A Esperança é a última a morrer
Algumas vezes perguntei, mas das respostas não me
lembro. “Maltês”, naquela época, para quem não sabia sequer da
existência de Malta, que hoje é país independente e da União Europeia,
só seria o que ainda se lê no dicionário da “Porto Editora” como
sinónimo de; vadio, ocioso ou, trabalhador agrícola que anda de terra em terra
prestando os seus serviços.
No caso dos abrunheirenses de há cinquenta ou
sessenta de tempo contado em anos, excluindo a primeira hipótese de “Malta-país”,
teria de ser uma das outras, mas qual? Não sei, mas um, que conheci, era
divertido quando tinha uns copitos a mais, lá isso era.
O Silvestre Velho, contratava muitos “malteses”.
Eram-no, porque andavam com a “trouxa-às-costas” e não tinham poiso
certo. Ainda assim, rigoroso no trabalho como era, não lhe servia qualquer um e
gostava que lhe aparecessem os que já conhecia. Só por muita necessidade ficava
com desconhecidos.
A grande massa de mão-de-obra naquela época,
devido à sazonalidade da atividade agrícola, baseava-se neste género de
trabalhadores. Ainda tenho uma vaga ideia de os ver no pátio da casa. Eram
bastantes homens e também havia ou outra mulher. A ideia que ainda vagueia por
estes circuitos de neurónios acima e abaixo, inclui o meu avô, no meio, dando-lhes
indicações para onde deviam ir trabalhar.
Mas de quem quero falar é do Ti António Maltês,
sendo que o segundo nome era mesmo alcunha. Nunca percebi porque tinha aquela
alcunha. Ele era pedreiro e acho até, mestre do ofício. Ora, esta realidade
profissional não se encaixa no deambular dum “maltês”. Será que noutros
tempos o teria feito? Não sei!
O Ti António era uma pessoa discreta e,
para a época, até reservada. Ou seja, não passava pelas tabernas todos os dias
e muito menos por lá fazia serões de “copos”. Mas, de quando em vez, provavelmente
com as sobras do almoço, metia um tintol a mais e, ao final do dia, passava
pela taberna e, numa fase posterior, pelo café do Manel e também pelo Cabaço,
transformando-se completamente.
De reservado, passava a extremamente extrovertido
e divertido. Cantava, assobiava, cantava e até tocava “gaita-de-beiços”.
Ainda mais brincava quando pelo Carnaval passava. O Ti António embarcava
muitas vezes no “Enterro-do-Bacalhau” com o Rafael Coxo e
companhia, mas assim que acabava o desfile, nunca mais ninguém o via. Uma ou
outra vez, arrastava o irmão Vandelino, também muito engraçado com um
copito a mais. Desta participação, contei
num escrito aqui, a propósito do Carnaval
daquele ano de 2013 (https://largodochafarizaosol.blogspot.com/2013/02/ ). Para além de cantar,
dançar e tocar a gaita, ele escrevia os versos com que animava o pessoal; era
um poeta popular!
Tenho pena de não ter decorado algumas dessas
quadras. Algumas eram dedicadas à sua mulher Catalina e, a maior parte, à
sua filha, genro e neto que estavam em Moçambique, dobrando-lhe as saudades e a
angústia pela falta.
Também neste ano de vinte e um a dobrar, e tão
estranho que nem de Carnaval nos lembramos, a angústia tomou conta de nós. Invade-nos
o medo e domina-nos o pensamento pela recuperação dos nossos doentes, quando a
sinistra, ronda de “gadanha” em punho com o malvado propósito de os
ceifar desta vida.
E os dias de folguedo vazio e oco, no meio da
pandemia, estariam a chegar, que fazemos?
Esperamos pela extinção dum bicharoco que desafia
o mundo e todos os poderes a ele associados. Esperamos que as vacinas, que de
grande negócio se enchem, consigam fazer o trabalho para que nos “curvemos” à
força do capital.
Ainda assim, que a curvatura seja verde,
porque “a esperança, é a última a morrer”.
Silvestre Brandão Félix
10 de fevereiro de 2021
Foto: Esperança (Google-Project Draft)