vacas e depois as ovelhas, posicionava-se bem no ângulo de visão do dono, maneava a cabeça bem armada como se estivesse a dizer que sim, berregava alto e arreganhava-lhe o lábio superior mostrando a dentadura ovina envolvida em saliva e espuma da remoedura, em sinal de desejo para montar as fêmeas do rebanho que de cio fossem portadoras. O Tavinho, sempre prevenido para quebrar os “desmandos” sexuais do carneiro, saca de um dos ganchos do penduricalho o avental feito da pele dum antepassado do Baltazar e, devagar, pela lateral traseira à esquerda e com a mão direita na cornadura do outro lado, aplica-lhe a correia da barriga ao lombo, bem justa ficando a pala pela frente da ferramenta reprodutora, impedindo-o de concretizar, em oportuna fugida ao rebanho, qualquer penetração estupradora, indesejada e fora de tempo.

O Tavinho, surdo aos avisos do pai Ti Veríssimo e aos conselhos da mãe Ti “Estrudinhas”, dobrava-se a rir quando o Baltazar investia no traseiro de algum distraído Abrunhense. Nos dias em que o macho ovino arreganhava a dentuça para o Tavinho, era “trigo limpo, farinha amparo”, havia marrada na certa. Os “habituês” já sabiam e nem perto do Chafariz passavam. Já não bastavam os ganços, quanto mais as marradas do carneiro. Ainda assim, muitos Abrunhenses tinham que passar mesmo pelo Largo do Chafariz; para ir ao Álvaro, ir buscar água ou levar o gado a beber ou, simplesmente, passar para o lado da Menina Emília. Ora bem, o Tavinho, com a marotice toda, tinha o pessoal bem marcado e, quando qualquer da lista passava perto, assobiava ao Baltazar e não era preciso mais nada; a vítima enfrentava e arriscava ou então tinha que se pôr ao fresco rapidamente.

O Baltazar portava-se como se cão fosse. Obedecia ao dono e guardava o seu território com as armas (cornos) que tinha. O Tavinho divertia-se com o comportamento do carneiro escondendo, claro está, a sua cumplicidade. A sua natureza bondosa, generosa e simpática, embora também divertida, levava a que os Abrunhenses pensassem que o Tavinho era tão “vítima” do carneiro como as que o Baltazar marrava.

Muita água o Chafariz deitou, muito cântaro e bilha lá se encheu, muito gado encheu o bandulho no tanque, muitas “ciganas”, “charretes” de dois e de três, tinto ou branco se beberam, muita água o “Rio das Sesmarias” correu debaixo da ponte da Colónia, muitas vezes os ganços do Ti Veríssimo levantaram voo, muitas notícias “visadas pela comissão nacional de censura” eu li no jornal do Ti Álvaro, muitos soldados p’ra Guerra Colonial em África foram forçados porque da Índia já tinham vindo, muitos contestatários presos políticos estiveram e torturados foram, muitas Luas pelo monte descansaram, muitas solas o Ti J’oquim Caga-Chuva cozeu, muito reboco o Ti Hilário da Natália chapou, muita pedra o Coutinho que era Bernardino, com ciência a trabalhou, muito corridinho o Ti Faneca tocou e muito cigarro fumou, muita gargalhada o Rafael Coxo deu, muito cachimbo o Ti Mendes construiu e gastou, muito cabaz de fruta o Pechincha vendeu e também muito deu, muita piela o Zé da Natália apanhou, muito morcego o “Julinho” tentou apanhar na ponta da cana ensebada, muitos episódios do “Último dos Moicanos” eu vi na “sociedade”, muita…muita coisa aconteceu nesta Abrunheira que, desde a história do Francisco Borrego que virou Sacadura e do Bernardino que passou a ser o Coutinho, também ficou a chamar-se Brasil… até que um dia…embora fosse verão mas as nuvens ameaçavam chuva, talvez fosse aviso para a tragédia que se preparava…nesse dia, ainda meio-dia não era quando, o Maratecaque do nome só se percebia …teca porque o homem tão depressa falava que engolia metade das palavras – saia do Ti Álvaro depois de ter molhado a goela aplicando à tarefa, o braço e a mão direita descansando o lado esquerdo com o cotovelo no balcão de mármore rosa, seco e asseado como era costume na “Tendinha”. O conteúdo do copo de três, soube-se depois, era tinto do melhor, extraído do barril aberto pelo Ti Álvaro ainda não eram oito da manhã deste dia cinzento, embora a verão estivesse obrigado pela força do calendário.

Habitualmente, aquela hora, já a Ti “Estrudinhas” lhe chegava o almoço mas, nesse dia…a tentação era forte e o Tavinho não podia perder a oportunidade de por a adrenalina a percorrer o corpo lãzudo do Baltazar. Na verdade, hoje não lhe tinha mostrado os dentes pela alvorada e, por isso, o Tavinho, também não tinha colocado o avental na barriga do animal ficando assim “o aparelho” completamente desprotegido e pronto a “atuar” no caso lhe passar à frente alguma fêmea “carregada” de cio. Então…o Tavinho, ignorando o mau presságio do cinzento em dia de verão avançado, mirando o “estrangeiro” – que só alguns dias depois soube chamar-se Marateca – saindo do Álvaro, encarou o Baltazar e, como sempre se divertia fazendo, assobiou dando sinal de ataque com toda a carga.

O carneiro Baltazar, completando rapidamente a charada de neurónios naquela cabeçorra cornuda, e utilizando o mesmo tempo para por a adrenalina “no ponto”, inicia a debandada em direção ao Marateca, aplicando no arranque, a máxima, de rapar duas vezes com os traseiros. Levanta a “armação”, e lá vai ele! O último cliente do Ti Álvaro, que estava a iniciar o avanço para o largo em direção ao Chafariz, apercebendo-se das intenções do Baltazar, estanca…e, sem se lembrar de mais nada, levanta os braços esticados à altura da cabeça com os dois dedos indicadores bem direitos, formando um arco como se de dois cornos de tratasse, e dá dois passos para o lado donde vinha o carneiro.

Se isto estivesse a acontecer em anos contados, cinquenta mais tarde, podíamos imaginar uma cena virtual. Quem vai marrar quem? Com certeza que a playstation resolveria o dilema. Provavelmente os cornos do Baltazar se transformariam noutra coisa qualquer e os braços e dedos do Marateca, num emissor de laser’s mortíferos e demolidores que nem a troika lhes resistiria. Se este frente-a-frente, que nem 21h30m do MCrespo fosse, na certa o nosso Largo do Chafariz, alcatifado a bosta de vaca e debruado a caganitas de ovelha, depressa virava “plateau” virtual com todas as cores a que tem direito. Se o acontecimento não estivesse a dar-se com o “botas” ainda a “cavalo” no poder, perseguindo e torturando todos os que se lhe opusessem, assim como o Marateca de caras com o Baltazar, seria um tempo virtual em que na Abrunheira até jardins com o nome de “forno” existiam. Aliás, nessa distante galáxia Abrunhense, muitos “fornos” haverão; A padaria que será “o forninho”, a rua do forno e, mais tarde, ao ritmo de santa Engrácia, o jardim do forno.

 Mas não, estávamos quase na época da pedra que, mesmo assim, era matéria viva e delicada para o Bernardino que não era Coutinho e sabia a “ciência da pedra”. Voltemos então à narrativa de meados do longínquo século XX…

Na altura em que os dois (Marateca e Baltazar) quase se tocavam de frente, já alguns Abrunhenses se aproximavam para assistir a mais uma marrada do carneiro do Tavinho. Pois é, só que desta vez, mesmo no meio do Largo do Chafariz, iriam ver a lógica transformar-se numa batata. Naqueles instantes, começou a instalar-se a dúvida em muitos Abrunhenses sobre quem venceria a contenda. O próprio Tavinho que, como sempre, estava impávido e sereno esperando o desfecho do costume, começou a sentir suores frios a escorrerem-lhe pelas costas abaixo, quando, a suposta vítima, entendeu enfrentar o seu obediente e esperto Baltazar

Foram momentos de alta tensão, eram audíveis as respirações dos contendores que sobressaíam do silêncio tumular nunca sentido no Largo do Chafariz. Foram segundos de tempo contado num êxtase geral, subindo a emoção dos presentes até às nuvens que, como já se disse no início do escrito, estavam cada vez mais negras, antecipando uma forte trovoada de verão que, porventura, Baltazar adivinhou.

Os dois, Marateca ou somente …teca e Baltazar, parados, frente a frente.

De repente, o inteiro macho ovino, maneia o focinho para cima e para baixo e, arreganhando a beiça, desata uma berregadela bem forte, dá meia-volta e, começando a verter todas as águas que a bexiga armazenava e botando muita quantidade de caganitas negras como as nuvens, raspa no chão com as traseiras e arranca numa correria desenfreada na direção do Tavinho que este, estonteado e apardalado com o que via, não se lembrou de que atrás de si estava um fardo de palha que, no segundo seguinte, lhe servia de enxerga. Na horizontal, quando deu conta de si, Tavinho sentiu as patas dianteiras de Baltazar bem pousadas na sua barriga e assim ficou até perceber que a fúria do carneiro se tinha dissipado.

Ao Marateca nunca mais ninguém o viu, mas a cena ficou marcada e conhecida na Abrunheira e arredores como a “vingança do Baltazar”.

O Tavinho, a partir daquele cinzento dia de verão, nunca mais assobiou com o Baltazar por perto, não fosse, outra vez;

«o feitiço virar-se contra o feiticeiro»

Silvestre Félix

27 de Março de 2012

(Texto ficcionado pelo autor, baseado nalguns factos, nomes e lugares verdadeiros)

sábado, 1 de outubro de 2011

SE O TEMPO DA LUA É DE NOITE…


Pela manhã deste tempo estava, tentando perceber que sinais me chegavam da “Lua Crescente” bem à vista e a dominar a encosta da Serra. Da Lua nada, e que até se ofenderia se lhe perguntasse:

Que ali estava a fazer a esta hora do dia? Sim, porque o lugar dela é de noite.

Quadro natural melhor, não me podia ser oferecido. Bem na frente, a encosta da Serra com Santa Eufémia e a Cruz Alta, algumas antenas a mais e a torre do Palácio da Pena em destaque e, na ponta da encosta à direita de quem olha, a muralha do Castelo dos Mouros. Voltei a perguntar só para mim, porque a Lua, lá por cima do Monte, não está disponível para satisfazer curiosidades de abrunhenses mal acordados:

Que ali estava a fazer a esta hora do dia? Sim, porque o lugar dela é de noite.

Nestes dias revoltos não se encontram respostas para nada. Mesmo as que parecem óbvias, nunca indicam um caminho com convicção. É forçoso partirmos à descoberta nem que, para isso, tenhamos que transformar em “navegável” o “Rio das Sesmarias”.

Lá muito atrás, em tempo, mais ou menos cinquenta contados em anos, o meu roteiro também era de descoberta. Era procura sem fim e nem dava a devida importância à Lua suspensa, a proteger o Monte. Quando pelos meus longos dias passavam, várias vezes, o Rio das Sesmarias, o Largo do Chafariz, o Largo do Olival e, sendo Verão, as figueiras do meu quintal, era esta tela, com a Lua encavalitada, que se me apresentava pela frente e eu, o Rui, o Zé Fernando, o Fernando Pedroso, o Meno Caravaca e o Zé Augusto a olhávamo-la com a naturalidade do ar que se respira. A procura continuou sempre e imaginava a inquirição a cada personagem passada à frente do Chafariz:

Que faz ali a Lua a esta hora do dia? Sim, porque o lugar dela é à noite.

Nem no sono profundo alguma vez sonhei com uma resposta de jeito. Todos passavam, olhavam e sorriam para mim e desapareciam ainda mais depressa. Como acontece na maioria dos sonhos, quando acordava, não me lembrava de quase nada mas, o que estava sempre presente, era o Tavinho. Sempre bem-disposto, à porta da “casa das vacas”, apoiado com as duas mãos e o queixo no cabo da sachola apreciando o desfile. O Ti Álvaro, às vezes, também assistia ao espetáculo. Com a esferográfica BIC atrás da orelha, ao meio da porta do lado da taberna, lá apreciava tudo. Mas a verdade é que nem em sonhos me respondiam ao que eu precisava de saber e, embora não se deixassem ver, decerto, no Largo do Chafariz se cruzavam: A Ti Natália aos gritos com o e com o Ti Hilário, o Coutinho que era Bernardino com a picareta ao ombro e a gritar para quem o quisesse ouvir, «que tinha a ciência da pedra» ou o Ti Joaquim Cagachuva a caminho da “ajuntadeira” ou o Pena com um “palhinhas” de 5L da sua água-pé pela mão. Toda a Abrunheira ao longo do dia, mais cedo ou mais tarde, lá passava de certeza mas, do que estou a falar, é dos sonhos e das respostas que nunca me foram dadas.

Era preciso partir à descoberta…

Naquela época de descobrimento com o tempo a correr mais à frente sem saber ainda o que fazia a Lua naquele lugar e aquela hora do dia ia vendo, ouvindo e aprendendo muitas outras coisas. Eu, que ainda nem mancebo era, na branca “Palhinha” para a Estação de Mem-Martins e, mais tarde, na azul “Boa Viagem” para Sintra, lá ia para o horário do comboio até ao Rossio. Um puto da Abrunheira, com todos os dias passados na Capital, aumentava, a grande velocidade, capacidade de observação e aperfeiçoamento no drible. Duma janela dum terceiro andar no Cais do Sodré, aprendi a ver tudo. As faluas que ainda “bailavam” no Tejo, os cacilheiros que iam e vinham deixando aquele rasto de espuma branca quando ganhavam velocidade apanhando e descarregando passageiros, a construção da grande doca-seca da Lisnave entre Almada e Cacilhas e até os grandes petroleiros que descansavam no mar-da-palha.

Até descobri o que era marisco ou os bichinhos a que chamávamos “gambas”. Lá as via passar no “Califórnia” em bandejas inox com imperiais bem tiradas pelo Chico, das quatro da tarde em diante. Para mim inacessíveis eram, porque só uma daquelas bandejas devia custar perto do que ganhava numa semana inteira. Naquela passagem dos anos sessenta para os setenta, marisco, incluindo as mais económicas “gambas”, era só para rico. Tempos depois em anos contados, no mesmo sítio e às mesmas horas, com rendimento mais gordo, alguns daqueles bichinhos me satisfizeram a gula e me aconchegaram o estômago. 

De paladar afinado nas “gambas”encontradas na bandeja inox do Chico, para aquele almoço de marisco na Ericeira, foi um pulo. Gambas, lagostins, caranguejos, mexilhão, berbigão, pãozinho torrado, maionese, mostarda, salada de tomate e alface e muita imperial. O Caravaca (Pai) fazia as contas dos erros na chave do totobola de cada um de nós e cobrava. A sede do “Grupo do Totobola” (eu, o Meno Caravaca, o Rui, o Zé Fernando, o Zé Costa, o Mário e mais?) era no café do Ramos que, mais tarde, viria a ser do Cabaço. O Caravaca (Pai), que no seu trabalho guardava outros com pistola e cassetete à cinta na Colónia, aproveitava as folgas e horas vagas para faturar mais algum, no dito café, que nós começávamos a tomar como lugar seguro e pronto a responder a tantas dúvidas e incertezas e onde, pelo menos eu, cheguei a acreditar que descobriria

porque é que a Lua se mantinha naquele lugar e aquela hora do dia quando só lá devia estar à noite…     

Também descobri com o tempo a correr que, ainda muito antes da hora de almoço, já escasseava lugar para tanto petisco e respetivo acompanhamento onde, antes, tinha estado tudo o que pertence a um bom “mata-bicho”. A Assembleia Eleitoral tinha aberto as portas às 8 horas mas todos já lá estávamos desde as 7 para preparar tudo a tempo. A primeira vez que lá estive, a Escola Velha já não era e a Nova era um pré-fabricado de cor verde. Depois lá veio a definitiva que passou por cima do tempo, acompanhando

a Lua que continua sem se explicar porque está naquele lugar e aquela hora do dia…

Na Abrunheira havia sempre voluntários de sobra para aquele serviço cívico – colaborar nas mesas de voto. Júlio’s, eram sempre pelo menos dois; O Simplício e o Silva, António Vieira, o João Alberto Peniche, o António Bento, o Joaquim Santos e outros e outros e mais outros. Sentido do dever de cidadania autêntico, todos garantíamos a função sem receber nada em troca, exceto o carinho e o apoio da comunidade.  

A água corre pelo Rio das Sesmarias, os anos são contados à nossa maneira e as respostas, quando as há, nunca dizem tudo. 

Se o tempo da Lua é de noite, o que fazia ela naquele lugar e aquela hora do dia?

Silvestre Félix

30 de Setembro de 2011

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

ABRUNHEIRA E OS «CAMINHOS DE ROMA»

Nos últimos trinta de tempo passado e contado em anos, o mês de Agosto, para mim, nunca foi altura de partida e, antes ao contrário, de chegada. Lá para trás ficaram os "Agosto’s" de Lagoa de Albufeira para onde muitos abrunhenses se transferiam a banhos de lagoa, de mar, de areia e sol. Com o “sangue na guelra”, os calores prolongavam-se “luares” dentro e não havia cerveja que os afogasse, também porque não era muita em razão dos trocos (in)disponíveis que a austeridade não foi coisa agora à pressa inventada. E então, finado o Julho, lá começamos a notar que o sol se põe mais para a esquerda da encosta da Serra, ou seja, os dias diminuem à medida que o Agosto corre. Em mim não cabe aquele famoso título de singular filme; “O meu querido Agosto”. Acho que é assim que se chama, se não for, não andará muito longe do certo.
Bem, não sendo o mês de partida mas sim o de chegada, aqui me disponho para mais prosear ao “sabor do teclado” como noutros idos se dizia “ao sabor da pena”. O efeito é o mesmo – escrever – no tempo da “pena”, só a tinta e as especiarias, vinham das rotas orientais ao contrário de agora que, são poucas coisas que não vêm da China.
Quando os Romanos por aqui andavam, mesmo antes do Viriato se atrever a fazer-lhes frente, e porque para construírem caminhos e estradas não precisaram de esperar dois mil anos pelos ensinamentos dos nossos modernos governantes, trataram de empedrar os antigos trilhos desde todos os cantos do conquistado território até à sede do império em Roma. Na Abrunheira, onde decerto passaria um desses caminhos, também se aprendeu a dizer que «Todos os caminhos vão dar a Roma». Os abrunhenses aprenderam e, pelos séculos fora, usaram a expressão para se referirem à estalagem mais próxima, às tabernas e mercearias do Ramos, do Álvaro, da Menina Emília ou, depois, ao Café do Manel, do Cabaço ou ainda mais perto, à URCA.
No século XXI existem muitas “Romas” e “todos os caminhos” vão dar a cada uma delas e todas se ligam umas às outras. Desde a Abrunheira, caminhando, também se chega a todas elas. A mais modernaça, abriu portas ali para os lados do “Alto-Forte” e eu, que me tenho na conta de não ser “anti”, antes pelo contrário, por lá dou umas voltas mesmo que seja para completar o medicinal tempo diário de andamento. Como todas as “Romas” antigas, esta também se apresenta pela opulência e poder de convencer o incauto. Como nos mercados antigos, é preciso manter “um olho no burro e o outro no vendedor”, embora o cuidado aqui tenha outro significado. Mas é bom cuidar deste princípio! Muitos abrunhenses por lá encontro e, não é só neste “Agosto que para mim é mês de chegada” mas também nos outros meses, nas outras semanas, nos outros dias e a várias horas diferentes.
Para sermos uma terra invadida, já não é necessário que dos lados de “Castela” cheguem exércitos armados com intenções pouco amistosas. Agora, neste século de agudas crises, o “inteligente” arranjou forma de concretizar a “invasão” de terras abrunhenses sem que tivéssemos tempo e oportunidade de olhar para o catálogo de ofertas enganosas, como já antes tinha feito com a CEE e com os novos tratados da União(?) Europeia. A muito trabalho me obrigo tentando encontrar produtos que não sejam veículos dessa “invasão”. Até com a “porra” do leite (salvo-seja), é preciso ter olhos bem abertos. O mais barato do mercado, que eles dizem (!!!) marca branca, e que mesmo conferindo a “barra” (560) pensamos ganhar o “assalto”, pode ser importado e só tratado e empacotado cá. E a fruta? Tantas voltas tenho de dar para encontrar a nossa e, muitos dias, nem isso se consegue.
Eu gosto de ter uma “Roma” ao pé da porta e a maioria dos abrunhenses também sentem da mesma maneira, até porque alguns lá conseguiram o tão desejado e preciso emprego, mas temos de resistir à “invasão”. Cada produto, peça de roupa ou brinquedo que o abrunhense compre e não seja “Made in Portugal”, é mais um contributo para a concretização da estratégia do “inteligente” que é concluir a “invasão”.


Roma” sim, mas que seja portuguesa!


Neste "mês de Agosto que para mim é de chegada", “resistir”, é a palavra de ordem!


Silvestre Félix

segunda-feira, 18 de julho de 2011

URCA EM 1990

Quando tomei posse do meu cargo na minha última passagem pela Direção da URCA na transição da década de oitenta para a de noventa, encontramos, já a funcionar, sob a orientação de três empenhados sócios da nossa coletividade, uma escola de futebol infantil com cerca de 30 miúdos.
Naquela época, o pelouro do desporto da Câmara Municipal de Sintra, tinha protocolos com alguns clubes do Concelho interessados em criar e manter “Escolas de Futebol”. A URCA era um desses clubes.
Esta foto tem um calendário no verso e era uma forma de divulgar o excelente trabalho dos três responsáveis e premiar os “miúdos” atletas.
Vou colocar a mesma no álbum dos “Seguidores do Largo do Chafariz” no facebook para que todos possam ser identificados porque, como calculam, não o consigo fazer sozinho.


Silvestre Félix
18 de Julho de 2011