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quinta-feira, 4 de março de 2021

JAVALIS, CASA DA ÁGUA E A ELETRICIDADE


Javalis (Google-A-Médio Tejo)
Num destes dias, calcorreando como habitualmente faço, pela “fresquinha”, instruí os meus calcantes no sentido da Capa-Rota pelo antigo caminho que vai até à “casa-da-água”, como antigamente se dizia e era. Com a mudança dos tempos, fazendo jus à modernidade, virou transformação de eletricidade. Eletricidade, essa coisa que eu, teimosamente, não consigo ver. O meu saudoso irmão “não levava à paciência” que eu não visse, não sentisse, não cheirasse e não adorasse a eletricidade.

Que hei de eu fazer? Bater com a cabeças nas paredes? Autoflagelar-me com cavalo-marinho de pontas estreladas? Atirar-me das escadas abaixo? Claro que não! Quero lá saber se isso a que chamam eletricidade, se vê ou não. Eu não vejo, ponto final parágrafo.

Uns 100 metros após o final da rua Humberto Delgado, para lá da ponta do Bairro da Arroteia, entrei no tal caminho que me fez recuar mais-ou- menos, sessenta de tempo contado em anos, por onde algumas vezes acompanhei a minha Mãe e a burra Carocha, levando trigo ou milho para o Ti Sebastião Moleiro transformar em farinha na mó gigante que na azenha trucidava tudo o que lhe aparecesse à frente.

Fiquei impressionado porque os carrascos que ladeiam o caminho continuam sendo altos. Na verdade, eu, em “puto”, quando daquelas passagens, os carrascos pareciam-me árvores gigantes, tal era a sua envergadura. Agora, nestes tempos pandémicos, continuam sendo grandes.

Eram vários os caminhos assim, entre a Abrunheira, Linhó, Colónia, Ranholas, Casal da Beloura, Capa Rota e Manique de cima ou Casal da Peça, que se cruzavam e davam a necessária serventia a pessoas e animais, para se chegar aos vários sítios.     

Voltando à questão do ver ou não ver, “eis a questão”; é verdade que, muitas vezes, vemos aquilo que queremos e o que não queremos, mas o que conta mais é o nosso querer. Por exemplo, se eu vi uma vara de porcos domésticos, embora pretos, tranquilamente a pastar no campo à frente da minha casa, e por uma razão quaisquer, quiser ver uma vara de javalis grandes, gordos e bem aparelhados de perigosos cornos pontiagudos, vejo! É a minha vontade e outros que se lixem, ou acreditam na patranha ou “vão dar uma curva ao bilhar grande” ou pelo menos ao pequeno.

Ou seja, os caçadores que estejam sossegados e não se ponham a limpar e afinar as espingardas, porque os javalis ainda não chegaram á Abrunheira.

Levar a nossa vontade avante é muito bonito, agora, em nome dessa vontade, querer enfiar o gorro aos outros, aí, já é aldrabice e vigarice.

Silvestre Brandão Félix

04 março de 2021

Foto: Google (A. Médio Tejo)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

O LIXO, A MULHER E A POBREZA ENVERGONHADA

 

Rio das Sesmarias Junto à Ponte na Abrunheira
Pelos zambujeiros e oliveiras, abrunheiros e mulatas, cedros e choupos, caminhos e curvas que começam a ficar debruados de ricos carrascos porque de muita bolota lhe pesarão, e os silvados que, com a chegada das andorinhas, coloridos de amoras se hão de encher, que antes, mas mesmo muito antes, foi território do melro “Simão” e da melra “Micas” que, na idade do Caracol Velho, sua filha Judite e genro Coutinho que era Bernardino, voavam e controlavam a zona.

Agora, muitas gerações para a frente, lindos melros, melras e suas proles, lhes fazem honras e se apresentam em enchentes, quase bandos, chilreando desde que o Sol desponta nestas terras ao fundo do Caracol, do Peixoto, do João da Batata, do Azevino e da Arroteia.

Por ali, pela Gago Coutinho que é mesmo Coutinho em homenagem ao Bernardino da Judite, abeirei-me do nosso amigo Rio das Sesmarias —"bem-aventurado” confessor e adivinho da nossa Terra que, por estes dias, corre de (barriga) água cheia com pressa de chegar à Azenha do Ti Sebastião — para nos dizer as últimas parangonas do jornal da caserna.

Não disse, mas soprou-me que os caixotes do lixo andam muito remexidos.

— Remexidos?

Interroguei eu! Que quereria o meu amigo dizer? Eu só pensei, mas ele adivinhou a dúvida, e voltou a soprar-me ainda mais forte que mais parecia a volta da “nortada”

— Têm umas varetas com um gancho na ponta e remexem… remexem… até encontrarem alguma coisa que se coma.

— O quê, será que percebi bem?

E pela “nortada” insistiu

— Sim! Percebeste bem, sim! Andam à procura de comer. Naturalmente que sempre acabam por ir outras coisas que as pessoas atiram para o lixo, mas é a necessidade de encher a barriguinha, que os leva a procurar nos caixotes aquilo que não têm nas despensas.

Aí, certificando-me que não havia mais ninguém por perto, perguntei em voz alta:

— Oh! Meu amigo Rio das Sesmarias, partindo do princípio de que me entendes bem, diz-me: São sempre os mesmos? E quantos são?

— Alguns vêm sempre de manhã cedo e ao lusco-fusco, outros vêm às vezes e, há uma mulher também. Esta, muito vestida e quase toda tapada, é difícil ver-se-lhe o rosto.

— Uma mulher? Pois é Amigo Rio das Sesmarias, são tempos de pobreza e muita, é envergonhada.

— Juro, por esta água que há de chegar à costa do Estoril em São Pedro, que nem no tempo do Caracol Velho, do Simão e da Micas, havia assim tanta pobreza de comidinha.

— Tens razão Amigo, a pobreza era outra. Mesmo assim, para comida e outras coisas de primeira necessidade, hoje há alternativas aos caixotes do lixo. As famílias com estas carências podem contactar a Junta de Freguesia em São Pedro pelo telefone 219 105 810, em Sintra 219 100 390 ou mail:  acaosocial@uniaodasfreguesias-sintra.pt .

O meu Amigo Rio das Sesmarias, ficou confortável com esta dica e agora corre bem cheiinho direito à Azenha que já foi do Ti Sebastião (moleiro).

Silvestre Brandão Félix

26 de fevereiro de 2021