segunda-feira, 15 de outubro de 2018
Largo do Chafariz: BAILES, AJUDA DO SARAIVA DA SERRAÇÃO, RECENSEAMENT...
Largo do Chafariz: BAILES, AJUDA DO SARAIVA DA SERRAÇÃO, RECENSEAMENT...: Por entre; serras e outras ferramentas elétricas, grandes tábuas em madeira bruta ao alto, outras tábuas já cortadas, mais ripas e ripinha...
domingo, 14 de outubro de 2018
BAILES, AJUDA DO SARAIVA DA SERRAÇÃO, RECENSEAMENTO E CONSTITUINTES
Por entre; serras e outras ferramentas elétricas, grandes
tábuas em madeira bruta ao alto, outras tábuas já cortadas, mais ripas e
ripinhas e muita serradura pelo chão, nós dançamos, dançamos até estarmos cansados.
O Saraiva da serração, por mais duma vez, deu-nos essa
“abébia”. Não era para todos, só ele. Naquela época, era especial e gostava de
colaborar com a juventude. Muitas vezes recorremos à sua boa vontade e
generosidade.
Pelo menos, por duas vezes, disponibilizou o espaço de
trabalho da serração, para fazermos lá baile. Imagine-se à sexta feira; ele e
os empregados a arrumarem tudo para, no sábado seguinte, chegar a malta nova e
montar o bailarico. Os Zés encarregavam-se da “playlist” em grandes discos de
vinil e depois, cada um à sua vez, para poderem dançar todos, “empapelavam-se”
de DJ’s.
Todos os jovens disponíveis da Abrunheira e não só —
lembro-me de um ou outro rapaz e duas ou três raparigas, de fora. Os nomes é
que… ficaram no tempo — estavam lá e os bailes foram um sucesso. Se tivesse
havido oportunidade para isso, o Ti Saraiva tinha sido levado em ombros e
saudado pelos jovens e adultos abrunhenses ou abrunheirenses.
Por outras duas vezes, ou mais, disponibilizou-nos uma outra
dependência com entrada pela que viria a ser, Rua Ferreira de Castro e onde,
mais tarde, salvo-erro, serviu para “abancar” o primeiro recenseamento
provisório depois do 25 de abril de 1974 e, depois, para “Assembleia Eleitoral”
das primeiras eleições livres, as constituintes, no dia 25 de abril de 1975.
Mas, dizia eu, que por algumas vezes nos emprestou esse espaço para fazermos
pequenos espetáculos de teatro que, na prática, foi o “embrião” do que, algum
tempo depois, já na URCA, viria a ser o GITU. Os jovens da Abrunheira, neste
tempo, foram, culturalmente, muito ativos na Abrunheira e fora.
Não foi só, mas foi grande a contribuição do Saraiva da
serração para que os abrunhenses dessa época — entre 1972 e 1976 — tivessem um
envolvimento e empenhamento cultural, como nunca tinha acontecido antes, nem,
com a mesma intensidade, depois.
O intervalo dos anos que mencionei (4 anos) foram, do ponto
de vista cultural e político, na Abrunheira, ricos e, ao mesmo tempo,
explosivos. Até abril de 1974, a necessidade de descobrir, aprender e, por
consequência, de contestar, numa movimentação que tinha que ter em conta o
regime de ditadura existente.
Quarenta e quatro anos depois, em que a liberdade de
expressão e de associação, é tão natural como o ar que se respira, não é fácil
perceber as circunstâncias em nos movíamos.
Qualquer manifestação que pusesse em causa o estabelecido
pelo regime, mesmo culturalmente falando, era proibida se detetada com
antecedência, ou reprimida se só descoberta na hora, com intervenção da polícia
política do regime, a PIDE que, por mais pequena que fosse a suspeita, poderia
transformar-se em dias de detenção com interrogatórios sucessivos e, numa
grande parte das vezes, levado a sessões de tortura. Principalmente se estava
em causa a “tropa” ou a Guerra Colonial que, na altura, simplesmente se
ignorava o termo “guerra” e, muito menos, “colonial”.
A este propósito, lembro-me, por exemplo, de ter comprado uma
coleção de livros filosóficos sobre a “história das ideologias”. O vendedor, a
quem, quando tinha orçamento, ia comprando um ou outro livro, avisou-me que
aqueles, os das ideologias, eram clandestinos, ou seja; em tempos tinham sido
recolhidos pela PIDE, portanto, se andasse com eles publicamente, devia
forrá-los, de forma a não se ver o que era. Noutras ocasiões, o livreiro
Olímpio, tornou a dar-me o mesmo recado.
Até abril de 1974, os rapazes da Abrunheira, como eu,
debatiam-se com a certeza de ida para uma guerra que não queriam, fosse em
África ou noutro sítio qualquer e, disso, conversavam às escondidas na maior
parte das vezes, durante a noite, para que os riscos de sermos vistos por algum
“bufo”, fossem menores.
O 25 de abril chegou nesta fase da nossa vida (eu tinha 19
anos) e, para além de tudo o que já se disse e passou à história, mal ou bem
contada, para mim e para outros rapazes da Abrunheira, foi um alívio; já não
éramos obrigados a ir para guerra nenhuma!
O nosso trabalho cultural continuou graças à ajuda de muita
gente. Neste escrito, apeteceu-me lembrar a generosidade do Saraiva da Serração
naqueles anos da minha juventude.
Gosto de pensar que, independentemente da evolução natural da
comunidade abrunhense ou abrunheirense, homens e mulheres com nome, deixaram o
seu selo no que somos hoje, mesmo que alguns, ou algumas instituições, achem
que só eles sabem o que o povo precisa e quer.
Silvestre Brandão Félix
14 outubro de 2018
Gravura: Google
segunda-feira, 8 de outubro de 2018
O SPEED GONZALEZ E O MANEL A TIRAR UMA BICA...
Este fim-de-semana, estive a arrumar arquivo. Ou seja,
aliviar de ficheiros e mesmo, pastas de arquivo, do PC para o disco externo e
pen’s. A minha “velha” e muitas vezes, maltratada massa cinzenta, muita
dificuldade teria, se eu tivesse a ousadia, de a levar a imaginar mudar de
sítio, o equivalente, em folhas papel A4, álbuns de fotos e respetivas caixas
de cartão. Como seria e quanto tempo demoraria.
Esta reflexão transporta-me no tempo…
Antes de abrir o café do Manel, só víamos televisão na
“Sociedade”. Todos os dias, ao começo da noite, alguém da direção abria a
porta, varria as beatas da noite anterior, alinhava os grandes bancos-corridos
de madeira com o necessário corredor ao meio e, com alguma paciência e
sapiência, ligava o aparelho de televisão.
Era um grande “caixote”
colocado numa prateleira larga, no topo da empena poente e tinha uma imensidão
de coisas lá dentro. Quando botava as coisas cá para “fora”, eu, nos meus 7 ou
8 anos, matutava como os tipos conseguiam pôr tudo lá dentro. A caixa era grande,
mas caber lá tanta coisa, era obra!
Estive lá muitas vezes aquela hora porque, até aos meus 10
anos, morávamos na atual Rua do Olival, entre a Quinta de Santo António e a
Quinta do Olival. Era uma casinha antiga de traça saloia, com um grande quintal,
meia-dúzia de figueiras, um grande cedro e dois grandes eucaliptos. Foi o sítio
onde gostei mais de morar.
Então, enquanto a minha mãe acabava de tratar dos animais, eu
esperava-a na Sociedade. Era a hora daquelas séries antigas ou desenhos
animados: Robim dos Bosques, o Último dos Moicanos, Gato Silvestre, Gato Félix,
Speed Gonzalez, etc., etc. É claro que era preciso, primeiro, que a televisão
fosse ligada. Quando recordo estes momentos, vejo sempre o Ti Jorge Farpela.
Ele era alto, mas não tanto que tocasse na televisão. Puxava um banco, subia
para cima e, assim, chegava ao aparelho. Lá ligava o interruptor, mas nunca
dava à primeira. Era sempre uma carga de trabalhos. É preciso ver que estávamos
no início da década de sessenta. Mas, jeitinho daqui, pancadinha dacolá, as
válvulas aqueciam e lá “começava a jorrar
a corrente elétrica” como se canalização de água se tratasse.
Depois do jantar, a Sociedade enchia-se de gente e de fumo de
tabaco. Naquela idade, não eram muitas as vezes que tinha autorização de lá ir
aquelas horas. Só quando, na qualidade de “pau-de-cabeleira” da Felicidade e do
Alfredo. O que é certo é que uma parte considerável da Abrunheira daquela
altura, incluindo já, algumas mulheres, despejava ali. Os donos das tabernas,
no que respeitava aos homens, começaram por não achar graça à coisa e, lá mais
para a frente, também tiveram que “abrir-os-cordões-à-bolsa” para comprarem
aparelhos de televisão. Nos primeiros tempos, para além da televisão da
Sociedade, só havia uma outra na Abrunheira. Era do Raposo, um abrunhense que
morava ao lado do que é hoje, o café “Combatente”. Acho que o Raposo também era
“Rádio Amador” e muito dado às “novas” tecnologias da época.
O Manel, quando abriu o “Café-Brasil”, para nós sempre o
“Café-do-Manel”, já lá tinha o dito aparelho, bem alto, na parede do lado
direito quando se entrava a porta. A primeira televisão, já era bem mais
moderna que a velhinha da Sociedade. Para além disso, o pecúlio do — em
boa-hora achado e aconselhado — sogro Ti Sabino, era muito mais “atestado” do
que o dos sócios da Sociedade.
O Café do Manel passou então a ser a “plateia” preferida dos
abrunhenses, para ver televisão. Com uma bica ou um garoto, ambos servidos num
copinho de vidro sem asa, com as calmas do Manel, dava direito a assistir, a
toda a programação ao longo do serão.
O Manel era único a
tirar os cafés. A máquina era daquelas quase manuais; ele metia o pó de café —
sempre muito devagar — dentro do recipiente da máquina com uma colherzinha, só
para aquele efeito, depois pegava num calcador e, devagar, calcava o pó na
medida exata. Só depois — passavam uns minutos — levava o manípulo à máquina e,
com um jeito que só ele tinha, encaixava-o devidamente. Depois de bem medida a
distância a que o seu corpo estava da máquina, puxava, de cima para baixo, um
“braço” da máquina, que fazia pressão e provocava a saída do café. Ele
manobrava o tal braço, para cima e para baixo — sempre devagar — até o café
estar como queria. Era uma manobra complicada e demorada. Se alguém protestasse
com a demora, tinha sempre resposta: — Se tens pressa, vai ao Cabaço! (ou ao
Ramos, conforme a altura).
A partir de determinada hora, não era fácil arranjar uma
cadeira para alguém se sentar. As cadeiras e as mesas eram grandes, pesadas e
de madeira. As mesas tinham um tampo em mármore.
Pouco tempo depois, o Manel arranjou uma sala interior onde
se jogava bilhar, laranjinha de mesa e matraquilhos. Na sala principal, havia
sempre um ou dois tabuleiros de damas que, especialistas, ignorando o
espetáculo da “televisão”, jogavam em silêncio. Das “damas”, arrisco nomes, mas
por antecipação, peço já desculpa por algum engano ou esquecimento. Lembro-me,
por exemplo; do Durães, do Xico Chamiço e do Caracinha. Havia mais, mas não
consigo recordar-me quem eram. Na sala interior, nos matraquilhos, e
considerando o pessoal mais velho, recordo: O Baptista, os meus primos Fernando
e António (Pézinhos), Xico Cruz, Xico Pardal… e não consigo mais…
Aquela caixa, que penduravam em prateleiras altas e tinha a
suas manhas para trabalhar em condições, começou a mudar a nossa vida.
Como podíamos imaginar que, passados quase 60 anos, tudo o
que a televisão nos dava, poderia ser multiplicado muitos milhões de vezes em
capacidade, e apresentado num pequeno “chip”, numa “pen” ou, vá lá, num vulgar
telemóvel?
Silvestre Brandão Félix
8 de outubro de 2018
Gravura: Google
domingo, 30 de setembro de 2018
LIVRA-NOS OS "INTELIGENTES"... LAGARTO! LAGARTO!
Devia ser por esta altura do ano porque, poucos dias depois,
sempre a 7 de outubro, comecei a escola na 3ª ou 4ª classe, lá, na velhinha, naquela
que deu o nome à atual Rua da Escola.
Tudo como costume, saia para o “monte” com a Marcina, a
Branquinha, a Estrela e a filha que ainda não tinha nome, e a nossa
espertalhona, Burra Carocha. Aguentei-as um bocado do lado de dentro do portão
porque o Ti João estava a sair com o seu rebanho de ovelhas.
A Belinha, porque me sentiu, saiu do meio do rebanho a balir,
toda contente, e veio ter comigo pedir uma festa. Não lhe dei uma, dei-lhe
várias. Na forma de comunicação dela, balindo, lá me disse alguma coisa,
carinhosa decerto, e voltou para junto das suas companheiras de rebanho. A
Belinha ficou sem mãe quando nasceu e eu comprometi-me com o Ti João a criá-la.
A Ti Augusta ao princípio não ficou muito contente, mas
depois… não queria ela outra coisa e fartou-se de chorar quando a “borreguinha”
voltou para o rebanho. Ela e eu! Andava em casa como se fosse um gato ou um
cão, lá bebia o biberon e, muitas vezes, ia ter comigo à cama. Claro, cresceu
rapidamente e não podia lá continuar. Mas todas as vezes que nos via ou sentia,
não se calava e só, se não podia, é que não vinha ter connosco.
Bem, entretanto, o rebanho lá foi e, a seguir, mandei o meu
“pessoal” sair, devagar. Elas já sabiam que, antes de mais nada, iam beber água
ao Santo António. A Carocha era sempre a primeira e quando lá chegava com as
vacas, ela já tinha meio bandulho cheio de água.
Como acontecia todos os dias, o tanque estava cheio de
vizinhas a lavar a roupa, com aquele som característico de “tagarelisse”.
Lembro-me de muitas caras, mas os nomes, é que é, pior; como é “público”, tenho
uma relação muito conflituosa com a lembrança de nomes de pessoas e de coisas.
Que hei de fazer? É com certeza a PDI. Mas consigo sempre lembrar-me da Ti
Maria do Florindo, da Ti Ilda do Zé N’olas, da Ti Maximina e é melhor não
arriscar mais.
Bom, bandulhos cheios, respostas educadas para as
“lavadeiras” e, ala que se faz tarde, até aos Celões, mesmo nas "bochechas" do Linhó. Naquela altura, a erva já
tinha rebentado o suficiente para o saboroso pasto das “minhas-ruminantes”, e
elas, mais ou menos, já sabiam o caminho, era só preciso dar um toque na altura
certa porque havia mais do que um destino possível.
Naquele caso, o destino era o mais longe, mas também o
preferido porque tinha muita escolha. Do Santo António virávamos à direita,
mais à direita ao Ti Alexandre, depois de passar as “Pateiras” outra vez à
direita passando ao Chamiço e, mais à frente, atravessando o nosso Rio das
Sesmarias e, um pouco acima, a regueira dos barros que lá à frente, antes dos
“Quatro-Donos”, desaguava no Rio das Sesmarias.
Quando estávamos a chegar à esquina dos “Celões”, a Carocha,
que já ia lá à frente, parou e recuou dois passos, ficando assim a olhar para
as silvas com as orelhas bem esticadas e, arreganhando os dentes, zurrou! O
caminho não era muito largo, mas consegui que as vacas a contornassem e
passassem à frente, continuando até à entrada dos “Celões”. Ela, a Burra
espertalhona, tinha “pegado ali de estaca” e continuava com os dentes
arreganhados e, de vez em quando, batia com a pata direita.
Depois das “outras” estarem em segurança da parte de dentro
dos “Celões” e a iniciarem a função do pasto, olhei para o mesmo sítio da
Carocha e o que vi: Um lagartão bem verde, especado e feito parvo a olhar para
ela. Desde a ponta do rabo, até à cabeçorra, tinha aí meio metro. Antes que ela
lhe pusesse a pata em cima, fiz barulho com o pau e o nosso amigo acordou
daquela letargia hipnótica, e arrastou-se para dentro das silvas e carrascos.
Teve muita sorte, o lagartão, de não estar por perto o meu
primo Fernando ou, até, o Zé Augusto, porque senão, não se safava assim.
Tempo bem controlado pelo relógio de sol antes construído no
cantinho onde costumava passar o tempo, e, vamos lá embora de regresso. Chamado
o “pessoal”, lá vieram e, como sempre, a “dona” Carocha à frente toda lampeira.
Quando passamos pelo sítio onde antes estava o “lagartão”, todas passaram, mas
a burra-espertalhona parou. Ela sabia que, há duas horas, tinha estado ali a
namorar o “rastejante”. Eu quis entender o que ia naquela cabeça que eles
diziam ser de burra e, quando a vi arreganhar a dentuça e zurrar na direção que
o lagarto tinha tomado e bater duas ou três vezes com a pata direita no chão,
percebi que de “burra”, como nós entendemos, não tinha nada. Fiz-lhe uma festa
no pescoço e dei-lhe uma carinhosa palmadita no quadril, e lá arrancou, genuinamente
contente, com o “tempo de glória” que lhe tinha dado.
Esta lição, ainda a trago hoje comigo.
Até os “burros” gostam de ter o seu tempo de glória e de
antena, quanto mais os “inteligentes”!
Ao longo da vida, infelizmente, muitos “inteligentes” por mim
passaram… e ainda conheço alguns!
Silvestre Brandão Félix
30 setembro de 2018
Gravura e Foto: Google
domingo, 23 de setembro de 2018
CHUVA EM AGOSTO, AS FESTAS E O TI RAFAEL
No meio de mais um braçado de erva cortada rentinha pela
serrilha da foice movida pela sua força em jeito, deito-lhe mais uma pergunta:
— Oh, mãe, porque chamam ao Ti Rafael — Rafael “coxo”? Ele
não é coxo, nem nada!
Naquele ano, as primeiras águas vieram ainda em agosto e não
foram poucas. Não tínhamos chegado ao final de setembro e, em resultado dessa
chuva, dada a invulgaridade do tempo, a minha mãe já podia fazer um mimo à
Marcina, à Estrela, à Bonita e também à burra Carocha que, atrelada à carroça, na
espera, já ia provando aquela delícia verde e fresquinha.
— Oh, filho, agora que perguntas, deixa-me cá pensar…
Ao contrário do que era habitual, a minha mãe fica um bocado
engasgada, não responde logo e volto à carga.
— Não sabe porquê, mãe?
— Não é isso, é que … se calhar …
Observando aquela indecisão da minha mãe, fiquei preocupado e
até um pouco inseguro, porque não havia nada que lhe perguntasse, que não
tivesse resposta imediata. De repente, posando a erva que tinha na mão:
— Se calhar foi alguma altura em que o Ti Rafael torceu algum
pé ou se aleijou na perna e, coxeando, começaram a chamar-lhe “Coxo”.
— Ah, bem, estava a ver que não sabia…
Satisfeito com a resposta, decerto improvisada, a minha mãe
voltou à erva que, à medida que ficava solta pelo corte da foice, a mão
esquerda segurava e ia deixando num “monte” para, depois, juntar e fazer molhos
atados pelo meio, com uma corda que, numa das pontas, tinha um gancho em
madeira por onde a corda corria e, bem apertada, se fazia um nó.
Este acessório de madeira era descoberto preferencialmente
nos zambujeiros e, habilidosamente, cortado e acabado à mão pelo meu pai. Havia
muitas destas cordas com o dito gancho, lá em casa.
A propósito dos festejos que a URCA este ano realizou, e
sempre que tal acontece, lembro-me do meu tio Rafael. Este homem popular e
amigo de toda a gente, tinha um espírito empreendedor, como poucos.
Qualquer evento que se realizasse na Abrunheira, lá estava o
Ti Rafael com três tábuas armadas, fazendo de balcão, com os copos e as cervejas
logo a sair.
No fundo das minhas lembranças, permanecem as festas da
chegada da luz elétrica à Abrunheira, no antigo largo em frente à Quinta do
Olival e à Quinta de Santo António, no limite do atual Beco da Saudade. Lá
estava o Ti Rafael com a sua “tasca” alindada com folhas de palmeira, tal como
o palco e, para além de taberneiro, também assumia o papel de animador; metia
conversa com toda a gente, sempre com um grande sorriso e com uma deixa que a
manteve até ao fim:
“Tá, por’i, tá!
Lembram-se?
Silvestre Brandão Félix
23 setembro de 2018
Gravura: Arraial (Lisbonne Idee - Google)
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