terça-feira, 19 de agosto de 2014

MALDITA CORVINA!

Jardim do Bairro da Colónia - Silvestre - 1973
Em tempo passado, corrido e contado em anos, irão, pelo menos, uns quarenta e um. É verdade, ainda vivíamos no regime do “botas” que já não era, embora, na fase final duma “primavera” que nunca chegou a ser. Mil novecentos e setenta e três, derradeiros anos do terceiro quartel do já longínquo século vinte. No ano anterior – setenta e dois – tinham acontecido os Olímpicos de Munique e, por isso, por esses caminhos acima até ao “novoBairro da Colónia, levei o meu rádio, gravador e leitor de cassetes pirata e sem serem, dentro do saquinho branco com o símbolo olímpico e escrito “Munique “72”.

Quem vai por esses caminhos acima também vem por esses caminhos abaixo. Realmente vim, mas depois de muita “praga” ter atirado à corvina. Sim, corvina! Aquele peixe muito bom que, nos últimos tempos, anda fugido das nossas peixarias. Em setenta e três do século passado – ano do III Congresso da Oposição Democrática em Aveiro que a PIDE-DGS desavergonhadamente invadiu – penso que por volta de Abril, o Caravaca-PaiGuarda prisional dos antigos – desafiou alguns amigos do Caravaca-filho para se fazer a “folha” a uma cabeçorra de corvina cozida. E então lá fui por aí acima com os do costume, estrear a casa nova do Caravaca que, até aí, morava, como muitos outros guardas prisionais da Colónia, na Abrunheira, junto ao Chico Cobeca, no início da Travessa do Norte.

Maldita corvina!” Então, não é que, com o que lhe juntei de bebida, talvez vinho branco ou verde-branco fresco, armou um sarilho alcoólico-intestinal que me ia desfazendo todo em vómito e diarreia como nunca antes nem depois experimentara. “Maldita corvina” foi o que mais repeti cambaleando no bonito jardim e boca d’água do “Novo bairro da Colónia” de mil novecentos e setenta e três quando, ainda, a dois passos do Chiado, a PIDE-DGS torturava o operário, a doméstica ou o intelectual, só porque a linha de pensamento divergia e eu, duma “janela dum terceiro andar” que, com o Tejo como espelho, conseguia ver todo o mundo pelo lado dos dezoito anos que nunca mais voltaram. 

Desde essa época, em anos o tempo conta quarenta e um e, pelo menos, durante metade, quando pelos caminhos acima ou abaixo, vamos ou vimos pela Colónia – sempre com muito cuidado como a minha querida Mãe dizia quando, em tempo contado para trás em anos seriam dez, onze ou doze e me deixava conduzir pela burra Carocha, pela ternurenta vaca Bonita, pela Marcina, pela Estrela e por outras que os nomes voltavam por passarem de mães leiteiras e parideiras para vitelas filhas e criadas com tanto amor pela Ti Augusta, que muita tristeza se abatia lá por casa quando o destino se cumpria e o Fachadas ou outro qualquer comprador se abeirava e carregava o animal – revolve-me o estomago mas não por causa da “corvina” nem do branco maduro ou verde fresco. O “Bairro da Colónia” está velho e abandonado de manutenção e arranjos básicos. As velhas moradias, por exemplo a do “guardaVicente, há muito que “desistiram” e telhados ou paredes se deixaram cair, os prédios – como o do Caravaca – de mil novecentos e setenta e dois e setenta e três, vão pelo mesmo caminho se não lhe puserem “a mão” rapidamente.

O antes “novo” e agora “velhoBairro da Colónia, está como este País, a cair aos bocados no meio duma revolta estomacal só que, agora, a culpa não é da “maldita corvina”, mas sim, da

“Maldita corja!”


Silvestre Félix