sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

OS PUTOS DA MINHA TERRA (2ª PARTE)

As vacas no seu remanso pastam ou remoem, sim… remoem, estes animais são “ruminantes” têm um sistema digestivo diferente da maioria dos outros mamíferos, e, o remoer, é mastigar depois do alimento ser engolido, ou seja, vai a um compartimento do sistema digestivo e volta para cima outra vez, e aí, é mastigado ou, como popularmente se diz, remoído.

Bom… mas o que eu queria mesmo dizer é que, outra maneira de passar o período do pastoreio, demorando muito tempo contado em horas e às vezes dias, era tentar apanhar grilos e cigarras. Localizada a toca, pela chinfrineira do cantante, apanhava-se um “fenacho” (caule de feno seco) e enfiava-se pela toca tentando tocar no grilo ou cigarra, e eles, se isso acontecesse, rapidamente saiam da toca mesmo sabendo que corriam os riscos todos. Mas alguns destes bichinhos, também os há mais espertos que outros, tinham as tocas curvas, e aí, a coisa complicava-se.., por falar em grilos e cigarras, há muito tempo que na Abrunheira não ouço esta sinfonia, as cigarras então, de dia ou de noite nunca se calavam.

E as rãs? No rio das Sesmarias ou nos charcos, também coaxavam sem parar. E os morcegos à noite? Os morcegos de volta dos postes da luz à noite caçando os insectos, e o Julinho… com a cana na direcção do céu muito estrelado assim como se fosse sempre Agosto. Ele ia ao sebo que o Pai (o Zé da Natália) tinha para o calçado, besuntava a cana do meio para cima e, depois, naquela “lengalenga” chata, mas que o Julinho não interrompia e não deixava que ninguém o perturbasse na missão de céu estrelado e olhar esbugalhado, como sendo a tarefa mais importante do mundo… “morcego, morcego, anda à cana que tem sebo”… e no serão de Agosto, repetia, repetia… e lá estava o Julinho sempre naquilo.

Aliás, o Julinho era amigo dos mistérios magnéticos e eléctricos naquele tempo de escola primária, de imaginação primária, de tudo primário. Fomos por algum tempo colegas de carteira, carteira daquelas peças únicas com tinteiros à frente cheios de tinta para sujarmos os dedos de tinta e pintarmos a bata daquela tinta que devia servir só para as canetas de tinta permanente que nos obrigavam a utilizar em tempo moderno já de esferográfica. Ali nos sentávamos todos os dias lado a lado. O Julinho, de quando em vez, quando eu estava mais distraído, juntava uma ponta da sua bata, aquelas batas aos quadradinhos azuis, juntava dizia eu, uma ponta da bata dele à minha, e, num sussurro altamente misterioso, dizia; “… está a fazer contato …, está a fazer contato”… no dia seguinte e no outro e no outro e ainda no outro, sempre o mesmo contato, até que eu deixei de me assustar com o contato. Voltando ao mamífero com asas, não tenho memória que alguma vez algum morcego tenha pousado na cana com sebo.

Quando ia com o gado para o monte, só tinha medo das cobras, e havia muitas, se calhar também acabaram. Quando sentia alguma cobra desviava-me o mais possível, embora reconheça que algumas eram bonitas, vi algumas muito bonitas, mas que fossem para bem longe. E os lagartos? Lagartões é que eram, daqueles verdes bem grandes. Quem não tinha, e com certeza ainda não tem medo nenhum das cobras e dos lagartos, é o meu primo Fernando. Lembro-me de ele levar um lagartão verde para a porta do baile na “Sociedade”. Estava muita gente como sempre acontecia quando havia baile, e ele trouxe o lagartão com um cordel como se fosse trela, e começaram a dar aguardente ao lagartão. Não me lembro do fim da história do lagarto bêbedo, mas não deve ter sido agradável.

Muitas vezes, a caminho do monte com as vacas, cruzava-me com o rebanho de ovelhas do meu Tio João. Naquela época lembro-me de cinco rebanhos grandes na Abrunheira, alguns com mais de cem animais. O do meu Tio João, do meu Tio António e do Chico, marido da Maria Augusta, o do Ti Veríssimo, o do “Espanhol” que viria a ser sogro do António “Calmeirão” e do Ti Rafael Miranda. Não gostava de me cruzar com as ovelhas porque as nossas vacas não se davam lá muito bem com elas e demoravam muito tempo até que passassem todas. Gostava e passava muito tempo a ver o meu Tio João a tratar delas no redil. Fosse a mungir, fosse a arranjar-lhes as unhas, a tratar dos borregos, etc., etc. Houve um ano em que a minha Mãe me deixou criar uma borreguinha que ficou órfã. É verdade, criamo-la em nossa casa a biberão, como se fosse um cão ou um gato. Andava atrás de mim para todo o lado e foi assim até ficar ovelha adulta, aí teve de regressar ao rebanho do meu Tio João. Chorei porque não queria, mas tinha de ser. A minha ovelha rapidamente se adaptou ao rebanho, e quando me via ou à minha Mãe, fazia um pequeno desvio abanando o pequeno rabo, ajeitava-se para lhe fazermos uma pequena festa, e voltava toda contente para o seu rebanho.

Na casa do olival, a maior festa era na época dos figos. O quintal da casa transforma-se em albergue infantil. Nesta altura de verão, servindo as figueiras de poleiro, e a pança a abarrotar de figos de capa-rota e beiços gretados do leite derramado, recuperávamos as oficinas de carrinhos de arame. O Zé Fernando, grande especialista, o Fernando Pedroso, o Zé Augusto, o Filomeno Caravaca, o Rui, quando a Mãe lhe dava soltura, também levava jeito. Eu fornecia os arames. Todos os dias, depois de minha mãe desatar os fardos de palha e feno para dar às vacas, lá estava eu atento a poupar-lhe o trabalho e, com a justificação habitual, lá levava os arames para a nossa oficina. Os carrinhos mais simples faziam-se num arame inteiro com um eixo aí de 30 centímetros e duas rodas (feitas com o arame) nas extremidades. Depois, uma cana, aí entre um metro e trinta e metro e cinquenta, conforme a altura do condutor, que uma das pontas encaixava no eixo explicado antes. Na outra ponta da cana, era aplicado um guiador feito também com arame e, de lado, também tinha a manete de mudanças. A condução era feita com a cana inclinada de forma que as rodas cumprissem a sua função.

E assim se percorriam os caminhos da Abrunheira, ora para baixo, ora para cima, e o tempo contado em horas… em dias… meses… em anos… e os Pais e as Mães e os “Putos da minha Terra”.

(Extraído dos textos “Abrunheira, Terra com História” de Silvestre Brandão Félix, publicados no extinto blogue “Aldeia Viva” durante 2007 e 2008.)
(Correção e atualização do autor em 2011)

Silvestre Félix

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

URCA – E A SUA MATRIZ CULTURAL

Depois daquele período inicial da URCA, inigualável na forma e no contudo, com entusiasmo desmedido e vontade de querer fazer sempre mais, entendendo ser a forma de se recuperar o tempo perdido, houve duas fases muito marcantes na vida da coletividade e da Abrunheira: A apresentação da obra de Miguel Barbosa “O Palheiro” pelo GITU, com direção, encenação, cenografia e tudo o mais necessário de Gil Matias, estreado em 1979, e o encontro de Grupos Corais Alentejanos, salvo erro, em 1983, organizado pelo Grupo Coral Alentejano da URCA.

Para entender alguns acontecimentos é necessário contextualizá-los. Nos finais da década de 70 e princípios da de 80, cerca de 60% da população da Abrunheira era de origem alentejana. As razões sociológicas desta movimentação de famílias inteiras do interior para o litoral são do conhecimento geral, a que não é alheia a procura de melhores condições de vida com a industrialização da nossa região. Para laborar nas fábricas que iam aqui nascendo como cogumelos, era necessária mão-de-obra e, com a vinda dos primeiros no início da década de sessenta, logo outros foram chamados até que a Abrunheira mudou, até na maneira de falar. Dizia-se, na altura, que a Vila alentejana do Alvito se tinha transferido para a Abrunheira. Naturalmente que, dizendo isso se pecava pelo exagero, hoje, no início da segunda década do século XXI, há alturas do ano em que a Abrunheira se transfere para Alvito. Ou seja, estas duas Terras enriqueceram-se mutuamente.

Voltando ao Encontro de Grupos Corais Alentejanos de 1983, eu na altura não estava em Portugal e por isso não assisti a este, só aos posteriores, mas pelos relatos que li e ouvi e pelas fotos, foi, pela quantidade e qualidade de Grupos presentes, um acontecimento impar na história cultural da nossa Terra.

O êxito da apresentação de “O Palheiro” foi, acima de tudo, uma aposta arrojada do Gil Matias. A experiência dos componentes do GITU era “autodidata” e, mesmo assim, havia necessidade de recrutar muitos mais elementos. Cada reunião, cada ensaio, eram autênticas lições sobre a arte de representar. Gil Matias foi encenador, diretor, professor, Pai, irmão e sei lá mais o quê. Mais de metade do ano de 1978 foi necessário para dar corpo ao espectáculo. A peça é grande e a criação das personagens muito trabalhosa. Não foram poucas as vezes que tudo esteve quase a parar mas, com a nossa vontade e com a coragem e sabedoria do Gil Matias, lá conseguimos chegar ao dia do ensaio geral. Os nervos eram muitos na estreia. Sentados na plateia, estavam “olheiros” importantes e a população da Abrunheira em peso.

Fomos selecionados e concorremos ao Festival de Teatro Amador do Concelho de Sintra em 1979 e ficamos nos primeiros lugares. Lembro-me de termos representado a peça, para além das duas vezes na URCA, em várias locais dos Concelhos de Sintra, Cascais, Oeiras e Mafra. Esteve em cena todo o ano de 1979 e parte de 1980 e foi o grande sucesso do GITU. Era a consagração da motivação cultural da nossa coletividade e da nossa Terra. O Gil Matias continuou a colaborar com a URCA durante mais algum tempo, dando lugar depois a outras pessoas.

Miguel Barbosa, que recentemente doou ao Museu de História Natural de Sintra o seu espólio arqueológico recolhido ao longo de mais de quarenta anos de que fazem parte peças e fósseis únicos no mundo, é autor de uma vasta obra literária nas várias especialidades, a saber: Mais de trinta títulos de poesia editados em português, Italiano, Francês e Inglês; cinco novelas em Portugal e nos Estados Unidos; oito contos em português; mais de uma dezena de romances policiais com o pseudómino de Rusty Brown e três romances com o pseudómino de J. Penha Brava e participação em mais de cinquenta revistas literárias em Portugal, Brasil, Estados Unidos, França, Itália, Inglaterra, etc., etc.. A sua biografia preenche muitas páginas com referências a todos os cantos do mundo e, bem lá no meio, referindo-se à peça “O Palheiro” e aos grupos que a representaram: «“O Palheiro” foi representado pelos… (vários grupos) e pelo GRUPO DE INTERVENÇÃO TEATRAL DA URCA (ABRUNHEIRA), SINTRA».

Também esta circunstância é motivo do nosso orgulho!

Silvestre Félix

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

OS PUTOS DA MINHA TERRA (1ª PARTE)

Eu dava-lhe jeito porque tinha gosto. Naquela época, quase todos os rapazes como eu, contados em tempo de idade nos 7,8,9 ou 10 anos, tinham algumas obrigações domésticas que passavam, invariavelmente, pelos cuidados ou acompanhamento dos animais da casa. Não proso de cães e gatos que de estimação ou companhia já o eram há 50 contados em anos de tempo, mas, das vacas, ovelhas ou cabras, que de estimação também seriam mas de serventia essencial no sustento da barriga e no mealheiro acolchoado. Na mesma onda e garantia de subsistência, era carinhosamente passado pela engorda o porco engraçado e inteligente que, ao engano, lá caminhava para o cadafalso traiçoeiro e tornado no centro das atenções pelos seus carrascos, antes, alimentadores. As coelheiras e capoeiras sempre abarrotadas completavam a galeria zoológica de grande parte das casas da nossa Terra.

Eu dava-lhe jeito porque tinha gosto e carinho pelos animais que a minha Mãe criava. Esta Abrunheira, Terra de abrunhos e Abrunhenses, abraçada pelo rio das Sesmarias, era, até há 50 anos, zona agrícola como toda esta nossa região de Sintra e Saloia.
Por esta altura começaram a aparecer as primeiras fábricas. Aqui mesmo na Abrunheira, a SINCAL. Os edifícios ainda lá estão como eram, em frente à rotunda da bomba de gasolina, embora de uso e marca diferente. Muito perto, junto à antiga estrada Lisboa/Sintra do lado de Mem Martins, a Resiquímica e logo depois a Adreta Plásticos. Ambas ainda de pé e empregando muitos moradores da Abrunheira ao longo de todos estes anos até hoje. Logo rápido se seguiu outra… outra e mais outra e, nunca mais parou até meados da primeira década do XXI. Agora, nestes tempos de aperto e de crescimento do número de furos no cinto, resta-nos os templos do consumo – Retail Park e futuro Forum Sintra.

Voltando ao antes da nossa revolução industrial, a Abrunheira era 100% agrícola. Percorríamos a única rua, que é hoje a MFA, e tínhamos um autêntico tapete de saudável bosta de vaca e caganitas de ovelha, que, aumentava de altura, junto ao bebedouro do chafariz e do Stº António. À volta da Abrunheira víamos todas as terras cultivadas. Da janela da minha casa, na altura, ou da varanda da casa do meu Avô, via, em direcção à Colónia (EPS), à direita a quinta do Anjinho os “Barros” e Ranholas, à esquerda o Linhó e ainda mais à esquerda, até ao Chico da Beloura. As searas dançavam ao sabor do vento, e com tonalidades diferentes, porque se no "Serrado da Fonte" se semeou cevada, na "Mulata" se semeou aveia e nas "Ferreiras" trigo, ao longe os tons são ligeiramente diferentes. Os "Celões", de tão grande que era, (parte considerável do que hoje é a Qtª da Beloura) havia anos que se dividia em, uma parte de trigo, outra de cevada e outra de aveia. E a debulha ?? Quinze dias no "Cerrado da Fonte" aquela máquina enorme, com rodas enormes, com uma correia enorme, que não se cansava de debulhar grão e enfardar a palha. Quinze dias para o meu Avô de quem herdei o nome, e a máquina sempre, sempre a trabalhar, sempre a fazer barulho muito barulho e os homens sempre a trabalhar e as mulheres sempre a trabalhar, sempre, sempre.... sacos de trigo, cevada, aveia, fardos de palha, muitos, muitos, depois, de repente, fica só o silêncio... e os homens trabalham e as mulheres trabalham, sempre, sempre....
Todas estas parcelas eram percorridas depois das colheitas e debulhas pelo gado que acabava com a esteva e o restolho até virem as primeiras chuvas de Setembro. Muitas vezes eu fiz parte dessa caminhada com a "Briosa", a "Malhada" a "Bonita", a "Carocha", a “Estrela”, a ...., nomes que a minha Mãe dava às suas vacas mães e depois às filhas e depois netas... sempre, sempre pelos anos fora, e eu, que lhe dava jeito porque tinha gosto, repetia os nomes e os carinhos e festas como a minha Mãe fazia. Levar as vacas ao monte…, levar o gado ao monte, era assim que se dizia e eu levava e gostava e ficava o tempo que fosse preciso, até a sombra do pauzinho espetado na terra atingir o risco que eu de manhã tinha feito na direcção da Quinta do Anjinho, ou, se fosse à tarde, na direcção de casa. Era o primitivo relógio de sol que eu sabia regular e marcar conforme o sítio onde estivesse. Algumas vezes as minhas vacas também sabiam contar o tempo, e, quando isso acontecia, mais ou menos no tempo do pauzinho espetado no chão, encaminhavam-se para o sítio de saída, na direção de casa.
Como eu, havia outros rapazes que levavam o gado ao monte. O Marinho, uma vez, adormeceu com as suas ovelhas e já era de noite e toda a gente, de lanterna na mão, à procura do Marinho. A Abrunheira mobilizou-se inteira buscando o Marinho e lá estava ele são e salvo. Mas só adormeceu, não aconteceu mais nada.
Enquanto o gado pastava, e andava, e descansava e voltava a pastar outra vez, eu tinha as minhas brincadeiras e não dormia. Brincava (construía) aos fornos de cal, esta brincadeira podia demorar vários dias, porque era preciso sustentar a abóbada com pedras bem a jeito para a função. Daí ser empreitada iniciada quando sabia que ia alguns dias para aquele sítio. Por vezes era necessário levar pedras pelo caminho, e chegado lá, continuar a paciência. Sim! Era uma brincadeira de paciência. Quem sabia melhor fazer (brincar) fornos de cal era o Zé Fernando. Ele às vezes ia com o Pai, o Ti Abílio, ao forno onde estava a trabalhar e o Pai dizia-lhe tudo, explicava em pormenor os segredos de construção do forno de cal. Lembro-me que o Ti Abílio tinha muito jeito para a rapaziada nova. Às vezes eu ia brincar com o Zé Fernando e gostava muito de ouvir as histórias do Ti Abílio. Há muitos anos que não falo... falar, conversar mesmo, com o Zé Fernando, e quando damos por nós, já passou muita idade, sim, idade que é aquele tempo contado em anos de vida vivida. Naqueles fornos de cal, para o Ti Abílio, o tempo eram meses e meses contados em molhos de lenha para a fornalha que do lume infernal se queria que derretesse a pedra que havia de ser cal para construir e caiar de branco as paredes das casas dos muros dos prédios e para as valas dos defuntos sem campa sua. “Não vás filho, o forno está muito quente e é perigoso, não te chegues perto!” O cuidado de minha Mãe. Ela tinha medo dos fornos de cal. Falava sempre de um desastre há muito tempo contado em anos e em sítio indefinido. Caiu e as chamas queimaram tudo à volta. Está bem Mãe, eu não vou para lá. Na ponta de cima dos “Celões”, os limites do horizonte pareciam não ter fim. Tudo admirava e tudo via lá de cima. A sombra do “pauzinho” não pára – anda devagar… devagar… no silêncio…

(Continua)

(Extraído dos textos “Abrunheira, Terra com História” de Silvestre Brandão Félix, publicados no extinto blogue “Aldeia Viva” durante 2007 e 2008.)
(Correção e atualização do autor em 2011)

Silvestre Félix

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

URCA – DEPOIS DE 18 DE ABRIL DE 1976 – 2ª PARTE

Em resultado de um ano de muito trabalho, em Abril de 1976 a URCA tinha o pavilhão em pé e a funcionar diariamente para ensaios, encontros e até para sessões de esclarecimento que os vários partidos políticos realizavam com muita frequência. O nosso pavilhão era (e ainda é), a única sala existente na Abrunheira para efetuar qualquer festa, reunião alargada, reunião política, espetáculo, etc. Dum ano para o outro, o “centro” da nossa Terra passou a ser na URCA.

A partir daqui, e com muita gente empenhada, a atividade recreativa renasceu com os bailes quase todos os sábados. Precisávamos de fazer receitas para pagar ao António da Estância e para amparar todas as outras atividades: Alfabetização para adultos, teatro, biblioteca, rancho folclórico infantil, atletismo, luta greco-romana e futebol. A direção da URCA decidiu também recomeçar as festas da Abrunheira que há muito tinham desaparecido. No âmbito social e no que respeita à criação do Centro Social, é que as coisas não estavam a ser conseguidas. Tudo era mais difícil e a URCA dependia completamente de outras instituições para levar o projeto por diante.

As secções (recreativa, desportiva e cultural) iam desenvolvendo o seu trabalho e, algumas datas começaram a ser comemoradas com o envolvimento de todas as vertentes: 3 de Janeiro (fundação da URCA), carnaval, Páscoa, 18 de Abril (ocupação da quinta), 25 de Abril, 1 de Maio, santos populares, Natal e ano novo. As várias comemorações passavam pela realização de provas de atletismo, ciclismo, bailes, apresentação do rancho folclórico e de pequenas peças de teatro. No dia 25 de Abril, para além de todas as outras realizações, começou, desde 1976, a ter um outro elemento – a realização de almoço comemorativo. Foi tradição que se manteve durante muitos anos mas, tanto quanto me venho apercebendo, caiu há algum tempo. É pena! Em Dezembro, organizava-se uma festa de Natal para as crianças da Abrunheira. Para além do lanche e dum programa a propósito, feito com a prata da casa, onde não faltava Pai Natal e Palhaços, era entregue a cada criança, previamente inscrita numa lista, um brinquedo adequado à idade. O lanche era oferecido pela URCA, população e comerciantes locais. Os brinquedos eram comprados com donativos de algumas fábricas e também pelos comerciantes da Abrunheira.

O tempo foi passando, as instalações mantinham-se sempre abertas com um pequeno bar de apoio com a presença, desde a primeira hora, do saudoso Ti Faustino. Ele era tudo – porteiro, guardador, cuidador, tomava conta das crianças que vinham ao parque e garantia o funcionamento do bar. A função cuidadora do Ti Faustino foi fundamental nestes primeiros anos.

Em termos de crescimento e consolidação, a secção cultural com a sua atividade teatral organizada no GITU – Grupo de Intervenção Teatral da URCA, existente desde a fundação da coletividade, viria a ser a grande força mobilizadora da URCA nos anos 70 e 80. O GITU criou e desenvolveu, com o apoio de alguns amigos, um dos melhores grupos de teatro amador do Concelho e até da região.

Lá pelos anos 77/78, a direção da URCA foi contactada por um grupo de teatro profissional residente em Sintra, para apresentação no nosso pavilhão, do seu trabalho em cena. O porta-voz do grupo era o, também ator, Gil Matias. Fizeram o seu trabalho, os abrunhenses gostaram e o Gil Matias passou a fazer parte da nossa agenda de amigos. Em pouco tempo, com a nossa vontade e a sua disponibilidade, avançamos para a reorganização do GITU com a direção do nosso amigo.

"O Palheiro" de Miguel Barbosa, encenado e dirigido em 1979 por Gil Matias, foi um grande sucesso do GITU. Esteve em cena, fazendo bastantes apresentações nas colectividades do Concelho e fora, depois de ter representado a URCA no Festival de Teatro Amador de Sintra que, na época, a Câmara Municipal de Sintra organizava. Ganhou alguns prémios e classificou-se sempre em lugares honrosos. O principal responsável pelo êxito deste trabalho foi Gil Matias. Depois de “O Palheiro”, manteve-se na direção do GITU por mais dois ou três anos. O Gil muito tem dado à cultura do Concelho de Sintra e, particularmente, ao teatro amador em inúmeras Coletividades e Associações da região. Avesso a homenagens e a gratidões públicas, constata-se que permanece vazio o lugar que lhe cabe pelos serviços prestados à comunidade. Nesta minha conclusão, incluo naturalmente a URCA. Pela minha parte, e em nome de todos os que pensam como eu, agradeço ao Gil Matias toda a sua dedicação e generosidade em prol da cultura.

Nos últimos anos da década de 70 e primeiros dos 80, começaram a mexer também, embora com completa autonomia em relação à direção da URCA, o que viria a ser o Grupo Coral Alentejano da URCA com a incansável liderança de Francisco Feio e a Associação de Reformados com a luta e perseverança do saudoso António Vieira. Alguns memoráveis encontros de Grupos Corais Alentejanos aqui foram realizados com autênticas multidões de participantes e espectadores. Criaram também o seu núcleo de convívio e organizaram um pequeno museu regional que, melhorado e revitalizado há algum tempo, tem as suas portas abertas para quem o quiser visitar. O legado de António Vieira não foi abandonado e, pelo contrário, a Associação de Reformados consolidou os seus alicerces, está ativa e tem projetos para o futuro.

Esta fase de lançamento e consolidação da URCA, com a mesma orientação a nível de dirigentes, foi até final de 1982. A partir daí, uma nova fase começou. O frenesim revolucionário, que necessariamente influenciou os fundadores e a própria URCA, tinha chegado ao fim.

Silvestre Félix

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

URCA - DEPOIS DE 18 DE ABRIL DE 1975 – 1ª PARTE

Nesta fase, com a questão das instalações no bom caminho e com muito trabalho pela frente, era importante definirmos as prioridades e manter a unidade na ação.

Eu, lá continuava a aprender a ser “tropa” na Figueira da Foz. Detestava aquilo, mas gostei de estar na cidade da foz do Mondego. Depois das primeiras sete ou oito semanas de “cativeiro”, todos os fins-de-semana vinha à Abrunheira e participava com gosto nos trabalhos da URCA. A comida no quartel era boa e o ambiente também. Em Maio fui para o RIP no Porto, onde me mantive até pouco antes do final de Junho. Depois, entre uma mobilização para Angola e uma reorganização do Exército, um bocado a reboque das “negas” em embarcar para a Guerra a preceito do PREC, fui, com outros, desmobilizado e mandado para casa até meados de Agosto. Os últimos dias de Junho, o mês de Julho e o meio de Agosto, foram um regresso à minha vida normal. Na terceira semana de Agosto, regressei à tropa e consegui vir para Oeiras onde fiquei até 27 de Novembro do mesmo ano de 1975. Era como se estivesse em casa. Retomei o meu trabalho da URCA, agora, sem interrupções, independentemente das obrigações militares.

As instalações existentes na quinta resumiam-se: À casa de habitação que corresponde hoje ao edifício que dá para a rua Humberto Delgado, excluindo o bar que foi construído à posteriori, e um telheiro de capoeiras e coelheiras ao longo do muro que dá para a rua da Liberdade onde, depois de algumas obras, viriam a instalar-se a Associação de Reformados e o Grupo Coral Alentejano da URCA. A quinta prolongava-se muito para baixo (sentido sul) ocupando toda ou parte do terreno onde estão hoje moradias com as traseiras para a rua do Centro Social e frentes para a rua Natália Correia. Algures no meio, havia um poço com um grande moinho de vento e um tanque de rega.

À perpendicular do edifício principal, do lado direito quando estamos virados para o alpendre, já existia aquela espécie de arco?? (em linha reta) que ligava a uma parede de tijolo a direito que é, nem mais nem menos, a parede norte do pavilhão. Bom, o fato de haver esta parede feita e em bom estado entusiasmou-nos a aproveitar a dita e, a partir dali, construirmos o pavilhão tal e qual é hoje. Naturalmente que ao longo do tempo beneficiou de muitos melhoramentos mas, no essencial, é o que lá está, 35 anos depois. Antes do início das obras do pavilhão, os serralheiros e pedreiros e toda a gente da Abrunheira, meteram mãos à obra e, em menos de nada, nasceu o primeiro parque infantil no mesmo local onde ainda está. Aquela parede que atrás mencionei, e que seria uma das alas do pavilhão, do lado virado para o parque, encheu-se de pinturas que alguns artistas abrunhenses generosamente ofereceram às nossas crianças. Tenho sempre receio de mencionar nomes, porque, como é natural, não me lembro de todos e não quero ser injusto. Não resisto no entanto, e até porque ainda num destes dias reparei estarem a aparecer por debaixo da velha cal, nessa mesma parede, alguns dos heróis dos desenhos animados da época que, o nosso João Balagueiras, tão bem lá os desenhou e pintou. Mereciam ser reabilitados, digo eu.

Já depois de haver parque infantil e grande parte das figuras pintadas na parede, tivemos honras de reportagem televisiva. É verdade, a RTP, única televisão do tempo, veio fazer reportagem e transmitiu no telejornal. Os moradores da Abrunheira, mesmo os que inicialmente não concordaram com a ocupação, foram, a pouco e pouco, aderindo às nossas intenções e, uma parte considerável da população, quando chegou a hora, pôs as mãos na massa. As ajudas vinham de todo o lado. Em trabalho, em materiais, homens, mulheres, mais velhos, mais novos, nos almoços, nos lanches, tudo e todos eram importantes para erguer o nosso pavilhão.

No entanto, havia muita coisa que era necessário comprar e dinheiro não havia. Também aí tivemos uma colaboração fundamental para conseguirmos pôr as paredes em pé. Foi o Senhor António Coimbra das Neves, conhecido por “António da estância” de Albarraque. Fomos falar com ele e conseguimos que confiasse nos dirigentes da URCA. Forneceu todo o material de construção necessário para pagar como e quando fosse possível. Confiou, e fez bem, porque tudo lhe foi pago até ao último centavo, depois de muitos bailes e festas de angariação de fundos, no pavilhão, já com telhado. A cobertura foi colocada a tempo de se fazer a pré-inauguração (pré porque ainda não tinha portas nem janelas), no primeiro aniversário da ocupação, a 18 de Abril de 1976.

Com um programa da casa, envolvendo dezenas de Abrunhenses, incluindo a estreia de um rancho folclórico infantil com muitas crianças da Abrunheira, criado e encenado de propósito para a ocasião por animadores e animadoras da secção Cultural da URCA. Também foi neste dia apresentada uma criação colectiva do GITU (Grupo de Intervenção Teatral da URCA) com o título "Até à Libertação", bem como outros pequenos quadros de comédia "séria", porque tinha sempre a ver com o momento político. Foi uma grande festa. Parecia que não havia uma única pessoa da Abrunheira que, duma ou doutra maneira, não estivesse a participar. Estou convencido, passados todos estes anos, ter sido uma das ocasiões em que se viu mais gente junta, num só local, na Abrunheira.

É certo lembrar que, na época, foi reconhecido por muita gente a nível do Concelho de Sintra, ser a URCA, com pouco mais de um ano de existência, um dos bons exemplos de associativismo a seguir.

Foi um ano de intensa atividade. O recinto e as instalações, principalmente aos fins-de-semana, estavam sempre apinhados de gente que invariavelmente encontravam tarefas úteis para fazer. Concluída, no essencial, a construção do pavilhão, outros trabalhos e outras preocupações se seguiram. Disso darei conta no próximo escrito.

Silvestre Félix
8 de Fevereiro de 2011
Tag: URCA

PS:
Como já disse, não tenho a pretensão de ter nenhuma memória de elefante, nem de possuir a única interpretação de muitos acontecimentos, pelo que agradeço todas as contribuições no sentido de melhorar o registo da nossa memória coletiva. A forma de o fazer pode ser através de simples comentário diretamente no blogue, para o meu mail
silvestrefelix@netcabo.pt, ou através de MSG na página do facebook.com/silvestre.felix

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

EM CAMIONETAS VINHAM E EM CAMIONETAS IAM!

Todos os sítios ditos hoje, nossos sítios foram ontem. Alguns até as paredes ainda conservam, outros estão guardados na memória do rígido e em ficheiro no externo. Em tempo contado em algumas dezenas de anos, sempre abaixo dos que eu tenho nesta vida, todos estes lugares já passaram à história industrial da Abrunheira.

Os mesmos tijolos e reboco que resguardam empresa nova, que o seu nome já deu à rotunda facilitadora do escoamento de trânsito, que naquele tempo demorava que passasse qualquer viatura, nem que fosse carroça, poderá ter corrido tempo, em número de anos contados, cerca de 50. Com muita pompa e direito a notícia de jornal, pouco importante pela escassez de trocos para o comprar e pela fartura de iletrados morados à época na nossa Terra, contando como muito mais importante na propaganda do evento, o “passa-a-palavra” na companhia de “ciganas”, de “charretes” ou simples de “três” tintol, pelos balcões do Ramos, do Álvaro ou da Menina Emília, em que se lubrificavam as goelas secas de tanto palrar. Na porta ao lado, as mulheres-mães, irmãs, tias, filhas, avós, cumpriam a mesma missão antes de acrescentar à “conta”. O objeto do grande acontecimento, de “batismo” tinha garantido o nome de “Sincal” e fabricava lixas, abrasivos e colas.

De primeira na Abrunheira se gabava, pois durou algum tempo contado até se construir a segunda no mesmo sítio e paredes onde hoje tem entreposto de Japoneses carros. Esta segunda, tal como a Sincal, muito labor deu aos Abrunhenses, que de semeadura e ceifa se foi esquecendo em troco da féria certa e contada, chovesse ou sol fizesse, com dia do senhor liberto e sexto encurtado com novidade de semana-inglesa. Fábrica da Borracha, abreviatura da “Fábrica de Borracha Leackok Rosa Lda”, viajante como se “Jangada de Pedra” ao contrário fosse, pois rumou a nordeste. Foi a pérola que a pariu e a criou, oferendo-a já adulta à Abrunheira que muito bem dela tomou conta e adotou como sua. A “Jangada” ao contrário carregou de boleia os seus operários sabedores e as suas famílias. Curto contado em tempo, os amores e desamores dos filhos e filhas dos da “Pérola-Madeira” e dos Abrunhenses, e os filhos dos filhos, netos e bisnetos deram ao pulsar da nossa Terra.


Depois vem a de plásticos no mesmo sítio e paredes construídas pelo patrão Gomes dita “Fábrica de Plásticos Atil, Lda”, onde hoje se produzem ou armazenam produtos químicos ali a seguir à Puratos no sentido da do “atleta”. Também esta trouxe operários doutras bandas, mas sempre os Abrunhenses ganharam em presença e labuta. Porque também aquelas mesmas paredes que estão de pé me protegeram dos primeiros passos no mundo do trabalho, e lembro um a um dos meus antigos parceiros nos 14 contados em anos de idade. Alguns subiram um patamar e estão numa dimensão diferente, deixando cá, na Terra, a saudade da vivência.

A Abrunheira tem sítios e lugares que são já da sua história industrial e dos Operários que por lá passaram. Em camionetas vinham e em camionetas iam. Primeiro, andantes em brancas d’alva de marca “palhinha”, que de caminho faziam do Estoril até Mem Martins e volta, três vezes no dia entravam e saiam da Abrunheira. Depois, de “Boa Viagem” se marcavam, na Abrunheira se cruzavam muitas vezes por empreitada, riscadas de marinho azul e entre Oeiras e Sintra se escalavam. Na ponta de antes das oito, desovavam e em pirilau, passando pelo Ramos e depois António José e Café do Manuel “Brasil”, lá certinhos, passo-a-passo, tomavam seu rumo da labuta: Sincal, Borracha ou Atil. Na outra ponta das seis, o inverso: Camioneta chegava, camioneta partia e roncava e fumava e ia e voltava.

Dos da Terra, iam e vinham pela – Um, dois e três, lá vai alho, o bilas das três covas, o olho-de-boi, o pião que roda sem parar, lá vai eixo, às escondidas, à apanhada… de régua ao alto até à palma da mão em mordedura escaldante, dentes cerrados e lágrimas contidas na raiva fervida de injustiça…e lá estava, por detrás da secretária, ao lado do quadro de ardósia, o retrato do botas e do Craveiro ainda desactualizado – que chamavam escola que ainda nome não tinha, a rua, mas lá me cruzei com muitos Abrunhenses nessa passagem da vida. Bem gravado e guardado, de todos me lembro em corpo e alma feitos, de nomes nem tanto, que hei-de eu fazer?

(Extraído dos textos “Abrunheira, Terra com História” de Silvestre Brandão Félix, publicados no extinto blogue “Aldeia Viva” durante 2007 e 2008.)
(Correção e atualização do autor em 2011)

Silvestre Félix

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

ESTALAGEM DE MOBILIÁRIO BRANCO

“Na estalagem de mobiliário branco, cortado, aqui e ali, pelo tom prata da moda”, a vida corre com sofrimento mas também com devoção e esperança.

O toque cadenciado dos monitores, um atrás do outro, embalam o sono engajado na dor e nas idas aos patamares alucinados. As imagens constantes, bem arrumadinhas em quadradinhos bem nítidos, com falas sugestionando o bem ou o mal. Quando bem, acende a ansiedade para entender duma forma racional, que mensagens os quadradinhos me transmitem. Quando mal, provocam um misto de raiva e medo e é manifesta a impotência para os retirar da zona abrangente do meu alucinogénico sono.

“Na estalagem de mobiliário branco, cortado, aqui e ali, pelo tom prata da moda”, os anjos não dormem. São eles ou elas, não importa, porque anjos não têm sexo, só têm bata branca. Não descansam e estão sempre cuidadores junto à cama. O gemido, o grito, o pedido, a negação. Os anjos não precisam de manual, sabem de cor os significados e nunca dormem. Religiosidade à parte, abençoados os anjos de bata branca que sempre lá estiveram.

No “modo” de observador, em fase mais consciente e pela experiência das várias estadias “na estalagem de mobiliário branco, cortado, aqui e ali, pelo tom prata da moda” a capacidade de interpretação do que vai acontecendo à minha volta, aumenta desmedidamente, e enfraquece a sensação de debilidade. Estou forte! E, na outra cama, o sofrimento é agudo. “Calma, é assim mesmo. Tem de acreditar e ter coragem” – Consigo passar a ideia mas duvido do efeito. A perturbação, o medo, o terror, não tem limite. Diz ele: “Não, não quero! Vão pôr no soro e eu fico a dormir e depois cortam-me… Não, não deixo, não quero!” A expressão facial e corporal não disfarça o pânico. As de bata branca, com aconchego carinhoso e palavras macias de psicologia simples de anjo sem sexo, controlam o desarranjo mental.

“Na estalagem de mobiliário branco, cortado, aqui e ali, pelo tom prata da moda”, perto da minha casa, moram anjos de bata branca sem sexo.

Silvestre Félix

SINTRA CULTURAL

Guia da atividade cultural do nosso Concelho, a Agenda cultural para Fevereiro de 2011, editada pela Câmara Municipal de Sintra, já está disponível nos locais habituais ou, online linkando PDF
Silvestre Félix
(Fonte: Site da CMS)

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

FUNDAÇÃO DA URCA – CAPÍTULO II – 2ª PARTE - DEPOIS DE 3 DE JANEIRO DE 1975

Sendo despachado para a Figueira da Foz, fico longe do que se iria passar na Abrunheira e na URCA, nos próximos tempos. Ainda por cima, Portugal entraria nestes dias num período muito conturbado que resultou só numa ida a casa, entre 3 de Março e 25 de Abril.

Oito dias depois estamos no célebre 11 de Março de 1975. A mim, maçarico com uma semana de farda, deram-me uma G3 e fui para um cruzamento algures na Figueira da Foz, revistar carros (a G3 estava descarregada). Comigo estavam outros nas mesmas circunstâncias. A minha unidade era afecta ao MFA, de maneira que o lema era "tudo pelo PREC". Os dias foram correndo na Figueira da Foz, até que nos vamos aproximando do primeiro aniversário do 25 de Abril e dia das primeiras eleições democráticas, eleição da Assembleia Constituinte. É claro que naquela época não havia telemóveis e mesmo os outros telefones não existiam em todo o lado, mas mais ou menos eu ia sabendo que as coisas na Abrunheira iam andando.

Salvo erro no dia 19 de Abril, quando no quartel já se faziam as escalas, para ver quem votava para as "Constituintes" no quartel e quem tinha que ir a casa votar, recebo correio da Abrunheira, do Zé Carmo Silva, com uma conversa completamente enigmática. Era um jogo para eu descobrir o que tinha acontecido ou ia acontecer em 18 de Abril (dia anterior). A solução do problema era exactamente a "Quinta do João da Batata". O pessoal tinha "ocupado" a quinta. Consegui telefonar e falar com a minha Mãe, que me disse, mais ou menos o que eu já sabia. Imaginem como eu fiquei. Sem poder participar, sem dar o meu contributo, e tanto que havia para fazer e eu com uma G3 na mão a aturar gente que nos obrigava a brincar aos cowboys.

Sorte a minha, a credencial necessária para votar na Figueira da Foz não tinha chegado e, por isso, tinha que ir a casa para votar no dia 25 de Abril. Ia poder estar com o meu pessoal. Vim ver e finalmente participar no acontecimento da semana; "A ocupação da Quinta". Participei no entusiasmo da quase totalidade da população da Abrunheira. Este dia 18 de Abril passou a ser comemorado como véspera do grande dia 25 de Abril.A partir daqui a história da URCA é outra, será a própria Abrunheira, pois tudo se vai passar aqui. Queríamos muito mais do que veio de fato a acontecer. O nosso grande objetivo era a criação dum Centro Social que incluísse, para além da URCA, pelo menos, infantário, apoio aos idosos, apoio escolar e uma extensão do Centro de Saúde. A este propósito, na altura da atribuição das ruas da Abrunheira, a uma das artérias que contorna a URCA, foi-lhe dado o nome de “Rua do Centro Social”.

Naquele fim-de-semana prolongado (25,26 e 27 de Abril), tive oportunidade de participar em todas essas discussões que perspetivavam um futuro de sucesso e de melhoria na qualidade de vida para a população da Abrunheira.

Ainda durante os dias que estive na Abrunheira, se iniciaram conversações com o proprietário, com a colaboração de algumas pessoas ligadas à comissão de moradores da altura e com o conhecimento da Câmara Municipal de Sintra. Pela parte que me toca, estou eternamente grato a essas pessoas mas, por razões óbvias, nunca usarei aqui os seus nomes.

Em resultado de todas as boas vontades, as coisas viriam a correr muito bem, tendo sido, mais tarde, assinado um protocolo entre o proprietário e a Câmara Municipal de Sintra em que, estabelecia uma fronteira entre a parte de terreno a utilizar pela URCA, e a parte que continuava na posse do anterior dono. A nossa parte passou para a posse da Câmara com o fim de ser utilizado pelo Centro Social da Abrunheira.

(Extraído dos textos “Abrunheira, Terra com História” de Silvestre Brandão Félix, publicados no extinto blogue “Aldeia Viva” durante 2007 e 2008.)
(Correção e atualização do autor em 2011)

Silvestre Félix
1 de Fevereiro de 2011