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segunda-feira, 6 de novembro de 2017

A MOTORETA E O SENHOR CORREIO DE RIO DE MOURO

A motoreta era, acho, cinzenta e não tinha quadro, como as “lambretas”, sendo o depósito do combustível recuado, por debaixo do assento que era daqueles triangulares e, atrás, tinha um apoio metálico de bagagem que, o “correio” (carteiro), usava para colocar duas grandes malas de cabedal, evidentemente, uma de cada lado, ligadas uma à outra, por uma larga tira também de cabedal. As malas vinham sempre muito cheias de envelopes e pequenas encomendas, bem como o saco, igualmente de cabedal, que o “Senhor correio” trazia, à, tiracolo.  

Não tenho ideia de alguma vez ter visto o “correio” montado na motoreta. Andava com ela pela mão e ia parando à medida que distribuía as cartas, os aerogramas ou encomendas.

A central distribuidora do correio da Abrunheira era de Rio de Mouro. O “correio”, era assim que a gente se referia a ele, porque do nome não me lembro. Recordo-me sim, da cara bonacheirona do simpático senhor. Vinha com aquela farda cinzenta e conhecia todos os abrunheirenses. Sabia dos mais velhos, dos pais, dos filhos e, principalmente, dos que estavam na tropa.

Naquela época, a Abrunheira não tinha placas toponímicas logo, o Senhor “correio”, sabia onde morava toda a gente. Pelo tipo de correspondência que entregava, sabia se estava a dar boas ou más notícias.

Era ele, o tal Senhor “correio” de Rio de Mouro com cara redonda, que entregava os aerogramas enviados pelo meu Primo Chico desde a Guiné, à minha Tia Ermelinda. Se estivesse por perto, dávamos, porque sabia que era eu que os lia à minha Tia. Aerogramas, era a correspondência da “guerra”. Para facilitar a troca de notícias entre os militares na guerra colonial e os seus familiares aqui em Portugal, o regime criou os aerogramas. Era uma folha azul/cinzento em que, num dos lados, se escrevia o que queríamos e, no outro lado, nos locais já definidos, escrevia-se o destinatário e o remetente. Depois, dobravam-se em três, tinham cola como os envelopes no topo e nos lados que, molhando e apertando, colava-os e ficava tudo fechado. Abri e fechei muitos à minha Tia Ermelinda.  

Mas, o tempo em que o “correio” (carteiro) conhecia toda a gente e não deixava que nada se extraviasse, já lá vai há uns bons quarenta e muitos ou cinquenta, de tempo contado em anos.

Agora, com estes correios, a coisa fia doutra maneira. Como empresa privada que é, o grande objetivo é obtenção de lucro para dar bons dividendos aos seus investidores. Muito depois disso, vem o interesse das pessoas comuns. Bem sei que, grande parte do que era o negócio, na época acima descrita, hoje não existe, mas, duma forma geral, todo o cidadão gostaria de ser tratado como gente e, infelizmente, nem sempre acontece.

Há uns anos, começaram a surgir nos envelopes uns grandes carimbos, aconselhando à colocação dos endereços corretos, sob pena da mesma correspondência ser devolvida.

No que me tocava, a coisa mais ou menos estava controlada. Mesmo assim, ainda tinha um ou outro caso com o endereço anterior à atribuição do número de polícia ou que não indicavam o “número de bloco” e, o novíssimo excesso de zelo dos “correios”, ainda me pregaram algumas partidas com devoluções, incómodas para quem enviou e para quem nunca recebeu. É que, era tudo igual, o meu nome e tudo, mas o que querem? Faltava o bloco ou uma vírgula e confundia-se com o piso, enfim, tretas!

Também não é preciso voltar aos correios do tempo do “Senhor correio de Rio de Mouro” e a sua motoreta, mas, que raio, um bocadinho de bom senso, não faz mal a ninguém.

Silvestre Brandão Félix
6 novembro de 2017

Fotos: Carteiro (Google)