– Oh filho, quando fores por esses caminhos
acima tens de olhar bem lá para a frente e, ao mesmo tempo, deves ter sempre
muito cuidado com quem pode vir atrás…
Primeiro atravessava o das Sesmarias e depois, lá mais acima,
a regueira da mulata. As vaquitas e, na maior parte das vezes a Carocha que de
burra tinha pouco, tinham a dianteira que bem sabiam o destino largo dos
Celões. Entravam sem engano na ponta de baixo à esquerda e nunca tiveram a
ousadia de seguir em frente em direção ao Linhó.
Por esses caminhos acima… os degraus da vida, de que a Minha
Mãe sempre me falava. As Mães da Abrunheira eram iguais às outras. Todas eram
as melhores para cada um dos putos abrunhenses e eu não era exceção – Não havia
Mãe melhor, que a Minha! Estava sempre disponível para me ensinar mais um
degrau e, muitas das vezes, com exemplos da sua vida cheia e rica de labuta
pela família e futuro dos filhos. Tanto tempo contado em anos passados, não são
poucas as vezes que uso e pratico os seus ensinamentos.
No tempo que passo em horas, dias e anos, teclando escritos
fluidos da parte arrumada da memória, e sendo Abrunheira a temática, é certo e
sabido que nas subidas e descidas das mais variadas personagens pelo palco, nas
falas e deixas que compõem o nosso teatro, lá está sempre com o seu papel bem
estudado, a Minha Mãe! Algumas das perguntas e respostas, frases soltas e
coladas dos nossos diálogos, aparecem, de quando em vez, nas minhas “postagens”
ou, simplesmente, em rascunhos que por aqui vão ficando.
– Oh Mãe, os Índios são todos maus e os
cowboys são os bons?
– Não filho! Há bons e maus nos dois lados!
– Oh Mãe, mas nos “quadradinhos”, escrevem que
os Índios é que são os maus…
– Eu sei filho, mas os que escrevem também
podem estar enganados…
– Mas naquele filme que eu vi na “sociedade” à
noite com a Felicidade e o Alfredo, eles também diziam que os bons eram os
tropas e os maus, os Índios…
– Está bem filho, mas quem faz os filmes
também se pode enganar. Quando fores maior vais perceber melhor…
– Oh Mãe, quando eu for grande também vou para
a tropa?
– Vais, todos os homens vão à tropa!
– Mas oh Mãe, eu não gosto da tropa nem da
guerra… quando for para a tropa também tenho que ir para a guerra?
– Não filho! Ainda faltam muitos anos para
ires para a tropa e, quando fores, a guerra já acabou!
– Oh Mãe, na Guerra das Áfricas os “Magalas”
também morrem como naqueles livros aos “quadradinhos” da Guerra dos alemães e
do Major Alvega?
– Oh Filho, tens de ter muito cuidado para
ninguém ouvir esta conversa. Vê lá se está aí alguém desse lado.
– Não Mãe, aqui não está ninguém!
– A Mãe também não
gosta da tropa nem da guerra, mas não digas isto a ninguém porque os que dizem
que são bons, podem vir fazer mal à gente…
A "Ti Augusta" desfazia-se em lágrimas, cada vez que
tinha, por qualquer razão, de desfazer-se de alguma das suas bichinhas – ajudava-as a nascer, criava-as, aliviava-as
da pressão do primeiro úbere cheio festejando a transformação em leite,
acompanhava o primeiro cio com o cuidado que a situação requeria e, para fecho
de ciclo, tratava-as e preparava-as para a função de mães, recomeçando tudo
outra vez.
A Minha Mãe era um hino
à vida. Hoje, a melhor Mãe do mundo, não me sai do pensamento…
Silvestre Félix
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