segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

A ÁGUA CORRIA LOUCA, A CONDESSA E AS ENGUIAS

«— Pelos “Reis”, a “corrente” do meu leito, corria louca por esses vales abaixo. Água com fartura que, muitas vezes, até saltava fora como se restos de alguma indigestão fosse. Mas, não! Muito bem-disposto me sentia nesses tempos. Todos vinham ter comigo; a forte nascente da “Chancuda”, dos “Barros” e da “Charneca”. Engrossadas as “correntes” com as chuvas da época, quando me tocavam e no meu largo “leito” entravam, davam razão de ser à minha existência.

— Rio Das Sesmarias, me batizaram os abrunheirense, possivelmente lá pelos tempos do Rei Fernando, o primeiro de nome e o último da dinastia fundadora deste, que era “reino”, e já, “à beira-mar plantado”, corria o último quartel do século XIV. Sim, porque o segundo Fernando, havia de muito andar por estas bandas por ser consorte da Maria II e, por isso, regente à sua morte, enquanto o Pedro, que havia de ser quinto e muito depressa. No Ramalhão lá está a sua estátua. É responsável pela plantação de muita árvore na Serra e pela construção do Palácio da Pena e do mesmo parque. Havia também de construir, lá, o Chalé da sua segunda esposa; a Condessa D’Edla que, coitada, a rotunda organizadora de andantes fumarentos, lhe haviam de dar o seu nome. Que infelizes são, os inteligentes que nada sabem.

— Água com fartura e, toda a vida junto a mim, se compunha, crescendo com vigor para atingir o auge a meados de março, começo da primavera. Aí, mantinha a minha zona de influência com humidade suficiente para tudo ir crescendo e tomando cor.
  
— Pelos “Reis”, contra a “corrente”, começavam a subir as enguias que, passando pelo cano da horta, chegavam ao poço, cada vez em maior quantidade.

— A “mina” do Santo António, nestes meses, chegava à altura da porta e corria com mais força para os tanques que, assim, depressa renovavam a lavagem e voltava a chegar, outra vez, até mim, que, pelo leito abaixo, a tempo de apanhar a confluência da “regueira” do “Anjinho” e, pelos “Quatro-Donos” e “Arroteia”, depressa na Capa-Rota e Manique, estava.»

Assim, era, o Rio das Sesmarias! Todo o ano com água. As nascentes debitavam-lhe o precioso líquido e mantinham “corrente” no leito. Quando chovia, enchia e transbordava, mantendo-se cheio durante muitos dias.

Agora… agora alguma água corre quando chove muito. É preciso mesmo chover muito. Ao fim do dia seguinte, a água desaparece.

Por estes “reis”, choveu e matei as saudades de ver o Rio das Sesmarias com água corrente. Foi só um dia.

Toda a gente tem conhecimento deste crime. Sim! Porque se a água não chega aqui, é porque vai para qualquer outro lado… ou não?

Silvestre Brandão Félix
15 janeiro de 2018
Foto: Condessa D'Edla (Blogue riodasmaças) (Google)

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