segunda-feira, 8 de agosto de 2011

ABRUNHEIRA E OS «CAMINHOS DE ROMA»

Nos últimos trinta de tempo passado e contado em anos, o mês de Agosto, para mim, nunca foi altura de partida e, antes ao contrário, de chegada. Lá para trás ficaram os "Agosto’s" de Lagoa de Albufeira para onde muitos abrunhenses se transferiam a banhos de lagoa, de mar, de areia e sol. Com o “sangue na guelra”, os calores prolongavam-se “luares” dentro e não havia cerveja que os afogasse, também porque não era muita em razão dos trocos (in)disponíveis que a austeridade não foi coisa agora à pressa inventada. E então, finado o Julho, lá começamos a notar que o sol se põe mais para a esquerda da encosta da Serra, ou seja, os dias diminuem à medida que o Agosto corre. Em mim não cabe aquele famoso título de singular filme; “O meu querido Agosto”. Acho que é assim que se chama, se não for, não andará muito longe do certo.
Bem, não sendo o mês de partida mas sim o de chegada, aqui me disponho para mais prosear ao “sabor do teclado” como noutros idos se dizia “ao sabor da pena”. O efeito é o mesmo – escrever – no tempo da “pena”, só a tinta e as especiarias, vinham das rotas orientais ao contrário de agora que, são poucas coisas que não vêm da China.
Quando os Romanos por aqui andavam, mesmo antes do Viriato se atrever a fazer-lhes frente, e porque para construírem caminhos e estradas não precisaram de esperar dois mil anos pelos ensinamentos dos nossos modernos governantes, trataram de empedrar os antigos trilhos desde todos os cantos do conquistado território até à sede do império em Roma. Na Abrunheira, onde decerto passaria um desses caminhos, também se aprendeu a dizer que «Todos os caminhos vão dar a Roma». Os abrunhenses aprenderam e, pelos séculos fora, usaram a expressão para se referirem à estalagem mais próxima, às tabernas e mercearias do Ramos, do Álvaro, da Menina Emília ou, depois, ao Café do Manel, do Cabaço ou ainda mais perto, à URCA.
No século XXI existem muitas “Romas” e “todos os caminhos” vão dar a cada uma delas e todas se ligam umas às outras. Desde a Abrunheira, caminhando, também se chega a todas elas. A mais modernaça, abriu portas ali para os lados do “Alto-Forte” e eu, que me tenho na conta de não ser “anti”, antes pelo contrário, por lá dou umas voltas mesmo que seja para completar o medicinal tempo diário de andamento. Como todas as “Romas” antigas, esta também se apresenta pela opulência e poder de convencer o incauto. Como nos mercados antigos, é preciso manter “um olho no burro e o outro no vendedor”, embora o cuidado aqui tenha outro significado. Mas é bom cuidar deste princípio! Muitos abrunhenses por lá encontro e, não é só neste “Agosto que para mim é mês de chegada” mas também nos outros meses, nas outras semanas, nos outros dias e a várias horas diferentes.
Para sermos uma terra invadida, já não é necessário que dos lados de “Castela” cheguem exércitos armados com intenções pouco amistosas. Agora, neste século de agudas crises, o “inteligente” arranjou forma de concretizar a “invasão” de terras abrunhenses sem que tivéssemos tempo e oportunidade de olhar para o catálogo de ofertas enganosas, como já antes tinha feito com a CEE e com os novos tratados da União(?) Europeia. A muito trabalho me obrigo tentando encontrar produtos que não sejam veículos dessa “invasão”. Até com a “porra” do leite (salvo-seja), é preciso ter olhos bem abertos. O mais barato do mercado, que eles dizem (!!!) marca branca, e que mesmo conferindo a “barra” (560) pensamos ganhar o “assalto”, pode ser importado e só tratado e empacotado cá. E a fruta? Tantas voltas tenho de dar para encontrar a nossa e, muitos dias, nem isso se consegue.
Eu gosto de ter uma “Roma” ao pé da porta e a maioria dos abrunhenses também sentem da mesma maneira, até porque alguns lá conseguiram o tão desejado e preciso emprego, mas temos de resistir à “invasão”. Cada produto, peça de roupa ou brinquedo que o abrunhense compre e não seja “Made in Portugal”, é mais um contributo para a concretização da estratégia do “inteligente” que é concluir a “invasão”.


Roma” sim, mas que seja portuguesa!


Neste "mês de Agosto que para mim é de chegada", “resistir”, é a palavra de ordem!


Silvestre Félix

segunda-feira, 18 de julho de 2011

URCA EM 1990

Quando tomei posse do meu cargo na minha última passagem pela Direção da URCA na transição da década de oitenta para a de noventa, encontramos, já a funcionar, sob a orientação de três empenhados sócios da nossa coletividade, uma escola de futebol infantil com cerca de 30 miúdos.
Naquela época, o pelouro do desporto da Câmara Municipal de Sintra, tinha protocolos com alguns clubes do Concelho interessados em criar e manter “Escolas de Futebol”. A URCA era um desses clubes.
Esta foto tem um calendário no verso e era uma forma de divulgar o excelente trabalho dos três responsáveis e premiar os “miúdos” atletas.
Vou colocar a mesma no álbum dos “Seguidores do Largo do Chafariz” no facebook para que todos possam ser identificados porque, como calculam, não o consigo fazer sozinho.


Silvestre Félix
18 de Julho de 2011

sexta-feira, 15 de julho de 2011

MARISCADA

Que se estranhava tudo a que marisco se chamava e que não fosse tremoços, era verdade absoluta. O mais aproximado que o nosso aparelho auditivo admitia captar e o visual identificar, usando toda a capacidade “olhómetra”, era um bicharoco conhecido por “gamba” ou, admitiam outros, o berbigão e o mexilhão. Mesmo assim, nunca tínhamos contado as patas das “gambas” porque quando as víamos passar estavam sempre demasiado longe para que esse exercício fosse possível. O mexilhão, por tradição, não se safava pela Sexta-Feira-Santa nas rochas batidas pelas arribas da nossa costa que, mesmo não fosse, para o efeito era sempre Magoito. E agora, “diz o inteligente”: Que não, que estou a exagerar, porque nos idos últimos de sessenta e primeiro de setenta já se sabia o que eram “gambas” e outros primos pescados, todos os designados “marisco”. Pois bem, “o inteligente” até podia saber mas eu não, e pronto! Sendo pescado no mar muito me admirava que a Ti Aurélia nunca por cá trouxesse petisco tão elogiado. Lá em casa também nunca vi nem ouvi falar. Nos livros da escola, para além das sardinhas, atuns, carapaus e pargos mulatos, também me parece que não vi aqueles tidos como “marisco”.


Havia uma ou outra notícia sobre estes exóticos “nadadores” comestíveis, que nos chegavam através das histórias contadas pelos regressados heróis das guerras que pelas “Áfricas” continuavam porque em tempos o “botas” disse “depressa e em força para Angola” e, depois de ter caído da cadeira e do “corta-fitas” ter posto o “Professor” no seu lugar, continuar tudo na mesma. Diziam alguns que em Angola lhes passaram pela goela lagostas e lavagantes do tamanho duma Empala ou duma Pacaça o que, para nós, significava ficar na mesma porque os ditos como exemplo, se fossem animais, eram tão desconhecidos como os outros. Vinham outros de Moçambique que nos “emprenhavam” com iguarias em forma e nome de Caranguejos do tamanho das “gaivotas” do Tamariz e que, quando numa cervejaria ou restaurante pediam uma imperial, ainda primeiro que a bebida já lhes punham um prato de Camarões do tamanho de chicharros, à frente. Destes e doutros “filmes”, exemplares narradores era o “calhordas”, o “Pézinhos” e o Fernando e outros Abrunhenses reconhecidamente fiéis à tradição de passar boas histórias com muita “margem de progressão”, principalmente se tivessem, à posteriori, a colaboração do meu irmão.


Está bom de ver que bem instruídos e esclarecidos sobre “marisco”, estávamos todos. Ainda era o Ramos e haveria de ser o Cabaço que ainda não tinha descido à Abrunheira, que de sede servia para o nosso “clube do totobola”. O Caravaca-Pai, que gastava as vagas da Colónia tomando conta do café ao Ramos que na mercearia muito que fazer ia tendo, orientava e controlava os boletins semanais do totobola porque os “seus” consócios eram todos putos como o filho Filomeno Caravaca. É aqui, nesta parte, que me “salta-a-mola” com a qualidade deficiente do disco rígido instalado na minha “caixa-cinzenta”. Quantos faziam parte e quem eram eles? Alguns acertarei, outros inventarei ou omitirei mas, ainda assim, tenho a certeza que por parceiros tinha o Rui Simplício e o Filomeno Caravaca. Havia também, para além do Caravaca-Pai, um colega dele da Colónia e, quase que posso jurar (?), o Zé Fernando e talvez o Mário e se calhar também o Zé Costa. Será que eram tantos ou, pelo contrário, ainda falta algum?


O grande objetivo era juntarmos dinheiro para comermos uma “mariscada”. O sítio foi sendo aventado e, quando a meio do mealheiro íamos, lá nos decidimos em definitivo pelas bandas do “Onde o mar é mais azul”, a Ericeira. Quando o campeonato chegou ao fim, as moedas acumuladas eram tantas, que mais pareciam um prémio de totobola. Lá fomos, pelo menos uma parte, no “carocha” do colega do Caravaca-Pai na Colónia até à Ericeira conhecer e degustar o tão falado “marisco”. Lembro-me de ter ficado impressionado com umas “pinças-longas” que me disseram depois serem lagostas, num tanque logo à entrada do restaurante.


Marcante ficou a “mariscada”. Ainda durante muito tempo nos lembramos de quanto bem nos soube aquela comida com sabor a mar. Ainda nem mancebos éramos e já tínhamos comido marisco a sério. A outra grande vantagem foi termos ficado em condições de participar com conhecimento de causa, em todas as conversas que abordassem marisco. Um feito com elevação na nossa formação de putos espertos que, de agora em diante, viesse quem viesse, barretes sobre marisco, não nos enfiavam mais.


Naqueles idos dos últimos de sessenta e primeiro de setenta, o desconhecimento e ingenuidade eram certezas e o assunto do dia ou da semana ainda podia ser – o que é, o marisco? Os putos da Abrunheira não eram menos sabedores que os outros, os interesses é que eram limitados ao tempo e ao terreno. Era época que nem isqueiro ou acendedor se podia usar, só com licença passada pelo Governo Civil com visa da PIDE. As mudanças também aconteceram na Abrunheira e, como em todo o mundo, tudo está ao alcance dum clique num teclado ou dum simples toque num ecrã reduzido. A curiosidade e o interesse no saber são como o ar que se respira – são, e no minuto seguinte, deixam de ser porque as bandas larguíssimas têm mais velocidade.


Num dia daqueles idos dos últimos de sessenta e primeiro de setenta ficamos a saber o que era marisco!


A movimentação descrita nesta página que, quando se completar outro tanto do tempo contado em anos desde o histórico acontecimento – A MARISCADA – já constará nos documentos classificados de alto interesse gastronómico do finado império europeu e, até o nome dos sítios e dos participantes, terão tradução automática com uma simples aplicação ocular, porque os chineses nunca se adaptaram a outras escritas e leituras que não fosse o seu milenar mandarim.


(Baseado em factos reais mas muito ficcionado)


Silvestre Félix
15 de Julho de 2011

sexta-feira, 8 de julho de 2011

BONECOS DA BOLA

Rebuçados, laranjada, bonecos da bola e pés enfiados em botas bem cardadas com bons protetores na biqueira, era ambição suficiente para putos descalços e mal aviados de sustento para os gástricos ávidos de trabalho. Na Abrunheira também os havia como em todas as outras terras por esse País fora.
Nem mercados, nem agências de rating, nem União (?) Europeia, nem troika, nem Chineses, nem ninguém! Não tinham quem lhes calçasse as botas e lhes desse comer para a boca.
Os putos, depois de terem encontrado o boneco da bola mais difícil, lá foram à vida. Também fui à vida mas não andei descalço e nunca me saiu o boneco da bola mais difícil. A mim saiam-me sempre os mais fáceis e repetiam, repetiam que nunca mais acabava. No que respeita aos “calcantes” – sorte a minha, os bonecos da bola, nem era nem deixava de ser. A laranjada também experimentei aí com quatro anos. Não estava nada mal, mas o que eu queria mesmo era que a Burra-Carocha nunca crescesse mais. Querer de puto mas com muito carinho. Muitos Sóis e Luas passaram e continuo a lembrar-me da Burra-Carocha acabada de nascer da outra Carocha-Mãe.
E eu vi!
E o meu Irmão perguntava: Viste o quê?
Vi a Burra-Carocha nascer de dentro da Carocha-Mãe! (
Respondia Eu)
E o meu irmão: E agora?
Agora o quê? (
Dizia Eu)
Não digas nada à Mãe!
Dizia o meu Irmão mais perturbado do que eu.
E eu dizia: Eu sabia! Os cãezinhos também saíram de dentro da Mimi. Eu pensava, é que iam sair mais Burras-Carochas de dentro da Carocha-Mãe!
O meu irmão só ouvia, estava sem saber o que me havia de dizer.
Oh Mano, então porque é que os pintainhos saem dos ovos?
Uma laranjada, rebuçados e bonecos da bola faziam a felicidade dum puto de quatro ou cinco anos. Botas cardadas com um bom protetor na biqueira para chutar na bola de trapos, era luxo!
Naqueles anos, últimos dos cinquenta, o alcatrão chegava à Abrunheira. Desde a Padaria até ao Largo do Chafariz, depois para cima chegando ao Ti Miguel e um restinho fraquinho (eram mais pedras que alcatrão) pelo João Tirapicos, Cigamó, Quinta de Stº António e do Olival e a seguir pedra de calçada até à estrada nacional na curva. Para baixo do Chafariz, sempre a direito até ao fim, junto à regueira do curronquinho. Aqui acabava o lugar de baixo. A seguir era o caminho para o Caracol e antes, à esquerda, o campo da bola.
Oh Mano, a Mãe ontem estava a dizer que a “Estrela” ia parir hoje ou amanhã e queria que fosse vitela.
Oh Mano, “parir” é como a Burra-Carocha a sair da Carocha-Mãe, não eh?
Quantas vitelas vão sair? É como a Carocha-Mãe ou como a Mimi?
É pá, porque não perguntas à Mãe? (
Dizia o meu Irmão)
Já perguntei e a Mãe não disse!
Descalçava as botas para ficar igual. Os putos da Abrunheira, nos últimos dos anos cinquenta, eram mais felizes se estivessem iguais. As bolas de trapos não doíam quando se chutava.
E a minha Irmã e a minha Mãe: Onde estão as meias? Deve ter sido o vento… Será que foi a Carocha?
Os putos da Abrunheira também sentem culpa por causa das meias que enrolavam umas por cima das outras até fazerem uma bola de trapos que, com rebuçados, bonecos da bola e laranjada, faziam a sua felicidade.
Nunca me saiu o boneco da bola mais difícil e também não queria ir para a escola. Naqueles dois ou três sítios do alcatrão as cardas das botas serviam de patins. Era um escorregar que dava sermão em casa. Com o calor, era brincadeira marcar as cardas e principalmente os protetores, no alcatrão. Era a nossa marca!
Então o Mano vai dizer.
Mas tens de dizer tudo!
E disse!
Os putos descobriram como é nascer uma vitela e uma Burra-Carocha!
O que eu queria mesmo era que a Burra-Carocha ficasse sempre do meu tamanho!
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Silvestre Félix


(Foto – A minha Irmã Felicidade escreveu por trás da foto: «Silvestre com a nossa burra pequenina tirada em 26 de Agosto de 1958» e escreveu o seu nome por baixo.»)


8 de Julho de 2011

sexta-feira, 24 de junho de 2011

O MANCEBO E A FESTA!

Foi a dois, porque a três de Março assentei praça na Figueira da Foz. Estava zonzo da “tola” porque se tivesse em perfeito juízo, tinha dado parte de doente.
E agora? Pergunta quem lê… Foi a dois, o quê?
Responde quem escreve… É claro (para quem tecla) que na véspera de me apresentar no quartel, mesmo sem ter feito mal a ninguém e os outros (“os”, porque naquele tempo “as”, não iam à tropa) terem ficado todos numa boa na Abrunheira, foi a festa de despedida da condição de “mancebo” para ingressar na de “militar” (salvo seja).
Sendo portador crónico (a não ser que ultrapasse os 100 de tempo contado e passado em anos de viajem) daquela “síndrome” conhecida por “entas” como me esclareceu há dias o Rui, adquiri o bom (péssimo para alguns) hábito de inventar algumas coisas, de esticar outras e de meter nomes e alcunhas, mesmo sem bucha, em diálogos que às vezes nunca existiram. Por isso, que não se incomodem os citados e não me chamem nomes os bem memorizados. Não temos que nos chatear porque a maior parte das coisas que por nós passam, são todas inventadas ou, como agora se diz, virtuais. Em qualquer dos casos, para mim, quando se toca em nomes, o registo é, quase sempre, “lacrado”. Ontem, questionava-me o Simplício que, para os meus escritos, basta Rui e toda a gente sabe quem é, como era o nome daquele fulano…tal…que lhe parece filho do Sigamó? Pois claro, é o Lucrécio! E o Lucrécio tem duas irmãs que bem me lembro, a mais velha, casada com o António da “Russa” e a mais nova que bem me lembro do primeiro marido. Vamos lá perceber: Porquê “Sigamó”? Acham que tem alguma coisa a ver com: simplesmente – siga a mó – será isto? Seguir a mó, aquela de moer das azenhas ou dos antigos moinhos de vento?
Bem, quem para aí estiver virado que esclareça, vamos mas é voltar ao que me fez, neste dia de 40º à sombra, por estas terras mouriscas do Sul, ouvindo nuestros hermanos por tudo quanto é sítio e esplanadas, até no Chico, calculem? E teclar desenfreadamente com o São João à espreita e com o gosto da sardinha assada e do robalo escalado, como não consigo, tão bem saborear em mais nenhum lado.
Uma semana antes, quando já se adivinhava um verão quente e bem entrado já no PREC, os preparativos começaram a andar. A grande preocupação era garantir convivas de ambos os sexos de forma a tornar a festança mais alegre. Não era fácil mas, considerando a reputada compostura da rapaziada em questão, que da citação de alguns me responsabilizo sem recorrer a truques de invenção: Eu, o Rui, o Zé Carmo Silva, o Zé e o Fernando Marques, o Mário e muitos outros.
Para compor e garantir o emparelhamento, chegamos a promover um “porta-a-porta” na Abrunheira e arredores, como se de angariamento partidário ou religioso se tratasse. Duma forma geral os progenitores das donzelas eleitas, principalmente as mães, acreditaram nas nossas “boas intenções”, aliás, nunca lhes demos razões para não acreditarem, e o resultado dessa jornada a abarrotar de charme, foi pleno de sucesso como se comprovou no tal dia dois, véspera de três de Março do ano do PREC.
Ainda não perdi a esperança de, com a ajuda de máquina parecida com esta onde botamos letras, formamos palavras, construímos frases e completamos textos, conseguir regredir em trinta e seis de tempo em anos contados, mostrar o desfile de abrunhenses e não só, desde o “Cabaço”, dando a volta pelo Ramos, depois pela esquerda até ao fim do alcatrão (mais ou menos onde mora o Casaca), seguindo à direita pelo caminho de terra e pedra pouco batida até ao Caracol, assim se chamava aquela zona, desde a URCA para baixo.
A adega do Zé estava a abarrotar. Muito se petiscou, muito se dançou e muito se bebeu. Desde as três da tarde daquele dia dois de Março até… não sei, perdi a conta… só me lembro que às seis e meia da manhã do dia seguinte ainda estava bêbado. Quando a minha Mãe me chamou e levantei a cabeça, tive que ir a correr para a casa de banho porque o estômago ainda rejeitava tudo, até a saliva. Foram muitas horas de “adega”. O termo está literalmente correto. Muita bebida se levou mas, também, do líquido corrido pelas goelas abaixo, muito de boleia chegou com o Ti Azevino de mares muitas vezes navegados.
Falando em navegados e navegadores, em idas e vindas, muitos amores também iam e vinham. Naquela véspera de três de Março, ano do PREC e a nove dias do célebre onze em que se proclamou – eles andem aí – algumas paixões despertaram, outras se consolidaram e também uma, pelo menos, se findou. Sem paixão, mas só por uma questão de traços e caminhos da vida, alguns se desencontraram de vez depois de ali terem estado juntos.
De decente tudo aconteceu e nem é preciso disfarçar ou negar a alegria de toda a gente menos eu, que, de inventar também me apetece. O “Custódio”, que linguado nunca tinha visto e muito menos o sabor conhecia, na minha despedida de «mancebo» alguma coisa prendeu. Depois de ter metido umas cervejolas e no meio do vinil da Jane Birkin, descobriu os lábios rosados e carnudos da carinha laroca que com ele dançava, ou melhor, fazia que dançava, e, sem pedir licença, aplacou-lhe as beiçolas selando um prazer nunca antes experimentado. Como o “Custódio”, outros e outras se aplacaram com a mesma dose porque o Zé repetiu o mesmo vinil, e, para “capitalizar” a onda, lá desencantou outros da mesma “lenga-lenga”.
Ai que festa! Saudade bem sentida naquelas noites de Março do ano do PREC e da fundação da URCA, na preparação do corpo para a “Ordem-Unida” do dia seguinte. Não foi só a celebração do último dia antes da tropa, foi também o final de algumas outras coisas. Nos dias seguintes, de farda me vestiram, o cabelo me cortaram, de espingarda me armaram e em “cego” obediente me transformaram. Obediência estratégica, pensei eu!
Silvestre Félix
24 de Junho de 2011

quarta-feira, 15 de junho de 2011

AS NOSSAS MÃES!

Oh filho, quando fores por esses caminhos acima tens de olhar bem lá para a frente e, ao mesmo tempo, deves ter sempre muito cuidado com quem pode vir atrás… Primeiro atravessava o das Sesmarias e depois, lá mais acima, a regueira da mulata. As vaquitas e, na maior parte das vezes a Carocha que de burra tinha pouco, tinham a dianteira que bem sabiam o destino largo dos Celões. Entravam sem engano na ponta de baixo à esquerda e nunca tiveram a ousadia de seguir em frente em direção ao Linhó.
Por esses caminhos acima… os degraus da vida, de que a Minha Mãe sempre me falava. As Mães da Abrunheira eram iguais às outras. Todas eram as melhores para cada um dos putos abrunhenses e eu não era exceção – Não havia Mãe melhor, que a Minha! Estava sempre disponível para me ensinar mais um degrau e, muitas das vezes, com exemplos da sua vida cheia e rica de labuta pela família e futuro dos filhos. Tanto tempo contado em anos passados, não são poucas as vezes que uso e pratico os seus ensinamentos.
No tempo que passo em horas, dias e anos, teclando escritos fluidos da parte arrumada da memória, e sendo Abrunheira a temática, é certo e sabido que nas subidas e descidas das mais variadas personagens pelo palco, nas falas e deixas que compõem o nosso teatro, lá está sempre com o seu papel bem estudado, a Minha Mãe! Algumas das perguntas e respostas, frases soltas e coladas dos nossos diálogos, aparecem de quando em vez nas minhas postagens ou, simplesmente, em manuscritos que por aqui vão ficando…


Oh Mãe, os Índios são todos maus e os cowboys são os bons? Não filho! Há bons e maus nos dois lados! Oh Mãe, mas nos “quadradinhos”, escrevem que os Índios é que são os maus… Eu sei filho, mas os que escrevem também podem estar enganados… Mas naquele filme que eu vi na “sociedade” à noite com a Felicidade e o Alfredo, eles também diziam que os bons eram os tropas e os maus, os Índios… Está bem filho, mas quem faz os filmes também se pode enganar. Quando fores maior vais perceber melhor…
Oh Mãe, quando eu for grande também vou para a tropa? Vais, todos os homens vão à tropa! Mas oh Mãe, eu não gosto da tropa nem da guerra… quando for para a tropa também tenho que ir para a guerra? Não filho! Ainda faltam muitos anos para ires para a tropa e, quando fores, a guerra já acabou! Oh Mãe, na Guerra das Áfricas os “Magalas” também morrem como naqueles livros aos “quadradinhos” da Guerra dos alemães e do Major Alvega?
Oh Filho, tens de ter muito cuidado para ninguém ouvir esta conversa. Vê lá se está aí alguém desse lado.
Não Mãe, aqui não está ninguém!
A Mãe também não gosta da tropa nem da guerra, mas não digas isto a ninguém porque os que dizem que são os bons, podem vir fazer mal à gente…


A "Ti Augusta" desfazia-se em lágrimas, cada vez que tinha, por qualquer razão, de desfazer-se de alguma das suas bichinhas – ajudava-as a nascer, criava-as, aliviava-as da pressão do primeiro úbere cheio festejando a transformação em leite, acompanhava o primeiro cio com o cuidado que a situação requeria e, para fecho de ciclo, tratava-as e preparava-as para a função de mães, recomeçando tudo outra vez.


A Minha Mãe fazia anos a 12 de Junho, véspera de Santo António.


Silvestre Félix
12 de Junho de 2011

domingo, 12 de junho de 2011

URCA – RANCHO FOLCLÓRICO

As tarefas eram mais que muitas e todos os dias apareciam ideias novas como se fossem rebentos de feijões. O levantamento das paredes do pavilhão ia andando, não com a velocidade que queríamos mas suficiente para quebrar a nossa ansiedade. Passado algum tempo, estabelecemos o dia da inauguração do pavilhão para dia 18 de Abril de 1976, data do primeiro aniversário da instalação da URCA no local onde ainda hoje permanece.
O programa começou a ser preparado e, entre as várias vertentes da área cultural, surgiu a ideia de se formar um Rancho Folclórico. Logo à partida a coisa não se apresentou muito fácil de levar a cabo mas, a vontade e força da Celeste, da família Irra e de toda a gente, materializaram-na e, passado pouco tempo, estavam a formar um grupo adulto e outro infantil. Coordenaram a criação dos trajes, recolheram as músicas e as danças e, por fim, ensaiaram os dois grupos.
A Abrunheira estava em festa nesse dia e o pavilhão da URCA, ainda sem janelas e portas, ia finalmente receber toda a população abrunhense para assistir a um espetáculo variado, autêntico e caseiro. O Rancho Folclórico, que envolvia muitos participantes adultos e infantis, maravilhou toda a gente e marcou, não só uma data e a URCA, mas uma época em que muita coisa boa se fez, viu e ouviu na Abrunheira.
Depois de Abril de 1976 muito se questionou a paragem e o consequente desaparecimento do Rancho Folclórico que envolveu tanto trabalho e tantos abrunhenses. Razões houve com certeza e todas elas atendíveis na altura, o que pretendo é recordar e homenagear quem teve a ideia, quem criou, quem organizou, quem ensaiou e, duma forma geral, quem participou.
Remexer em baús de recordações tem este efeito – regressarmos ao passado e saudarmos os que connosco viveram os melhores momentos.

Silvestre Félix

(Foto: Rancho Folclórico Infantil - Baú de Silvestre Félix)
PS: Muitos sócios da URCA e habitantes da Abrunheira participaram nesta e noutras realizações. Era importante ser possível consultar o primeiro livro de atas da Direção e as primeiras pastas de arquivo da URCA para referir nos meus escritos, com certezas, muitos outros nomes.