A motoreta era, acho, cinzenta e não tinha quadro, como as
“lambretas”, sendo o depósito do combustível recuado, por debaixo do assento que
era daqueles triangulares e, atrás, tinha um apoio metálico de bagagem que, o “correio” (carteiro), usava para colocar
duas grandes malas de cabedal, evidentemente, uma de cada lado, ligadas uma à
outra, por uma larga tira também de cabedal. As malas vinham sempre muito
cheias de envelopes e pequenas encomendas, bem como o saco, igualmente de
cabedal, que o “Senhor correio”
trazia, à, tiracolo.
Não tenho ideia de alguma vez ter visto o “correio” montado na motoreta. Andava
com ela pela mão e ia parando à medida que distribuía as cartas, os aerogramas
ou encomendas.
A central distribuidora do correio da Abrunheira era de Rio
de Mouro. O “correio”, era assim que
a gente se referia a ele, porque do nome não me lembro. Recordo-me sim, da cara
bonacheirona do simpático senhor. Vinha com aquela farda cinzenta e conhecia
todos os abrunheirenses. Sabia dos mais velhos, dos pais, dos filhos e,
principalmente, dos que estavam na tropa.
Naquela época, a Abrunheira não tinha placas toponímicas
logo, o Senhor “correio”, sabia onde
morava toda a gente. Pelo tipo de correspondência que entregava, sabia se
estava a dar boas ou más notícias.
Era ele, o tal Senhor
“correio” de Rio de Mouro com cara redonda, que entregava os aerogramas
enviados pelo meu Primo Chico desde a Guiné, à minha Tia Ermelinda. Se
estivesse por perto, dávamos, porque sabia que era eu que os lia à minha Tia.
Aerogramas, era a correspondência da “guerra”. Para facilitar a troca de
notícias entre os militares na guerra colonial e os seus familiares aqui em
Portugal, o regime criou os aerogramas. Era uma folha azul/cinzento em que, num
dos lados, se escrevia o que queríamos e, no outro lado, nos locais já definidos,
escrevia-se o destinatário e o remetente. Depois, dobravam-se em três, tinham
cola como os envelopes no topo e nos lados que, molhando e apertando, colava-os
e ficava tudo fechado. Abri e fechei muitos à minha Tia Ermelinda.
Mas, o tempo em que o “correio”
(carteiro) conhecia toda a gente e não deixava que nada se extraviasse, já
lá vai há uns bons quarenta e muitos ou cinquenta, de tempo contado em anos.
Agora, com estes correios, a coisa fia doutra maneira. Como
empresa privada que é, o grande objetivo é obtenção de lucro para dar bons
dividendos aos seus investidores. Muito depois disso, vem o interesse das
pessoas comuns. Bem sei que, grande parte do que era o negócio, na época acima
descrita, hoje não existe, mas, duma forma geral, todo o cidadão gostaria de
ser tratado como gente e, infelizmente, nem sempre acontece.
Há uns anos, começaram a surgir nos envelopes uns grandes
carimbos, aconselhando à colocação dos endereços corretos, sob pena da mesma
correspondência ser devolvida.
No que me tocava, a coisa mais ou menos estava controlada.
Mesmo assim, ainda tinha um ou outro caso com o endereço anterior à atribuição
do número de polícia ou que não indicavam o “número de bloco” e, o novíssimo
excesso de zelo dos “correios”, ainda me pregaram algumas partidas com
devoluções, incómodas para quem enviou e para quem nunca recebeu. É que, era
tudo igual, o meu nome e tudo, mas o que querem? Faltava o bloco ou uma vírgula
e confundia-se com o piso, enfim, tretas!
Também não é preciso voltar aos correios do tempo do “Senhor correio de Rio de Mouro” e a sua
motoreta, mas, que raio, um bocadinho de bom senso, não faz mal a ninguém.
Silvestre Brandão Félix
6 novembro de 2017
Fotos: Carteiro (Google)