segunda-feira, 18 de abril de 2011

OS MARCHANTES DA QUARESMA!

Em casa dos meus Pais, a época em que mais sentia a regra religiosa, era a Semana Santa. De forte tradição e cultura católica, a minha Mãe, embora sendo uma praticante moderada, levava a sério as condicionantes da Quaresma muito acentuadas nestes dias que antecedem a Páscoa. Havia restrições no tipo de comida e a carne só voltava à mesa a partir de Domingo. Desde Quinta-Feira que o ambiente era de enterro e, nestes dias, vi muitas vezes a minha Mãe de “Terço” na mão rezando as correspondentes orações.

Muito mais celebrado do que, por exemplo, o Natal, no Domingo de Páscoa a minha Mãe fazia filhoses, arroz-doce e “fatias-paridas” (rabanadas). As minhas lembranças do Natal são vagas, até porque não havia brinquedos nem qualquer outro tipo de prendas, mas a Páscoa era diferente. Também era neste dia que a minha Mãe me vestia uma peça de roupa “nova” A Tia Alice, (Tia-Avó paterna) tinha um negócio de roupa e calçado em segunda-mão e aqui, o “novo”, já tinha sido usado por qualquer outro menino de família mais endinheirada – e também foi num Domingo de Páscoa que estreei os meus primeiros sapatos da Tia Alice, muito diferente das botas cardadas com protetores atrás e à frente, do mercado de São Pedro.

A Páscoa também tinha outro atrativo para os putos da Abrunheira. Todos sabíamos que no domingo antes da Páscoa, que se dizia de pascoela e que, para efeitos religiosos, lhe chamam o Domingo de Ramos, aí pelas 10 da manhã, no Largo do Chafariz em frente ao Álvaro, chegava uma camioneta de passageiros que hoje se diz auto-carro, despejando umas dezenas de pessoas vestindo trajes coloridos e que, depois de formarem uma grande roda no meio da multidão de Abrunhenses, e com o acompanhamento de alguns instrumentos musicais de sopro, iam progredindo em danças e cantorias bem balanceadas e depois, em postura mais retilínea, a que chamavam – Marchas!

No Domingo a seguir, o da Páscoa, lá vinham eles outra vez de Bicesse, da Galiza ou do Estoril. Os Abrunhenses voltavam a responder à chamada. Eu era dos primeiros a chegar mas, ainda antes, já lá estava o Zé Fernando o Rui e o Vitor do electricista com as irmãs que moravam mesmo ali, o Zé Augusto, se a Maria José deixou, a Manuela se a Tia Alice deixou, o Julhinho, o Filomeno Caravaca, o Fernando Pedroso, o Mário, os irmãos Pardal; O Zé, a Albertina, a Isilda,Venâncio, Filipe, Fernando, Chico, Anabela, Isabel e o Carlos Fadista. O Octavinho, de geração diferente da minha, mas figura admirada na nossa Terra naquela passagem dos anos 50 para os 60, que a ocupação do largo complicava a rotina dos bovinos e ovinos a seu cargo. O Valentim com a irmã Isabel e a mais nova, o Carlos Jorge e a Teresa, a Maria Adelina e o irmão, o Domingos e Teresa do Souto, os meus primos; Rafael, Chico da Ti Ermelinda, Gina e o Zé, o Pézinhos e o irmão Fernando e o Pai Rafael Coxo, o meu irmão Vitor, a minha irmã Felicidade, os irmãos Nascimento; O David, o António, o Zé e a Dulce. O Alfredo do Barroso, o Fernando e o Vitor ginete, o Chico Cruz e a Clara, a Graça e a Elisabete, os Irmãos Balagueiras, o João careca e a Júlia, a Maria Augusta, a Zézinha e o Luís, e Pedro bicanka, a Teresa e a Isabel Maria, o Zé do Florindo e a Irmã, a Maximina e a Graciete, o Urbano, o Adrião, o Lucrécio sigamó e as duas irmãs, o Zé e o João da Natália, a Madalena do Ti Joaquim da fruta e a irmã, o Zé grande, o Miguel Frade e mulher que por cá já andavam, o Eurico, o Jaime e João Pinto, o João Barriga e o António calmeirão. Também sempre lá estavam o Ti Joaquim Cagachuva e a mulher Margarida, o Coutinho que era Bernardino e a Judite Caracol, o Zé de Celorico e a mulher, o Caladinho e o Faladura. Muito mais gente vi mas, o tempo passado contado em anos vai absorvendo os pormenores das lembranças. Que me perdoem todos os que, estando, não foram assinalados de merecida forma.

E então os marchantes que cantaram, dançaram e marcharam, dum momento para o outro, fazem o movimento inverso, assim como um vídeo a andar para trás, entram na camioneta, e ainda antes de estarem todos sentados, o andante começa a rolar em direção ao próximo ano. A Abrunheira volta à calmaria habitual ansiando por outra visita.

Para que o gosto não pare, e a Páscoa seja lembrada durante vários dias, ficava sempre o sabor das “fatias-paridas”, das filhoses e do arroz-doce.

Silvestre Félix

quarta-feira, 13 de abril de 2011

O CABOUQUEIRO E A CIÊNCIA DA PEDRA - Capítulo Um

Aquela manhã preparava um dia de calor a sério, nem vento a norte, nem véu na Serra com direito a ver a ponta do Palácio da Pena. O Coutinho que era Bernardino já tinha no bandulho as sopas de cavalo cansado que a Judi Caracoleta lhe havia preparado. O descanso da noite tinha passado depressa e, na cabeça ainda zonza, martelava aquela conversa de ontem à noite na taberna. Dizia aquele fulano “bem-posto”, que parece trabalha na fábrica nova de Mem Martins e lhe chamam “o caladinho”, porque nunca diz nada e de vez em quando sai-se com umas que a gente não percebe, que tinha começado uma guerra nas “Áfricas” e que os nossos tropas iam começar a ir para lá combater. O pessoal ficou todo de orelhas em pé e de roda dele, todos quisemos saber mais, mas ele, como era costume, ficou muito assustado a olhar para todos os lados e para a porta, pagou a rodada de “ciganas”, e pôs-se a andar.

Bem, o Coutinho que era Bernardino, com aquelas “marteladas” na cabeça, lá saiu de casa e a passar o Santo António, cruza o caminho com o Chico da Beloura que lhe fez a conversa do tempo… que vai estar muito calor, que as ovelhas estão cada vez mais gulosas, que assim, que assado... - nesta altura a Beloura ainda era só Casal da Beloura e quem lá punha e dispunha era o Chico e família e o seu rebanho de ovelhas. Lá muito mais para a frente o Casal virará Quinta - e, entretanto, o Coutinho que era Bernardino, lá ia arrojando o esqueleto até à pedreira do Ti Miguel, com o peso da picareta e ao dependuro no cinto de couro, aquele que o Joaquim Cagachuva lhe arranjou vai para cinco anos, ainda antes de se ajeitar com a Judi Caracoleta, (tomando o fio) o martelo de corte, o escopro de pedra e a marretinha, tudo que lhe fazia falta naquele dia, para aplicar, com toda a sabedoria, a sua arte. Não havia um único santo dia que o Coutinho que era Bernardino, com mais ou menos charretes e ciganas na pança, não dissesse a alguém que;

«Eu sou cabouqueiro… eu tenho a ciência da pedra!»

(A solidão era rainha e, por isso, muitas vezes tinha que o dizer para a própria pedra ou para as ferramentas)

«Olha lá oh Marretinha …(soluço) eu já te disse que tenho a ciência da pedra? (soluço

«E a Marretinha: Sim, já me disseste!»

«E o Coutinho que era Bernardino continuava; Oh Martelo de Corte… (soluço) Eu já te disse que sou o melhor cabouqueiro da Abrunheira e arredores?»

«E o Martelo de Corte lhe dizia; Já, e muitas vezes. (continuava o Martelo de Corte) Oh Coutinho que és Bernardino, com o calor que está e porque as pedras não fogem, porque é que não vais à Menina Emília meter mais uma ou duas charretes no bucho? Assim refrescavas e davas descanso à gente.»

«E logo, o Coutinho que era Bernardino; Olha, se calhar até é boa ideia.»

A última palavra ainda não estava dita, (só precisava dum pretexto) e já o Coutinho que era Bernardino, ligava os andantes para atravessar o Rio das Sesmarias e meter pelo caminho do Cipriano acima.

«Oh Amigo Rio das Sesmarias, deixas-me passar outra vez?»

«(Diz o Rio das Sesmarias) Podes oh Coutinho que és Bernardino. Eu quase que cá não estou, só está o sítio. Nesta altura, a menos de um mês do Silvestre Velho começar a debulha, como é que queres que eu cá esteja? Agora só lá para meados de Setembro com as primeiras águas. Mas… ainda falta muito tempo contado em horas, para o sol de esconder por detrás da Penha Longa, onde é que vais?»

«Meu velho Amigo Rio das Sesmarias, vou molhar a goela à Menina Emília. Tem de ser, se não, a ciência da pedra não sai.»

«Olha lá, Coutinho que és Bernardino, vê no que te metes! Não te descuides, porque senão lá vem a Judi Caracoleta à tua procura.»

E o Coutinho que era Bernardino deixando o Rio das Sesmarias para trás, lá vai subindo o caminho e, quando ia mais ou menos a meio, do lado esquerdo o Cipriano e do lado direito o Pena. Quase os dois ao mesmo tempo, mas cada um a seu jeito;

«(O Cipriano) Então Coutinho que és Bernardino, com o sol ainda tão alto, onde é que vais?»

«Vou até à Menina Emília molhar a goela que a secura está a dar cabo de mim.»

«(Diz o Pena) Vai direitinho e não te demores, se não, a Judi Caracoleta vem fazer-te companhia…»

«(O Cipriano) Oh Coutinho que és Bernardino, olha que o Ti Miguel precisa que acabes aquelas cantarias para as janelas da obra.»

«Eu sei, daqui a meia hora já passo para baixo.»

Passou a esquina do Abílio mas… para a Menina Emília, tinha de passar para as bandas da casa do Ti Miguel. Para não haver chatices, nem dum lado nem do outro, decidido logo ali. Em vez da Menina Emília, ia beber uma charrete ao Faial que agora é o Ramos. Metia em frente pela quinta do Santo António, á esquerda pela do Olival e pronto, já lá estava na curva.

Quando estava a chegar à esquina, e de ouvido o Coutinho que era Bernardino continuava melhor que todos, começou a ouvir uma fala assim… como um discurso bem falado. Quem havia de ser, o “Caladinho”. Lá estava ele… mas…

«O fulano está a falar sozinho. Pois claro, se estivesse alguém, como de costume estava calado. Deixa lá ouvir o que este marmanjo diz…»

É verdade, e os soldados lá iam, todos certinhos, em bicha pirilau, a subir a escada do navio, e no cais, uma multidão a dizer adeus…, eram as mães, os pais, as mulheres, os filhos e toda a família. Era um mar de lenços brancos e uma choradeira sem fim. Os soldados, à medida que iam chegando lá acima, voltavam-se, e tentavam corresponder aos acenos. Alguns dos que subiram, não voltarão vivos. A guerra é assim, e eu vi o navio começar a deslizar nas águas do Tejo. O cais da Rocha Conde de Óbitos deixou de ser da carga a granel e passou a ser também de soldados a granel. Muitos espíritos estão revoltados, nos que ficaram e nos que foram e as famílias estão destroçadas. A maldição tinha batido à porta de cada soldado que embarcava – Daqui a 50 anos, depois dos cravos e de hossanas à Liberdade, ainda vai haver um Presidente da República que elogiará o desígnio da Guerra Colonial a que ele vai voltar a chamar “Guerra do Ultramar” – Mas o “botas” disse: «depressa e em força para Angola», e o “botas” e o “inteligente”e a pide e o marido da Gertrudes e os peões do tabuleiro e os de brega, ainda mandam, e o Zé, não consegue reverter a situação, ainda…

(Qualquer dia continua)

Extraído do escrito – “O Cabouqueiro e a Ciência da Pedra” – de autoria de Silvestre Félix

Dicas: Charrete – Garrafa de mais ou menos 40 cl cheia de vinho tinto do barril; Cigana – A mesma coisa, mas a garrafa é de 33 cl; Marretinha – Marreta pequena para trabalhar pedra.

sábado, 9 de abril de 2011

DIREITO DE SONHAR!

Pelos traços e caminhos da minha juventude, acontecidos dentro do apertado perímetro da Abrunheira que muitos sempre gostavam de lhe chamar – Brasil e encavalitado nos andantes de ferro abarrotados de outros e outras que, depois de concluído o sagrado complemento de descanso noturno, me despejavam na grande cidade louca de andarilhos logo pela manhã.

Nas minhas andanças, fosse pela borda do Tejo com ou sem “Tallon” sempre à vista daquela janela do terceiro andar, fosse na ida e volta dos andantes nos carris de ferro, na romântica beira da nossa serra com cheirinho a sintrenses queijadas e travesseiros ou na tranquilidade da nossa Terra, sempre me acompanhavam o “Faladura” e o “Caladinho”!

“Cuidados e caldo de galinha, nunca fizeram mal a ninguém!”

O Faladura era bem mais descuidado e muitas vezes inconveniente num tempo de domínio pidesco. Muitas vezes o alertávamos para as possíveis consequências, mas ele pouco ligava. O Zé Carmo Silva era o mais sabedor das técnicas de despiste da “bufaria”. Tinha a experiência do sítio universitário onde a pide atuava em permanência. Eu era aprendiz e, a pouco e pouco, ia aplicando, à laia de teste, algumas dessas técnicas. O Faladura abusava, principalmente, quando estávamos no café do “Manel” ou no “Cabaço”. Ainda por cima havia pessoal mais novo que, embora já nos acompanhasse, ainda não estava consciente do mundo salazarento em que vivíamos. O Faladura era aquilo a que costumamos chamar – “Espalha-brasas”. Houve ocasiões em que ficamos com dúvidas que a indiscrição do Faladura não tivesse trabalhado nos tímpanos de algum zeloso servidor da pide. Não foram poucas as vezes que nos sentimos perseguidos nas nossas andanças. Alguns cantos da Abrunheira conheceram bem as nossas tertúlias secretas em que, muito mais tranquilos estávamos, sem a participação do Faladura.

O Caladinho era o contrário. Quando o Zé Carmo Silva chegou ao seu convívio, já ele dominava tudo o que era “resistência” à pide e aos seus “bufos”. De tão cuidadoso, até metia impressão. Não dizia uma palavra que fosse, sem olhar em redor pelo menos duas vezes cruzando o movimento do pescoço para se certificar que não havia mais ninguém num raio de 100 metros. Fazia sempre isto, mesmo que o tema de conversa não tivesse nada susceptível de ser considerado subversivo pela ditadura. O Caladinho conhecia bem a situação e, da Abrunheira, conhecia bem as moradas que deram serventia a opositores do regime. Sabia até quem se tinha escondido em cada uma delas e o tempo que lá estiveram, com datas e horas das entradas e saídas. Na verdade, o Caladinho, como a própria alcunha diz, estava quase sempre calado. Era mais de: Olhar para ver, ouvir, ler e escrever. Andava sempre com um pequeno bloco de notas onde, quando menos se esperava, desatava a escrever. Havia dias em que trazia também um livro debaixo do braço. Era estranho porque o livro tinha sempre a mesma capa – totalmente branca! Claro que não era a capa do livro. O que o Caladinho fazia era forrar com uma folha branca qualquer livro que trouxesse para a rua. Assim, os “bufos” não conseguiam ver que livro era e, no caso do Caladinho, quase sempre se tratava de leitura proibida. Lembrando-me do Rui, do Caravaca, do Fernando Pedroso, do Mário, do Zé Fernando, do Carmo Silva, do Zé Alentejano e dos mais novos Zé e Fernando Marques, Paulo, etc., etc. a quem nem sempre encaixava bem este comportamento. Depois das explicações que o Caladinho – com muito cuidado e olhando bem em redor – lhes dava, toda a gente entendia e, ao mesmo tempo, ficavam com mais uma lição aprendida.

Nas sessões de matraquilos, por exemplo, enquanto o Faladura dava largas à sua capacidade vocal, estivesse a jogar ou na posição de espetador, o Caladinho que jogava bem e preferia a defesa onde, em muitas partidas, metia mais bolas na baliza adversária que o parceiro do ataque, não festejava as bolas a seu favor nem comentava os golos que sofria. Eu, embora na altura visse as diferenças entre um e o outro, só muito mais tarde percebi bem o significado de uma e de outra atitude.

Naqueles anos de crescimento demográfico da Abrunheira em que o pouco alcatrão da (hoje) MFA, só ia até 100 metros antes da delegação da Junta e que a do Forno ainda não era porque o forno do Cipriano ainda lá estava e fumegava, em que a Ferreira de Castro ainda era “curronquinho” e, vinda de cima, parava logo a seguir ao Cabaço, em que URCA era sonho e muito menos a Humberto Delgado que de carrascos e silvas se via farta e batizada de Caracol, em que o “clandestino” Carrascal que toda gente sabia e via, viria a vestir-se de símbolos de LIBERDADE com a rua 25 de Abril, 1º de Maio e da Liberdade. Naqueles anos em que se aproximava rapidamente a minha hora da tropa e, quem havia de saber, da Guerra Colonial, não fora o: E depois do adeus” e a “Grândola Vila morena” com um mar de cravos vermelhos nos canos das espingardas.

Naqueles anos, UM Faladura e UM Caladinho eram meus companheiros inseparáveis.

Tenho a certeza, no entanto, que muitos outros abrunhenses da minha geração tiveram também por companheiros outros tantos “Faladuras” e “Caladinhos”.

Na Abrunheira, em 2011, também há juventude com muitos problemas e, uma boa parte, identificar-se-á com os movimentos contestatários que ensaiam a grande ação de indignação que, mais tarde ou mais cedo, se mostrará.

Em momentos diferentes, com medidas de grandeza muito distantes, a minha juventude e a de 2011 tiveram e têm o direito de sonhar!

Silvestre Félix

9 de Abril de 2011

quinta-feira, 7 de abril de 2011

AGRADECIMENTO

Estamos em Abril – mesmo que este esteja um bocado nublado com a frente negra que se aproxima vinda do fundo europeu de estabilização financeira (FEEF) e doutras siglas menos recomendáveis – e é o tempo adequado para saudar os amigos.


Tenho a obrigação de transmitir o meu agradecimento pela forma como o “Largo do Chafariz” tem sido acompanhado, comentado e partilhado por parte considerável dos membros do grupo de seguidores no FB e também diretamente no blogue.


Aproveito para incentivar os membros do grupo de seguidores a sugerirem a adesão de pessoas interessadas e que não seja do meu conhecimento. Sempre que isso aconteça, enviem-me mensagem FB para eu poder adicionar.


Um Abraço

Silvestre Félix

quarta-feira, 6 de abril de 2011

“LINHAS” DE HISTÓRIA!

Do Coutinho que era Bernardino, algumas linhas de histórias já contei porque ouvi, e outras também porque inventei. Para personagem Abrunhense tão cheia de eventos narrados pelos nossos melhores contadores, não há linhas que cheguem, e o tempo já contado em muitos anos produz muitos cordéis de prosa. Dando de barato que o Mário, o Rui ou o Zé Fernando, conheceram e se lembrarão do Bernardino que todos chamavam Coutinho, o mesmo já não dou como certo que conheçam o enredo de cheiro pouco recomendável, que a seguir vou bater neste teclado “Samsung” marcado.

Já agora, convém lembrar que este Bernardino é o mesmo que passou a ser Coutinho quando, com o também já nosso conhecido Francisco Borrego se emparelhou e, juntos, quiseram repetir a façanha de Gago Coutinho e Sacadura Cabral de voarem até ao Brasil, empoleirados numa geringonça que de aeroplano só tinha a imaginação incontida destes dois marmanjos Abrunhenses por adoção. Do dito voo abortado antes de o ser, já aqui dei conta, explicando como de Saloios Abrunhenses, viramos dum dia para o outro, Brasileiros. Este, que viria a ser Coutinho nesse tempo contado em anos lá para a frente, ainda era rapaz com cheiro a cueiros e com o nome bem assente de Bernardino – que, sua Mãe, Ti Mariana Soleto, verbalizava “Benardine” de cada vez que o chamava, que não eram poucas – é a personagem principal das linhas tecladas adiante.

De preâmbulo muito longo para a prosa planeada, que é então protagonizada pelo Bernardino que ainda não era Coutinho, tem a ver com uma alfaia agrícola que deu o nome a um dos famosos restaurantes da nossa Terra – O Trilho!

Os trilhos existiam porque nas eiras funcionavam e, na Abrunheira, muitos houve. Muito perto daquele santuário onde refeições se devoram, havia uma eira que o Francisco Borrego lhe deu uso, sem traições de memória, vejo bem outra em frente à antiga “sociedade” da Abrunheira, outra logo a seguir do mesmo lado onde o meu Avô muita semente separou e, mais abaixo, outra do Espanhol que o “Calmeirão”, seu genro, nunca nada lá trilhou, pelo menos que me lembre.

A “eira” era construída com ciência da época. Normalmente redonda com lajes de pedra e, de preferência, em sítio ventoso. O “trilho” era normalmente puxado por bovino com redondos de madeira passando por cima dos cereais e “trilhando” os invólucros das sementes, fazendo com que estas saíssem. Depois, com uma espécie de forquilha de madeira, levantava-se a palha, começando pela mais grossa, até ficar a semente toda à vista na laje da eira. O vento levava a palha mais fininha. Chegava a hora de recolher as sementes em sacos, e recomeçava outra eira. Entretanto, e como se tratava de operação limpa, era preciso garantir que os animais não sujassem (bostassem) a eira com as pesadonas bostas de merda. Então, o próprio trilho, tinha um acento para uma pessoa se acomodar com uma pá disponível e atenção redobrada, para, quando o boi resolvesse deitar bosta, essa pessoa, de pá em riste, apanhasse ainda no ar e quentinha, a bosta de merda. Bem, é realmente uma conversa de merda, mas é aqui que entra o Bernardino que ainda não era Coutinho, nesta época ainda rapazola, e fazendo este trabalho para o Mané (Manuel) Guilherme, Pai do nosso conhecido, “Pechincha” (António Guilherme).

Ia cumpridor aquele Verão de “calorzito” como manda a regra e mando eu. Sim, porque a circunstância de juntar estas letrinhas todas, dá-me com certeza o privilégio de inventar qualquer coisa, nem que seja o estado meteorológico da Abrunheira naquela época. Sabendo que a tradição já não é o que era, e que em 2011 vamos encarando coisas verdadeiras como autênticas aves raras, acho que ainda consigo fazer crer que naquele Verão, a nortada ventava como ainda hoje, embora o conteúdo esteja mais consistente, lá vem dívida soberana, juros altíssimos, austeridade, enfim, ventos fortes que são prelúdio de tempestade.

No entanto, com mais ou menos calor e de preferência com vento, aquela transição do Julho para o Agosto era o período de ponta de utilização das eiras. E era exatamente por isso que lá estava o Mané Guilherme de volta do Ti Vitor a dar-lhe conta da necessidade do seu filho e rapazola Bernardino, que ainda não era Coutinho, se sentar levezinho na traseira do “trilho” com o aparador de “bosta” para que a semente fosse recolhida e ensacada livre de “merdança”.

O Mané Guilherme, Pai do nosso já referido e conhecido “Pechincha”, que lembro sempre ligado à fruta de época com armazém logo a seguir à antiga “Sociedade” na esquina da azinhaga para o nosso rio das Sesmarias e em frente à horta do “Manel da Colónia”. Naquele armazém se escolhiam as laranjas, as maças, as peras e sei lá mais o quê. Só sei que quando era tempo deste trabalho os “putos” Abrunhenses não largavam a porta e, nunca perdiam o tempo porque o Pechincha era uma boa pessoa e distribuía fruta pelo pessoal. O seu homem permanente na Abrunheira era o Ti Mendes protegido da “Mariazinha” que era mulher do Pechincha. A figura do Ti Mendes era de velhinho com grandes barbas brancas e cachimbo de cana sempre feito pelo próprio. Eu assisti à “construção” do cachimbo mais duma vez, como também já aqui contei.

Bom, voltando ao Pai do Pechincha, o Mané (Manuel) Guilherme e ao nosso conhecido Bernardino que ainda não era Coutinho.

O Mané Guilherme, homem de arca cheia, terra muita e de produção variada, vivia com a família onde é hoje a casa do Eurico Pinto, ou ao lado, na que está ligada à antiga “Sociedade” onde depois conheci de lá morador, o Ti Simões, salvo erro, Avô do Zé Fernando. Seria numa ou noutra e a sua eira era em frente, onde, neste ano de crise “a dar com um pau” e com eleições à porta, existe uma moradia.

Ah rapaz!! Endireita-me esse aparador, olha que o animal vai cagar agora, oh rapaz! Olha-me p’ra frente, ah rapaz isto…, oh rapaz aquilo, e o Bernardino que ainda não era Coutinho que gostava era da arte de “Cabouqueiro” e queria aprender a “Ciência da Pedra” e que naquele tempo ainda não sonhava levantar outros voos, já não tinha paciência para aturar o Mané Guilherme, e, num minuto de desespero, desce do assento do trilho, atira com o aparador da merda e, perante a estupefacção do Mané Guilherme, o Bernardino que ainda não era Coutinho e que a Ti Mariana Soleta dizia Benardine, disparou na sua direcção:

Estou farto de o ouvir falar em merda!

(diz Mané G) Mas oh Bernardino, volta pró assento do trilho senão o “malhado” caga-me a palha toda!

(diz Bernardino) o quê? Vá você! E desata a correr desaparecendo na direcção do Chafariz.

O Mané Guilherme não podia levar à paciência e até espumava p’la boca, considerou uma grande ofensa porque o rapaz o mandou “prá merda”. Para ele, homem de arca cheia, que até nem era homem mau, ir para o assento do trilho era indigno. A função era menor e só cabia na medida dum rapazola e, de preferência, de família serviçal e de arca vazia. Sabemos nós, do Bernardino que ainda não era Coutinho a gente já sabe muita coisa, que não era isso que o rapazola queria dizer, simplesmente que fosse ele (o Mané Guilherme) para o assento, mas o homem estava numa onda diferente e entendeu pelo pior e foi logo desenrolar a fita à mulher:

Então não querem lá ver, o rapaz do Vitor mandou-me à merda!

O quê? (Pergunta a mulher)

Sim, mandou-me à merda, (nisto chega o Ti Vitor). Oh Vitor, sabes o que é que o teu filho fez?

O que foi? (pergunta o Ti Vitor) Mandou-me à merda. (responde o Mané G)

O quê? Não pode ser! (diz o Tio Vitor)

Ai pode, pode! (diz o Mané G)

Logo de seguida chega a Ti Mariana Soleta e diz o Ti Vitor; Então não queres saber?

O que é que foi “Bitro”? (pergunta a Ti Mariana)

O Bernardino mandou o Ti Guilherme à merda.

O quê? (pergunta a Ti Mariana)

Bom, meia - hora depois, toda a gente na Abrunheira já sabia do sucedido.

Moral da “estória” – Dos bons exemplos devemos ter em conta, dos maus também e, aqui, neste caso, uma palavra mal compreendida pode criar grande confusão. Com muito tempo passado e contado em muitos anos, devemos estar atentos e de olfacto bem apurado porque… nunca se sabe o que vem por aí.

Das famílias aqui prosadas só bem se deve reter. Uma, porque de modesta e humilde se tratava mas de honestidade e honradez nos píncaros, a outra de posses bem garantidas mas igualmente honrada e honesta na Abrunheira doutros tempos.

Silvestre Félix

quarta-feira, 30 de março de 2011

DÉCADA DE 70

Para que ninguém colha a ideia de que na década de 70 do século ido, na Abrunheira, a juventude seguia à risca todos os padrões da geração mais velha no que respeita a bom comportamento, tenho de vir aqui dizer a verdade, deixando muitas dicas para que cada um possa fazer o seu juízo.

Havia os que se portavam bem, os que se portavam mal e os assim-assim. Também havia, admito, quem não se enquadrasse em nenhuma destas situações e tudo fizesse para passar despercebido.

Eram tempos de preocupação de trabalho, de tropa e do que fazer com uma guerra no horizonte. Tempos também de namorar a sério e a brincar e de saber como elas iam convencer os Pais na saída dominical para, pelo menos, uma ida ao Cabaço.

Eram tempos de organizar bailaricos em alguma garagem ou na adega do Pai do Zé Carmo Silva e discar vinil quantas vezes necessário fosse para se sentir a proximidade do corpo do par e, com intervalos de semanas, voltar a tocar-lhe, pelo menos, nas mãos. Naquele início da década, a “química” já tinha sido descoberta, embora dando os primeiros passos na investigação. As paixões iam e vinham, passavam ao lado e de lado. Tempos também de petiscos e “pielas” de “caixão à cova”, quase sempre disfarçadas com onda bem humorada e risada incontida à sobremesa.

Eram tempos na Lagoa de Albufeira com longas noitadas de cantoria, petisco bem regado e depois com a aprendida guitarrada do Zé Barros. Nova estação em tempos de namoradas novas, água tépida, boa temperatura e muita areia agarrada ao pêlo.

Eram tempos de muitas horas levadas em torneios de matraquilhos e mesas infindáveis de king. De matraquilhos, na Abrunheira, havia a primeira e a segunda divisão. O terreno da primeira divisão era no café do Manel (café Brasil na Av. Dos Combatentes). Aí se defrontavam os melhores jogadores: Pézinhos, Fernando Martinho, Baptista, Chico Cruz, António e Zé Nascimento, José Duarte, Durães e muitos outros. A segunda divisão jogava no café do Cabaço. Os jogadores eram mais novos e, a grande ambição, era um dia poderem emparceirar ou defrontar os da primeira divisão. Eu fazia parte desse grupo com o Rui Simplício, Zé Marques, Fernando Marques, Zé Carmo Silva, Fernando Matos, Zé Alentejano, Pele e Osso, Mário Martinho, Zé Fernando, Vicente, Fernando Pedroso, Filomeno Caravaca e outros que, por causa deste meu litígio permanente com a lembradura de nomes, não me deixa acrescentar mais.

Também eram tempos de cartas. Mesmo no Cabaço jogávamos ao King. As noitadas eram muitas vezes passadas na adega do e nunca tínhamos limite de tempo para terminar.

Eram tempos de coisas sérias e nunca ajuntamentos suspeitos antes de 74. Eram também tempos de medo. Eles, os da pide, andavam sempre por aí. Aprendíamos cedo a mudar de conversa quando alguém com perfil de “bufo” se chegava perto. Depois dos da pide terem arreado as calças, os espíritos se abriram, começamos a ir mais ao cinema e até podemos finalmente ver “O último tango em Paris” com o Marlon Brando e a Scheneider, o “Garganta Funda” e todos os que apareciam da série “Emmanuel”. Na mesma onda, os bailaricos do começaram a ser mais frequentes, cada vez havia mais vinil e os pares já se tocavam mais. Os tempos eram de ventos fortes com um novo ar e, todos nós tomamos bebedeiras desse novo ar e de tudo o que nos punham à frente – às vezes até demais.

Eram tempos para pôr em prática as ideias boas. Antes o JURA no Algueirão e depois a URCA aqui na Abrunheira passaram a dominar as vidas da nossa juventude que continuava a namorar, a apaixonar-se, a ir para a Lagoa, a jogar aos matraquilhos, a jogar ao king, à lerpa, ao futebol e a portar-se bem, mal ou assim-assim!

Silvestre Félix

sexta-feira, 25 de março de 2011

PORQUE NOS CHAMAVAM BRASILEIROS

Em plena segunda década deste século vinte e um, em dias de terramotos e tsunamis devastadores e crises de dívidas soberanas que já nada têm que ver com soberania, quase não se ouve e, mesmo eu, de certeza não entenderei à primeira, se alguém me chamar “Brasileiro”. Até há tempos, contados em vinte e cinco ou trinta anos, ainda era comum: em Albarraque, no Linhó, em Mem Martins, em Rio de Mouro ou em Ranholas, referirem-se aos Abrunhenses de Brasileiros e à Abrunheira de “Brasil”.

Porquê? O que tinha a Abrunheira a ver com o Brasil? Na verdade existe uma justificação para isso e a história pode ser contada mais ou menos assim:

O feito dos nossos heróis, Gago Coutinho e Sacadura Cabral, saindo de Lisboa no hidroavião "Lusitânia" em 30 de Março de 1922, fazendo a rota do Atlântico Sul e chegando ao Rio de Janeiro no Hidroavião Santa Cruz a 17 de Junho de 1922, teve um alarido muito grande em todo o País. Era uma época em que os valores e a auto-estima estavam de rastos por cá (em termos de níveis, não andarão muito longe dos de hoje) e, um feito destes, foi festejado como se tivéssemos voltado ao tempo dos descobrimentos. O que é verdade é que esta viagem dos dois Portugueses ficou na história da aviação civil mundial. A primeira travessia do Atlântico Sul aconteceu, fundamentalmente pela tenacidade e coragem dos dois aviadores e são essas qualidades que se destacam no imaginário dos portugueses anónimos, mesmo daqueles que nem sequer faziam ideia aproximada do que era um avião, ou, como à época se dizia, um aeroplano, ou ainda, neste caso, um hidroavião.

Na Abrunheira o acontecimento também foi vivido com o mesmo entusiasmo. Foi de tal forma que houve quem quisesse imitar os Heróis Nacionais. E logo eles que nunca tinham visto um “passarão” daqueles nem nunca tinham falado com alguém que o tivesse feito por eles. Bom, mas coragem não se mede e lá se atiraram à tarefa.

Um dos protagonistas, o Francisco Borrego, morava num casal saloio onde é hoje a Rua da Escola, em frente à Rua de S. José e era familiar do Mário e Paulo Martinho. Tenho ideia de ser só agricultor, não me ocorre que fosse encartado em qualquer outra arte. O outro era o Bernardino, marido da Judite Caracol e tinha a arte (como ao tempo se dizia) de cabouqueiro. Nas horas de retórica alcoolizada, dava-se a conhecer à plateia como sendo o único cabouqueiro possuidor da “Ciência da Pedra”. Passando à frente da retórica, continuemos a identificação dos atores principais; A quinta do Caracol Velho (que fumou cachimbo até morrer muito Velho) era quando se desce a Rua Humberto Delgado, a seguir à Quinta do Azevino do mesmo lado. Pois o Bernardino, genro do Caracol Velho, era homem de músculos, designação incluída no pacote da já dita “Ciência”. Contava-se que, na taberna do Faial, hoje da Viúva Maria do António José e Filha Isabel, este homem, que se chamava Bernardino, levantava com os dentes, barris de vinho de 50 litros e sacas de farinha do mesmo peso. Este Bernardino, ainda me lembro (aqui já era também Coutinho) de o ver de picareta nas unhas (mãos) a abrir valas para a colocação da água canalizada que vinha aí à pressa, pois já estava atrasada, mas, finalmente, a chegar à Abrunheira… Era um homem forte até que, a curvatura em peso do Tempo contado em anos de idade começou a ser grande. Também me lembro de ver este Coutinho que era Bernardino arrastar os pés pesados pelo Tempo que passou.

Quando ainda eram novos, lá por alturas de 1922/23, e como também queriam ser heróis, o Bernardino e o Francisco Borrego construíram como puderam, e com a ciência que a vivência lhes deu, um aeroplano que, para eles, representava o "Lusitânia". Levezinho, menos de um terço do tamanho real, para que fosse possível utilizar como rampa de lançamento um "zambujeiro" (parente pobre da oliveira) aqui por cima das "pateiras". (É preciso que se diga, para que não sirva de argumento palaciano, que o local pode muito bem não ter sido o indicado, mas, que fazer? Nenhum deles pela terra ainda anda de forma que me possam confirmar o sítio. Nesta conformidade fica dito e redito que, para os devidos efeitos, o sítio é mesmo este.) Claro que a rampa de lançamento não foi suficiente para que o Coutinho, ainda Bernardino, e o Francisco Borrego, conseguissem concretizar o seu sonho… voar como faziam os pombos, as rolas, os melros e pintassilgos, sim… porque o “Lusitânia”, ou qualquer outro aeroplano, eles nunca viram, daí acreditarem que bastava construírem uma coisa com asas para poderem levantar voo e irem até ao Brasil, que a vivência e muita imaginação lhes dizia que era já ali. Pois é, o trambolhão foi instantâneo, assim que fizeram peso no "hidroavião" em cima do zambujeiro, caíram com os quatro costados no chão e assim se acabou a viagem até ao Brasil. De plateia convidada e mirones metediços, não seriam muitos abrunhenses mas, ainda assim, mais que suficientes para acudirem às mazelas dos “aviadores” improvisados e propagarem a dececionante aterragem forçada pelos “ouvidores do reino”, dentro e fora de portas.

Mas se aqui acaba a história do voo até ao Brasil para o Bernardino que passa também a responder como Coutinho e para o Francisco Borrego que, a partir deste dia fica colado ao Sacadura, também aqui começa outra história. À conta deles, e porque o Salazar ainda não tinha descido à Capital, sem canga, sem pide nem censura, os vizinhos de Albarraque, Linhó, Mem Martins, Rio de Mouro, Ranholas e doutras terras ainda mais longe, em jeito de chacota, começaram a chamar-nos "Brasileiros" e à Abrunheira "Brasil".

Não é por acaso que o café na Av. Dos Combatentes, em frente ao Trilho, se chama "Brasil”. Exactamente…, por causa da história do Coutinho que era Bernardino e do Sacadura que era Borrego. Na época da inauguração do Café Brasil pelo "Manel do café", lá pelos meados da década de sessenta, ainda era normal nos arredores chamarem"Brasil" à Abrunheira e a nós, os de cá, "Brasileiros". Na ida de manhã ou no regresso à noite, nos andantes da alva como cal “Palhinha” ou da azul celestial “Boa Viagem”, era frequente dizer-se como destino de viagem, “Brasil” em vez de Abrunheira. Esta história de Abrunhenses e Brasileiros não ficava completa sem, a propósito do Café Brasil, dizer que o “Manel do Café” era genro do autêntico Saloio "Sabino", homem grande que fazia dois de mim, e que tinha tanto de grande como de bom. Usava barrete, aquele barrete preto à Saloio, e aquelas calças de cetim que apertavam até por cima da barriga com a devida saliência, e também aquelas camisas que hoje só costumamos ver nos trajes dos ranchos folclóricos.

Também não é por acaso que à rua que vai da esquina do Ti Alexandre pela direita, ficando as “pateiras” à esquerda, lhe foi dado o nome de Gago Coutinho. Tem a ver com a aventura do “Lusitânia” e, por isso, perto do local onde tudo aconteceu.

Em 1975, aquando da fundação da URCA, muito se conversou e muito barro à parede se atirou, sobre que emblema e símbolo devíamos adotar ou criar, para a nossa coletividade. Ainda a propósito da brasilidade da nossa Terra, o emblema criamos, e as cores que lhes juntamos foram, nem mais nem menos, as cores do Brasil – O amarelo e o verde!

A nossa Terra tem passado e os seus filhos tiveram, e têm que continuar a ter futuro. O Coutinho que era Bernardino e o Borrego que não era Sacadura estão na nossa memória e, ficarão, ligados à história da Abrunheira!

(Extraído dos textos “Abrunheira, Terra com História” de Silvestre Brandão Félix, tendo sido alguns publicados no extinto blogue “Aldeia Viva” durante 2007 e 2008.)
(Correção e atualização do autor em 2011)
Silvestre Félix