«— Pelos “Reis”, a
“corrente” do meu leito, corria louca por esses vales abaixo. Água com fartura
que, muitas vezes, até saltava fora como se restos de alguma indigestão fosse.
Mas, não! Muito bem-disposto me sentia nesses tempos. Todos vinham ter comigo;
a forte nascente da “Chancuda”, dos “Barros” e da “Charneca”. Engrossadas as
“correntes” com as chuvas da época, quando me tocavam e no meu largo “leito”
entravam, davam razão de ser à minha existência.
— Rio Das Sesmarias, me
batizaram os abrunheirense, possivelmente lá pelos tempos do Rei Fernando, o
primeiro de nome e o último da dinastia fundadora deste, que era “reino”, e já,
“à beira-mar plantado”, corria o último quartel do século XIV. Sim, porque o
segundo Fernando, havia de muito andar por estas bandas por ser consorte da
Maria II e, por isso, regente à sua morte, enquanto o Pedro, que havia de ser
quinto e muito depressa. No Ramalhão lá está a sua estátua. É responsável pela
plantação de muita árvore na Serra e pela construção do Palácio da Pena e do
mesmo parque. Havia também de construir, lá, o Chalé da sua segunda esposa; a
Condessa D’Edla que, coitada, a rotunda organizadora de andantes fumarentos,
lhe haviam de dar o seu nome. Que infelizes são, os inteligentes que nada
sabem.
— Água com fartura e,
toda a vida junto a mim, se compunha, crescendo com vigor para atingir o auge a
meados de março, começo da primavera. Aí, mantinha a minha zona de influência
com humidade suficiente para tudo ir crescendo e tomando cor.
— Pelos “Reis”, contra
a “corrente”, começavam a subir as enguias que, passando pelo cano da horta,
chegavam ao poço, cada vez em maior quantidade.
— A “mina” do Santo
António, nestes meses, chegava à altura da porta e corria com mais força para
os tanques que, assim, depressa renovavam a lavagem e voltava a chegar, outra
vez, até mim, que, pelo leito abaixo, a tempo de apanhar a confluência da
“regueira” do “Anjinho” e, pelos “Quatro-Donos” e “Arroteia”, depressa na
Capa-Rota e Manique, estava.»
Assim, era, o Rio das Sesmarias! Todo o ano com água. As
nascentes debitavam-lhe o precioso líquido e mantinham “corrente” no leito.
Quando chovia, enchia e transbordava, mantendo-se cheio durante muitos dias.
Agora… agora alguma água corre quando chove muito. É preciso
mesmo chover muito. Ao fim do dia seguinte, a água desaparece.
Por estes “reis”, choveu e matei as saudades de ver o Rio das
Sesmarias com água corrente. Foi só um dia.
Toda a gente tem conhecimento deste crime. Sim! Porque se a
água não chega aqui, é porque vai para qualquer outro lado… ou não?
Silvestre Brandão Félix
15 janeiro de 2018
Foto: Condessa D'Edla (Blogue riodasmaças) (Google)