terça-feira, 11 de janeiro de 2011

FUNDAÇÃO DA URCA - CAPÍTULO I - 2ª PARTE - ANTES DE 3 DE JANEIRO DE 1975

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Não estávamos a inventar a “pólvora” e o facto de na Abrunheira não haver nenhuma forma de coletividade ativa, levou alguns de nós a participar em iniciativas culturais ligadas à Igreja Católica na paróquia do Algueirão. Nesta fase da vida do nosso País, as organizações juvenis católicas, eram muito dinâmicas e, duma forma geral, com uma prática anti-ditadura e progressista.
Durante dois ou três anos, seis, sete ou oito, rapazes e raparigas da Abrunheira, integraram esse grupo de Algueirão que promovia uma grande festa anual de homenagem aos Avós, com mobilização, acima de tudo ao fim de semana, de pelo menos uns seis meses. Para a época era uma coisa com peso a nível de Concelho.
A participação neste grupo deu-nos experiência de organização, de contornar a censura, iludir a pide e os seus informadores e muita vontade de fazermos coisas na Abrunheira.

Entretanto o primeiro trimestre de 1974 corria turbulento e, depois do 16 de Março, pairava a sensação que alguma coisa ia mudar. Chegamos ao glorioso dia 25 de Abril. Pelas sete da manhã, a minha Mãe chamou-me como de costume e diz-me: “que….enfim, era melhor não ir para Lisboa, porque estavam a dizer no rádio que havia por lá uma revolução.” Tal como se desprende uma mola, sentei-me na cama, liguei o rádio que tinha à cabeceira sintonizado no Rádio Clube Português (o antigo. Não tem nada a ver com o atual), mas só ouvia marchas militares. Perguntei à minha Mãe o que tinha ouvido, mas ela coitada estava mais baralhada que eu. A minha grande dúvida naqueles minutos, era se se tratava de um golpe de esquerda ou de direita, ou melhor, se contra ou a favor da guerra. As marchas militares não me agradavam, passavam-me uma ideia muito militarista, contrária, como se sabe, à minha filosofia de vida já naquela altura.
De repente, pararam as marchas e ouvi a voz inconfundível de Luís Filipe Costa lendo o célebre comunicado do MFA: "Aqui, posto de comando do Movimento das Forças Armadas…..etc, etc", que, dizia o que eu queria ouvir, os principais objectivos do movimento eram: Derrubar a ditadura, instaurar a democracia e acabar com a guerra colonial (na altura, habitualmente designada guerra do ultramar).


Levantei-me muito mais depressa que o costume, e, passando pela preocupação da minha Mãe a que se juntava também o meu Pai, lá fui apanhar a camioneta para Sintra. Bebi a bica no Cintya como o fazia diariamente e, antes de entrar no comboio que acabava de chegar à estação de Sintra, reparei que desembarcavam muitas pessoas que vinham com certeza de Lisboa como se fossem 7 horas da tarde. Então, fui atrás dum funcionário da CP, perguntei-lhe se ia haver comboios para o Rossio e ele disse-me que sim, só não sabia se depois havia de Lisboa para Sintra.
A curiosidade era muita e, além do mais, tinha o trabalho à minha espera pelo que, só tinha razões para fazer o mesmo dos outros dias e ir até à Capital.

Como todos sabemos, de normal o dia não teve nada, mas isso é outra história. Lá pelas sete da tarde de 25 de Abril de 1974 já estava na Abrunheira com os meus companheiros a trocarmos as histórias do Dia, e eu, com a edição actualizada do jornal "República" (Que guardo comigo até hoje), e a delinearmos a estratégia para o nosso grupo, agora em total e completa liberdade.
Passamos a noite de 25 para 26 a conversar, jogar king e a ouvir as notícias pela rádio na adega do Pai do Zé Carmo Silva. Tenho receio de ser injusto e não referir alguém, mas não errarei muito se disser que nessa noite, estivemos juntos, pelo menos, eu, o Zé Carmo Silva, Zé Marques, Fernando Marques, Mário Martinho e Rui Simplício. Tenho quase a certeza que havia mais gente mas, sinceramente, não consigo lembrar-me quem.

O ano de 1974 foi correndo com todos os acontecimentos que nós conhecemos, e, as nossas actividades foram evoluindo, agora, em democracia e com horizontes mais largos. O conceito de Associação foi crescendo, até que, depois do Verão de 1974, o que viria a ser a URCA estava feito. Fomos falando com o pessoal do futebol e, antes do Natal, estava tudo acordado. Faríamos a união do grupo de futebol existente com a componente cultural e o nome ficou logo acordado.

Fomos fazendo o trabalho de casa, passou o Natal, o Ano Novo e, no dia 2 de Janeiro de 1975, reunimos na casa dos Pais da Odete Santos. Estiveram presentes, creio, Silvestre Félix, Carmo Silva, Zé Marques, Fernando Marques, Mário Martinho, Zé Barros, Cristina Peniche, Fernanda Barros, Joaquim António (Quitó) e Odete Santos. É provável que estivesse mais alguém. Peço desculpa por qualquer omissão mas já passou muito tempo. Assistiram, porque estavam em sua casa, o Joaquim e a Julieta Santos. Nessa reunião combinamos todos os pormenores e ficamos prontos para o grande momento.

No dia 3 de Janeiro de 1975, reunimos uma grande Assembleia no local onde funcionava a sede do Grupo Desportivo e que se chamava "A Sociedade".

Foi declarada a criação da URCA-UNIÃO RECREATIVA E CULTURAL DA ABRUNHEIRA, e foram logo eleitos os Órgãos Dirigentes da nova Associação. Direção, Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal. Assinaram o livro de presenças, e, por consequência, passaram a ser Sócios fundadores, mais de 30 pessoas.

(Continua)
(Extraído dos textos “Abrunheira, Terra com História” de Silvestre Brandão Félix, publicados no extinto blogue “Aldeia Viva” durante 2007 e 2008.)
(Correção e atualização do autor em 2011)

Silvestre Félix
11.01.2011

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE SÃO PEDRO

Hoje, pelas vinte e uma horas, no Salão Nobre do Quartel dos Bombeiros de São Pedro em São Pedro de Penaferrim, realiza-se a cerimónia de tomada de posse dos Órgãos Sociais da ASSOCIAÇÃO HUMANITÁRIA DE BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE S. PEDRO DE SINTRA para o triénio 2011/2013, eleitos no passado dia 20 de Dezembro de 2010.
ASSEMBLEIA GERAL

Presidente: Silvano Manuel Santos Inácio Sócio nº 4693
Vice-Presidente: Iduino Manuel Nobre Vicente Sócio nº 1246
1º Secretário: Silvestre Brandão Félix Sócio nº 4275
Suplente: Miguel Nuno Pereira Forjaz Sócio nº 2403
DIRECÇÃO

Presidente: Joaquim Manuel Silva Duarte Sócio nº 3208
Vice-Presidente: João António Conceição Pereira Sócio nº 627
Vice-Presidente: António José Antunes Silva Valentim Sócio nº 4272
Vice-Presidente: Comandante do Corpo de Bombeiros
Tesoureiro: Ricardo David Palmeiro Abreu e Castro Sócio nº 5310
1ª Secretária: Ana Cristina Amada Correia Sócia nº 5276
2º Secretário: Jorge António Almeida Torres Sócio nº 3211
1º Suplente: Manuel Maria Nunes Sócio nº 4639
2º Suplente: Rafael Cabrita Martins Sócio nº 703

CONSELHO FISCAL

Presidente: João Alberto Rodrigues Peniche Sócio nº 3250
Vice-Presidente: Valentina Maria Azinheira Matoso Sócio nº 5081
Secretário Relator: António Augusto Batista dos Santos Bento Sócio nº 685
Suplente: Pedro Manuel da Costa Ventura Sócio nº 5268

Como se sabe, o novo Quartel está praticamente pronto e, muito em breve, assistiremos à sua inauguração podendo os Bombeiros de São Pedro ocupar a nova casa a que, há muito, tinham direito.

Silvestre Félix

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

FUNDAÇÃO DA URCA - CAPÍTULO I - 1º PARTE - ANTES DE 3 DE JANEIRO DE 1975

A propósito do 36º aniversário da fundação da URCA, inicio hoje a publicação de um texto, em dois capítulos (antes e depois de 3 de Janeiro de 1975) e, por sua vez, dividido em duas ou três partes cada.
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O café do Cabaço, hoje fechado e com uma placa com o nome de “Almada”, era o nosso ponto de encontro. Era lá que se conversava, via televisão, lia as notícias, conspirava, namorava e também se comia, bebia, jogava matraquilhos e king, enfim, era a nossa segunda casa e, para alguns, quase a primeira.

Quando o Cabaço fechava, ainda subíamos o "curronquinho" (não sei a origem do nome nem se a palavra está bem escrita, mas era assim que chamávamos à rua que, mais tarde, seria batizada de “Ferreira de Castro”) e ficávamos à conversa, muitas vezes “subversiva”, na esquina da Ferreira de Castro com a MFA madrugada dentro, e sempre atentos a qualquer movimentação suspeita, a PIDE andava aí e não brincava em serviço.

O emprego frequente do pronome na primeira pessoa do plural (nós) é consciente. A intenção é passar uma ideia verdadeira de grupo que, de fato, existia. Éramos todos muito novos mas bastante responsáveis. Eu, era dos mais velhos e em 1974 tinha 20 anos. Não vou referir uma lista de nomes, porque posso ser injusto com alguém mas, não fugirei à verdade, se disser que os participantes nestas tertúlias, com mais ou menos assiduidade, constam nos fundadores da URCA.

No entanto, não posso deixar de destacar algumas pessoas da geração dos nossos pais que nos ajudavam a concretizar as nossas festas e realizações recreativas e culturais. O Saraiva da serração, que várias vezes nos emprestou as suas instalações para aí fazermos bailes ou programas de "variedades". O Cabaço e a sua esposa Silvina, que nos aturavam todos os dias, e, visto à distância, tinham muita paciência, o Joaquim Santos e a esposa Julieta que acompanhavam a filha Odete em reuniões do núcleo duro que, algumas vezes, foram feitas em casa deles.

O final de 1973 e o início do ano de 1974, já muito perto do 25 de Abril, foi um período bastante turbulento. Ainda em 1973 tiveram lugar as últimas pseudo-eleições promovidas pelo regime da ditadura, em que, muito embora tenham sido apresentadas listas de oposição, acabaram por desistir porque não conseguiam fazer campanha. Qualquer comício ou simples reunião promovida pela oposição, era invadida pela polícia com orientação da PIDE (nessa altura DGS). Um desses acontecimentos que conseguiu chegar ao conhecimento da generalidade dos Portugueses, foi a Convenção Democrática em Aveiro, em que os participantes eram em tal número, que a polícia+pide não conseguiu esconder, como sempre fazia.

O regresso de Spínola da Guiné e a publicação do seu livro “Portugal e o Futuro” em Fevereiro de 1974, o 16 de Março (levantamento militar do quartel das Caldas da Rainha) a ida da "Brigada do reumático" a S. Bento, discursos e contra-discursos, fazia com que andássemos um bocado agitados. Para temperar ainda mais o ambiente, chegava-nos todos os dias às mãos, propaganda contra a guerra colonial, contra o regime e a Pide, enfim, tudo o que o Governo da ditadura proibia e considerava propaganda comunista, anti-patriótica e subversiva.

Naquele final de 73 e princípio de 74, assisti várias vezes em Lisboa a investidas da polícia de choque. Ninguém queria ir para uma guerra, ainda por cima, para a Guerra Colonial que considerávamos injusta, não só para nós, como para os povos das antigas colónias. A Guerra Colonial era o motor mais visível da contestação ao regime, na população duma forma geral e dentro do regime, mas era uma realidade e eu, “assentaria praça” a partir de Janeiro de 1975, pelo que, não havia um dia, uma hora, que não me lembrasse disso.

No entanto, no meio de todas estas preocupações, a ideia de criarmos uma Associação de cariz cultural e recreativo na nossa Terra não esmorecia, pelo contrário, à medida que o tempo passava, mais se cimentava essa certeza.

(Continua)
(Texto corrigido e atualizado. Extraído da postagem de Silvestre Félix publicada no extinto blogue “Aldeia Viva” em 11 de Novembro de 2007)

Silvestre Félix
3 de Janeiro de 2011
Tags: URCA

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

TI MENDES-DO-CACHIMBO

O cachimbo do Ti Mendes-do-Cachimbo, era tão comprido como a sua barba branca a atirar para o amarelo, tal era a quantidade de fumo que pelos seus pêlos passava.

A cana tinha de ser especial. Só aquelas duas, lá no cantinho da horta, davam para fazer, de quando em vez, mais um cachimbo.

O Ti Mendes-do-Cachimbo gostava com aquele diâmetro que na pouca conversa oferecida lhe chamava largura. Aquele fogareiro beiçudo, como ele dizia, era sempre uma obra de arte como nunca se viu na Abrunheira e, como a perfeição muito lhe exigia de perícia, demorava, pelo menos um dia de Verão, a dar por finda mais uma tarefa serviçal da nicotina, em tempo de fartura, e de queimadura saudável, biologicamente falando, porque também o fogareiro beiçudo se ocupava, em época de contenção, de, em cinzas transformar as bigodaças do milho semeado, que ao galo galaréu se destinava.

Metida a mão por dentro do casacão, nunca se sabia a qual dos fogareiros o Ti Mendes-do-Cachimbo ia dar uso. Sempre dois ou três estavam operacionais e era preciso. Tinha a ver com a resistência do material ao calor do lar. De força pulmonar bem servido, o hortelão do Pexincha, sempre sabia quando devia apagar a brasa fumegante e trocar de ferramenta.

O casacão, meio casa andante, com bolsaria bem distribuída, municiava qualquer necessidade do Ti Mendes-do-Cachimbo. Com aquela ausência incompreendida de palavra, do nada, o Ti Mendes-do-cachimbo sacava dum bolso a navalha, do outro um garfo, e de outro ainda, o cachimbo, que a seguir atascava de material tabacoide que – depois de executado aquele gesto dedal cheio de floriados, com o raspanço do fósforo na lixa da caixinha – recebida a ardente chama, se incendiava entranhas adentro.

Com a sincronização das chupadelas no fogareiro beiçudo, a estabilização fumegante não tardava. Mais tosse, menos cuspidela, e a função estava no ponto.

Em tempo contado em anos, andará, mais ou menos a meio dos quarenta e dos cinquenta, que pararam as muitas passadas nas solas das botas cardadas e plainadas do Ti Mendes-do-Cachimbo, entre a horta do Santo António e a Menina Emília ou a sopa da Mariazinha, passando pela garagem do portão azul.

SBF

(Escrito de Silvestre Félix)
(Baseado na realidade mas com alguns nomes e situações ficcionadas)

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A MARCA DA NOSSA TERRA

Como tantas vezes se tem dito, a URCA é a marca da nossa Terra!

A fase atual da coletividade, considerando o seu objeto estatutário, não é boa nem má, é assim-assim!

Para além do Bar com ambiente renovado e atendimento agradável do Zé e da Fernanda, a vertente desportiva tem vindo a funcionar com regularidade no que respeita ao futsal, atletismo, várias disciplinas e variantes de dança e movimento do corpo e a escola de futebol. Penso não me estar a esquecer de nada, mas estas atividades têm dado algum movimento ao espaço e vão levando o nome da URCA e da Abrunheira a outras paragens. Só é pena que, nalguns casos, a competição não possa acontecer na nossa Terra, mas é melhor que nada.

Se desportivamente a coisa ainda mexe, do ponto de vista cultural é um vazio completo. No início da URCA, foi exatamente ao contrário. A vertente cultural era o princípio e o fim de toda a movimentação na URCA e na Abrunheira, ao passo que agora, tudo está quieto.

Neste tempo e neste âmbito, as opções são muito amplas, não se resumem à existência de um grupo de teatro. Por outro lado estão ativas na zona e no Concelho, algumas congéneres e outras associações só culturais, que congregam, por sua vez, grupos mais pequenos, que realizam com regularidade todo o tipo de atividades culturais.

Constata-se portanto, que a Abrunheira tem um deficit de atividade cultural a nível associativo que, necessita ser resolvido.

A minha geração não está isenta de culpa. Fizemos a nossa parte e devíamos ter tido capacidade suficiente para passar a mensagem e, está provado, não tivemos.

É importante virar a situação. Acredito que existe força e juventude capaz de, preferencialmente numa secção cultural da URCA, inverter este estado de coisas e, aproveitando o património existente (GITU e GC Alentejano), recuperar e desenvolver este pólo que está na gene da nossa coletividade.

Evidentemente que a URCA tem uma equipa de Órgãos Dirigentes em funções e o seu programa de gestão pode não passar por nada disto que falo. Neste caso, a sua vontade é determinante para o sucesso dum trabalho com estas características.

Silvestre Félix

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

OS CAMINHOS

Vai um cigarrito Ti “Joquim” ?
Vai vai, e já agora, dá lá um bocadinho do teu lume.
Diz-me cá, será que ele caiu da cadeira sozinho, ou alguém deu uma ajudinha? É que “um’ocasião” ….
Oh “Ti Joquim”, eu não sei, mas duma maneira ou doutra, o certo é que caiu, já passou um mês e o homem não voltou à outra cadeira de S. Bento e, pelo que parece, nunca mais lá vai voltar. No próximo dia 27 deste mês de Setembro de1968, três meses de tempo depois do Maio de 68 de França, e seis anos e quatro meses antes da revolução dos cravos, o Salazar vai ser substituído pelo Professor Marcelo Caetano, e começará aquilo que se vai chamar “a primavera marcelista”.

“Om’essa”?! Bem sei que estamos a falar do que vai acontecer no futuro, mas como é que tu sabes desses pormenores todos?
Se é o “botas” que manda, como é que vai substituir-se a ele próprio?
Vai daí, ainda me vais dizer que a Abrunheira vai ficar cercada de estradas novas, grandes prédios com lojas lá dentro, automóveis por tudo quanto é sítio e que têm que dar a volta aqueles jardins redondos que vão plantar por todo o lado, que o João de Leião vai casar outra vez, que o rio das sesmarias vai deixar de ser limpo, que as enguias vão desaparecer, que o pomar que o teu Pai leva, vai ser arrancado pela raiz e “era uma vez” aqueles saborosos pêssegos-rosa, que os fornos de cal vão ser deitados abaixo, que o carrascal vai ficar cheio de casas, que as pedreiras do Ti Miguel vão ser tapadas, que o Chico da Beloura vai ter que ir à vida com o rebanho, que da Beloura só irão falar os mânfios da “massa”, que na Lavi, nos eucaliptos e na Charneca vão ficar grandes lojas e armazéns para toda a gente comprar tudo e mais alguma coisa, que nunca mais vai vir a debulhadora à Abrunheira, que vai deixar de se ouvir os grilos e as cigarras a cantar… e por aí fora!

Oh Ti “Joquim”, é isso mesmo, tudo o que está a dizer vai acontecer e muito mais coisas, e os pormenores sei-os todos.

É verdade Ti “Joquim”, o tempo vai correr muito depressa e, falando em estradas, a preta para Lisboa vai passar a chamar-se IC 19 e vai afunilar-se de carros todos os dias, da frente da Adreta dos Plásticos, vai sair outra que lhe vão chamar variante a passar por cima do campo da bola de Albarraque, rasgando a quinta da Boa Esperança e por cima do chafariz e das hortas, sempre a correr, a correr até à entrada da Tabaqueira na esguelha do Casal de Varge Mondar que depois já não é Casal porque no sentido das costas de Albarraque vão aparecer muitas moradias e muitos prédios altos. Ao cimo da “Charneca” e do chafariz da D. Maria II e antes de Ranholas do Pocinhas, para o lado de Mafra por Pero Pinheiro, seguirá o IC 30 e, virando á direita, ao lado da reta da Granja do Marquês em direção a Belas o A16, e para o outro lado em direção a Alcabideche, será também o A16 com casinhas para cobrar bilhetes e, sempre a direito sem cruzamentos, abaixo da Quinta do “Anjinho”, da Colónia, pelos “Celões”, que nessa altura será a Beloura, e até ao pé do Quartel de Alcabideche que já era e que depois é o Hospital de Cascais.

Eu sei que aquele tempo que tu contas em anos, vai correr depressa e muito mais que eu com esta perna mais curta, mas diz-me lá outra coisa;
Com essas “pretas” todas, como é que se vai andar por esses caminhos acima?
Como é que eu vou até ao Linhó?
Como vou por Ranholas para seguir a Sintra à “ajuntadeira”?
Vão cortar os caminhos ou vão passar por cima?

Pois é Ti “Joquim”, por essa altura, os “passarões” que estão no poder, vão ligar muito pouco ou nada a esses caminhos por aí acima, e pelo que já descobri, o caminho de Ranholas, que se vai chamar rua da Abrunheira por aí acima, vai ficar cortado pelo tal A16.

O quê? Não pode ser! Então como é os Abrunhenses vão para Ranholas e para o mercado? “um’ocasião”…

Ti “Joquim”, não há dúvida, que mesmo daqui a quarenta e tal anos contados em tempo duro de roer, os caminhos públicos por aí acima utilizados pelas populações, devem ser mantidos ou, se em consequência de novas urbanizações for necessário alguma mudança, os acessos e serventias devem ser garantidos, por isso, os do poder, devem preocupar-se em salvaguardar os interesses de quem os elege.

Quarenta e tal anos depois, no final deste 2010, se por maldade, o Ti Joaquim (Cagachuva), viesse cá, decerto ficaria indignado com muita coisa. O Ti Joaquim era um dos sapateiros da Abrunheira e um contador de histórias dos melhores. Passava muitas horas a ouvi-lo!

Silvestre Félix

(Texto corrigido do inicial publicado no desaparecido Blogue “Aldeia Viva” em 8 de Setembro de 2008)

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

NOITE DOS PUDINS

O dono de um dos poucos carros existentes na Abrunheira e o único existente no grupo, o Zé Silva condutor exímio e de brincadeira fácil na linha da estrada, desenhando com frequência rasante gincanas e, na consulta repetida do dicionário que sempre trazia consigo, nunca conseguia encontrar a palavra “devagar” – era a nossa ordem de “soltura”. A lotação era de cinco incluindo o condutor, mas quase sempre, pela escuridão da noite a dentro, metidos naquela carrinha de cor verde-folha, a marca não interessa, lá andavam sempre seis, sete e às vezes mais.


O roteiro era vasto para a nossa capacidade de escolha e de carteira, mas, naquela zona temporal, era ainda Abril uma criança, o PREC tinha acabado de nascer e a URCA já na sala de partos e nós, rezando a todos os “santinhos” – que na altura eram muitos – para que não fosse preciso cesariana, com o “vinil” de intervenção a dominar o aparelho auditivo dos portugueses, numa justa desforra dos últimos anos da ditadura em que a intervenção já existia e muita, mas, o “vinil”, era a PIDE que dele tratava, vingando em “vara larga” o chamado “nacional cançonetismo” que o “lápis azul” deixava e acolhia como hino à pátria sagrada.

Naquela véspera de «manhã com cama por companheira», o nosso destino de curta distância mas mais comprida que a adega do Zé, foi a “Quinta do Recanto” em Mem Martins. O Restaurante Chaby estava em obras e, provisoriamente, instalou-se naquele sítio porreiro. Para tão grande escassez de viaturas motoras na nossa cintura que diziam industrial de Lisboa, a coisa não estava má, é que o parque de estacionamento debaixo daqueles altíssimos eucaliptos estava cheio e não fora a perícia do Zé Silva na arrumação à primeira, que lá teria a carrinha de cor verde-folha, a marca não interessa, que ficar do lado de fora do muro da quinta, encurtando a largura da rua que já era estreita.

A comitiva era composta por seis ou sete mancebos, de nome dado e inspeções feitas, com a farda militar como vestimenta num horizonte muito próximo. O tempo passado e em anos contado, é meu adversário quando se trata de nomes citar e, por isso, mancebo para cima e mancebo para baixo, fica muito bem. As excepções contam para os papéis principais da noite que, desses, os anos contados não me desmemorizaram. Revisão garantida com nomeação no texto se, depois de conferidas e dadas como certas outras memórias, garantirem sem falhas, uma a uma, a referência baptismal de todos os comensais. Temos orgulho na nossa terra que entre: Brasil e Capa Rota, Casal da Peça e Colónia e Caracol e Charneca, tem precisão de nomes de gente que se lhe encaixe, porque de velho já pouco tem e novo vai o “Curronquinho” (assim escrito à minha maneira porque, nunca vi, nem desta nem doutra em nenhum outro lugar), com as vivendas todas certinhas, pintadinhas e alinhadinhas.

O nosso amigo das mesas tomou, como prioridade, sentar-nos a jeito da comezaina porque decerto, era para isso que ali estávamos. Cadeiras ainda não ocupadas e pedidos listados. O churrasco se avistava e não tardou que o entrecosto e as febras por lá saltitassem, enquanto o tinto escorregava, como de mangueira ligada se tratasse. O pão saloio, o queijo curado e o fresco, não deixavam que a mastigação fosse interrompida, empreendendo uma corrida sem tréguas, contando com o cocktail ácido do estômago, a esta hora, faminto e ávido de matéria, para que a máquina digestiva engrenasse no trabalho que mais sabia fazer e que ia durar a noite toda.

A conversa corria e os decibéis aumentavam à medida que o vinho diminuía. Entrecosto e febras já eram e o tempo da sobremesa aí estava, e, ao mesmo tempo, lá fora batia que não era brincadeira. «Batem, batem, levemente… Será chuva? Será Gente? Gente não é certamente e a chuva não bate assim!» Foi do que me lembrei, mas era mesmo a chuva que batia, e muito, ainda por cima, o telhado tinha zonas de zinco. Então, estavam os mancebos olhando para a carta das sobremesas, como se conseguissem ler alguma coisa… só fingiam, porque o “trotil” tinha corrido muito. Continuavam a olhar para o papel e ninguém se apercebeu que o Rui Simplício se levantou – ainda hoje tenho sérias dúvidas como conseguiu – e, sorrateiramente, foi ao balcão. Virou-se ao contrário, ou seja, deu meia-volta arrastada, que de ordem unida ainda não tinha lições, e, os presuntos, a atirarem p’ra banda, (banda normal porque ainda não havia a larga) na nossa direção ficaram.

Naquela verticalidade se manteve, para dar azo à gargalhada que, a pouco e pouco se desprendia, ao mesmo tempo que do nosso ponto de observação, a mesa comensal, conseguimos perceber o que o mancebo de pé, como se pregado ao chão estivesse, tinha apoiado nas duas mãos abertas na horizontal e com as palmas viradas para cima: uma bandeja cheia de pudins enformados. A nossa expectativa era grande: Como ia aquele gajo resolver o problema? Ficava ou andava?

Não demorou muito a perceber. Começou a ensaiar uns curtos passos na nossa direção, as gargalhadas eram cada vez mais longas e barulhentas, conseguindo mobilizar a atenção de toda a clientela do Chaby e, quando estava já bem no meu da sala, a bandeja começa a bandear-se para um lado e para outro, cai o primeiro pudin, e numa reação sistémica ao riso do nosso parceiro de mesa, um cliente atrás do outro gargalha, e, no momento seguinte, estava o restaurante inteiro rir a “bandeiras despregadas”. A seguir cai outro pudin…e mais outro, outro…, outro… e, por fim, vira-se a bandeja com o resto dos pudins, e vira-se o Rui numa meia-caída de parafuso e colocado de joelhos, continuando numa gargalhada contínua sem se perceber onde a coisa ia parar.

Não fosse o tintol já acamadinho na trabalheira digestiva, e com o vapor alcoólico vagueando pelas artérias de acesso ao interior capilar de cada um, e, decerto, não teríamos encarado a diversão da mesma maneira. Continhas feitas e “jojo” na rua, lá regressamos à segurança brasiliana com passagem certa pelo Cabaço a caminho da adega do Zé, onde uma noitada de "King", mais uma vez nos esperava.

Silvestre Félix
Abrunheira, 7 de Fevereiro 2010