domingo, 8 de dezembro de 2013

HINO À VIDA!


 – Oh filho, quando fores por esses caminhos acima tens de olhar bem lá para a frente e, ao mesmo tempo, deves ter sempre muito cuidado com quem pode vir atrás…
Primeiro atravessava o das Sesmarias e depois, lá mais acima, a regueira da mulata. As vaquitas e, na maior parte das vezes a Carocha que de burra tinha pouco, tinham a dianteira que bem sabiam o destino largo dos Celões. Entravam sem engano na ponta de baixo à esquerda e nunca tiveram a ousadia de seguir em frente em direção ao Linhó.
Por esses caminhos acima… os degraus da vida, de que a Minha Mãe sempre me falava. As Mães da Abrunheira eram iguais às outras. Todas eram as melhores para cada um dos putos abrunhenses e eu não era exceção – Não havia Mãe melhor, que a Minha! Estava sempre disponível para me ensinar mais um degrau e, muitas das vezes, com exemplos da sua vida cheia e rica de labuta pela família e futuro dos filhos. Tanto tempo contado em anos passados, não são poucas as vezes que uso e pratico os seus ensinamentos.
No tempo que passo em horas, dias e anos, teclando escritos fluidos da parte arrumada da memória, e sendo Abrunheira a temática, é certo e sabido que nas subidas e descidas das mais variadas personagens pelo palco, nas falas e deixas que compõem o nosso teatro, lá está sempre com o seu papel bem estudado, a Minha Mãe! Algumas das perguntas e respostas, frases soltas e coladas dos nossos diálogos, aparecem, de quando em vez, nas minhas “postagens” ou, simplesmente, em rascunhos que por aqui vão ficando.
 – Oh Mãe, os Índios são todos maus e os cowboys são os bons?
 – Não filho! Há bons e maus nos dois lados!
 – Oh Mãe, mas nos “quadradinhos”, escrevem que os Índios é que são os maus…
 – Eu sei filho, mas os que escrevem também podem estar enganados…
 – Mas naquele filme que eu vi na “sociedade” à noite com a Felicidade e o Alfredo, eles também diziam que os bons eram os tropas e os maus, os Índios…
 – Está bem filho, mas quem faz os filmes também se pode enganar. Quando fores maior vais perceber melhor…
 – Oh Mãe, quando eu for grande também vou para a tropa?
 – Vais, todos os homens vão à tropa!
 – Mas oh Mãe, eu não gosto da tropa nem da guerra… quando for para a tropa também tenho que ir para a guerra?
 – Não filho! Ainda faltam muitos anos para ires para a tropa e, quando fores, a guerra já acabou!
 – Oh Mãe, na Guerra das Áfricas os “Magalas” também morrem como naqueles livros aos “quadradinhos” da Guerra dos alemães e do Major Alvega?
 – Oh Filho, tens de ter muito cuidado para ninguém ouvir esta conversa. Vê lá se está aí alguém desse lado.
 – Não Mãe, aqui não está ninguém!
 – A Mãe também não gosta da tropa nem da guerra, mas não digas isto a ninguém porque os que dizem que são bons, podem vir fazer mal à gente…
A "Ti Augusta" desfazia-se em lágrimas, cada vez que tinha, por qualquer razão, de desfazer-se de alguma das suas bichinhas – ajudava-as a nascer, criava-as, aliviava-as da pressão do primeiro úbere cheio festejando a transformação em leite, acompanhava o primeiro cio com o cuidado que a situação requeria e, para fecho de ciclo, tratava-as e preparava-as para a função de mães, recomeçando tudo outra vez.
A Minha Mãe era um hino à vida. Hoje, a melhor Mãe do mundo, não me sai do pensamento…
Silvestre Félix